quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Brazil, Brésil, Brasile, Brasilien…


Brazil, Brésil, Brasile, Brasilien…
{outubro de 2009}


De Pero Vaz de Caminha a Albert Einstein, não houve quem ficasse indiferente a esta terra. Uns se apaixonaram, armaram mudança, viraram brasileiros; outros nunca mais quiseram pôr os pés aqui. Neste Especial, confira as impressões de estrangeiros que povoaram nossa história e imaginação.

“Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas”, escreve Pero Vaz de Caminha, naquele que seria o primeiro relato sobre o Brasil e seus habitantes. O escriba da frota de Cabral se impressionou com os nativos, a naturalidade ao andar nus (“nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto”) e com a beleza estonteante da natureza.
Durante os 509 anos seguintes, gente de todas as partes também se mandaram pra cá. Para alguns, continuamos a ser o país do futebol e Carnaval (ou, numa versão anterior ao século 20, dos índios e dos papagaios). Outros, com olhares mais sensíveis, resolveram entendê-lo de fato. Não faltaram ilustres estrangeiros que se meteram nas cidades e florestas para captar a alma brasileira. Ao saírem, deixaram registros valiosos, uma forma de entender o País por meio de uma visão estrangeira – documentos primordiais para o conhecimento de nossa terra.
Há quem, por chegar muito novo ou por dedicar a vida a este lugar, se tornou brasileiro de fato. É o caso do argentino Carybé, da ucraniana Clarice Lispector, dos italianos Gianfrancesco Guarnieri e Alfredo Volpi. Lina Bo Bardi, também nascida na Itália, dizia: “Eu não nasci aqui, escolhi este lugar para viver. Por isso, o Brasil é meu país duas vezes, é minha pátria de escolha, e eu me sinto cidadã de todas as cidades, desde o Cariri ao Triângulo Mineiro, às cidades do interior e às da fronteira”.
Outros vieram só de passagem. Um dos destinos preferidos era a mítica floresta Amazônica. Presidentes, estudiosos e aventureiros estiveram por lá. As cenas urbanas também deixaram os gringos de cabelo em pé. Para Albert Einstein, ver o mar do Rio de Janeiro foi uma das maiores emoções da vida.
Nas próximas páginas, conheça histórias de estrangeiros que arriscaram a vida para nos conhecer, que se emocionaram ao pisar nesta terra e, também, que prometeram nunca mais pôr os pés aqui. Todos saíram um pouco brasileiros.

Verdadeiro Indiana Jones aventurou-se na Amazônia
O coronel Percy Harrison Fawcett foi contratado em 1908 pelo governo boliviano para traçar as fronteiras com o Peru. Seu espírito aventureiro o levou até o Brasil, onde passou por maus bocados. Topou com índios canibais, recebeu uma chuva de flechas ao se aproximar de uma tribo e quase foi morto por uma anaconda de 20 metros.
Fawcett estava convencido de que o Brasil escondia uma civilização originária da Atlântida, localizada entre o Xingu e o Araguaia, na Serra do Roncador. “Os índios brasileiros são remanescentes de uma raça superior, oriunda de uma civilização desaparecida há milhares de anos”, garantia.
Em 1925, o aventureiro partiu em busca da civilização perdida e nunca mais voltou. Durante décadas, dezenas de expedições foram em seu encalço – dizem que até hoje o jornal inglês The Times oferece prêmio a quem prestar informações confiáveis sobre seu paradeiro. O coronel inspirou escritores como Arthur Conan Doyle (O Mundo Perdido) e H. Rider Haggard (As Minas do Rei Salomão). A partir dele, os cineastas Steven Spielberg e George Lucas teriam criado Indiana Jones.

Em 1925, numa rápida viagem ao Rio, Albert Einstein comentou: “A vista do mar no caminho do porto até o Copacabana Palace foi uma das maiores emoções da minha vida”. Mas passou apurosao experimentar vatapá com pimenta. Saiu com a língua queimada.

