ELOGIO DO ENRIQUECIMENTO
Todos os homens são iguais em humanidade, até os escravos, porém os que possuem um patrimônio são mais iguais que os outros. Esse mesmo patrimônio desempenha na economia antiga um papel tão central quanto o da empresa entre nós, o da sociedade anônima; no entanto, para bem compreendê-lo precisamos deixar de lado ideias que seriam mais verdadeiras com relação ao Ancien Regime. Fazer negócios em Roma não significava aviltar-se; a usura e o comércio não eram apanágio exclusivo de uma classe ou ordem especializadas, burguesia, libertos ou cavaleiros; a nobreza e os notáveis não eram todos proprietários absenteístas, senhores indolentes; a autarcia, o mito filosófico, não constituía a finalidade de sua gestão, e eles não se limitavam a explorar superficialmente seus domínios para tirar aquilo com que mantinham sua posição: queriam aumentar seu patrimônio, ganhar dinheiro por todos os meios. A grande palavra não era autarcia, nem indolência, nem rebaixamento, mas negocismo nobre; o patrão, o chefe de empresa, nessa época, era o "pai de família", expressão em que o termo família significa casa e patrimônio. Um negocismo patrimonial.
E é porque a economia pertencia à vida privada, o que absolutamente não é o caso hoje em dia quando se fala em legítimo capitalismo anônimo. Entre nós, os atores econômicos são pessoas morais chamadas firmas ou sociedades; existem, portanto, máquinas anônimas que produzem dinheiro e pessoas privadas se empoleiram sobre esses recursos. Entre eles, os atores econômicos eram as próprias pessoas privadas, os pais de família. Entre nós, uma firma de importação-exportação continua sendo o que era se os acionistas mudam e revendem seus títulos a [pág. 128] outros. Entre os romanos, um patrimônio continuava sendo o que era se seu proprietário abandonava o comércio marítimo e aplicava toda a fortuna em bens de raiz. Disso não decorre, comoveremos, que a racionalidade do pai de família se limitasse a assegurar o futuro de sua casa em lugar de procurar o lucro à maneira da racionalidade capitalista: a diferença estava alhures. "Ajamos como bons pais de família", escreve Sêneca a Lucílio, falando por provérbio: "aumentemos o que recebemos como herança; que a sucessão passe ampliada por mim a meus herdeiros." Esbanjar o patrimônio equivale a destruir a dinastia e cair na subumanidade: os nobres arruinados eram descontentes, conspiradores em potencial, cúmplices de qualquer Catilina; ao contrário, o filho de um arrivista, de um liberto enriquecido, poderá ingressar na ordem dos cavaleiros e ambicionar ver o próprio filho senador. As virtudes aquisitivas eram nobres; de acordo com Cícero, se um filho da classe alta não for um inútil, entrará na carreira pública ou pelo menos aumentará o patrimônio da família. Essa aprendizagem dos interesses patrimoniais é uma parte pouco conhecida da educação romana. Em 221 antes de nossa era, o povo romano ouviu a oração fúnebre de um grande senhor chamado Cecílio Metelo; um de seus méritos reconhecidos foi o de ter sabido "ganhar muito dinheiro por meios honestos". Sem dúvida não havia desonra em ser "pobre", o que, evidentemente, era a condição mais comum; alguns até tiravam disso uma sabedoria, como Horácio.
O problema é que a palavra "pobre" não tem o mesmo sentido em latim e em francês [e em português], onde ganha seu significado em relação à sociedade inteira, que compreende uma maioria de pobres e um punhado de ricos; em latim, essa maioria não conta, e a palavra "pobre" tem um significado no seio da minoria que chamaríamos de rica: os pobres eram os ricos que não eram muito ricos. Horácio fazia da pobreza virtude e se declarava pronto para consolar-se caso suas ambições naufragassem: a pobreza sempre lhe serviria de barco salva-vidas. O dito barco consistia de dois domínios, um em Tívoli e outro em Sabina, onde a casa do senhor ocupava uma área de seiscen- [pág. 129]
tos metros quadrados. A pobreza no sentido cristão e moderno do termo ultrapassava o horizonte do que ele podia conceber. Enriquecer, ou pelo menos se ocupar do próprio patrimônio e dos negócios, não significava romper com o ócio? Não. O negocismo, como vimos, era uma realidade que continuava não sendo essencial à identidade de um notável (assim como Paul Éluard, que vivia de especulações imobiliárias em Saint-Denis, foi poeta, e não corretor de imóveis). A gestão de um patrimônio de bens de raiz implicava que o dono supervisionasse o cultivo de suas terras, vigiasse seu administrador ou escravo intendente, vendesse pelo melhor preço os produtos da propriedade; devia também emprestar dinheiro a juros para nunca deixá-lo parado. Tudo isso, porém, apenas decorria do direito de propriedade e constituía seu exercício. Quanto aos outros meios de "ganhar muito dinheiro", por meios honestos ou não, referiam-se ao exercício ou abuso de direitos civis ou honras cívicas: esposar um dote, atrair heranças ou legados, pilhar seus administrados e os fundos públicos.
História da vida privada, 1: do Império Romano ao ano mil / organização Paul Veyne ; tradução Hildegard Feist; consultoria editorial Jonatas Batista Neto. — São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
Nenhum comentário:
Postar um comentário