Langsdorff não esqueceria o Brasil, mas esqueceu

1824. Numa aventura que começa em Minas e termina na Amazônia, o naturalista alemão George Von Langsdorff promoveu aquela que seria a maior viagem de exploração já ocorrida no Brasil. Ao lado de astrônomos, botânicos, zoólogos e ilustradores, vai de povoado em povoado. Registra a vida cotidiana, elabora mapas e cataloga animais e plantas. Mais de 12 mil espécies vegetais são descobertas. “É um país dos mais admiráveis. A lembrança de minha permanência ali ficará indelével por toda a vida”, afirma.

Mas a expedição também passou por apuros. Os viajantes enfrentaram ataques de mosquitos, brigas, malária, febre amarela, afogamentos. Em uma das paradas, acometido por febre, Langsdorff apaga. Fica inconsciente por dias. Sua última anotação da viagem é de maio de 1828: “Nossas provisões minguam a olhos vistos. Precisamos apressar nossa marcha”. A doença agrava-se. Um dia Langsdorff acorda sem saber onde está, nem como chegou ali. A última lembrança data de 1825, três anos antes, ainda no Porto de Santos.

Em 1970, a cantora Janis Joplin veio ao Brasil com o intuito de se afastar das drogas. Era Carnaval, não deu muito certo. Bebeu feito louca, fez topless na praia e deu canjas em inferninhos. Na volta, declarou: “Se você tem cabelo comprido, te expulsam de um lugar e nunca deixam entrar. O melhor mesmo foram umas noites em que cantei com uns amigos num bordel”.

A atriz Brigitte Bardot dizia que tinha redescoberto em Búzios a alegria de viver, e lá passava longas temporadas. Ela chegou a fazer um trato com os paparazzi. Prometia fotos exclusivas, desde que deixassem a cidade.

Roosevelt quase morre na Amazônia

Theodore Roosevelt perdeu as eleições para o terceiro mandato de presidente dos Estados Unidos em 1912. Desiludido, resolveu se embrenhar na Amazônia ao lado do Marechal Rondon, com quem promoveu a Expedição Roosevelt–Rondon. O objetivo era mapear o rio da Dúvida, principal afluente do Madeira.
Tudo começou tranquilo, mas a situação se complicou quando atravessaram por terra o chapadão e o cerrado mato-grossense rumo à floresta. Tribos hostis, como os nhambiquaras, assustaram o
ex-presidente, que os descreveu como “ladrões e assassinos despreocupados”.
Em certo momento da viagem, Roosevelt contrai malária. À beira da morte, pede para ser deixado pra trás. Rondon não atende. Ao fim da expedição, descobre-se que o rio da Dúvida possui impressionantes 1.600 quilômetros. São coletados 2.500 aves e 500 mamíferos. Em homenagem ao ex-presidente americano, hoje se chama rio Roosevelt.
O estadista volta aos Estados Unidos abatido, com profundas rugas. Sobre seu estado, um jornalista escreve: “Acho que o coronel nunca mais vai fazer uma viagem como essa”.

Um episódio do desenho animado Os Simpsons revoltou a Prefeitura do Rio. A família vai à cidade, é assaltada por um bando de crianças, depara-se com ratos coloridos para “agradar turistas” e, sequestrada, é levada à Amazônia – que, por sinal, ficava logo ali, a uns cinco minutos de barco do Redentor. “Aqui tudo é uma surpresa”, afirma Margie, a mãe da família.

Criador da antropologia estruturalista, Lévi-Strauss esteve no Brasil entre 1935 e 1939. Era professor da USP, mas gostava mesmo era de viajar território adentro. Tinha grande fascinação pelos índios. Em Tristes Trópicos, afirma: “A vocação de antropólogo começou nessas viagens”.

Brasil, país do futuro

Em 1941, o austríaco Stefan Zweig mudou-se para Petrópolis, fugindo dos horrores da 2ª Guerra. Aqui lançou o livro Brasil, País do Futuro, um tratado de amor à terra que o recebeu. Sobre a chegada ao Rio de Janeiro, registrou: “Uma das mais fortes impressões da minha vida [...] nesta combinação sem igual de mar e montanha, cidade e natureza”. Para ele, estávamos destinados a ser “um dos mais importantes fatores do desenvolvimento futuro do mundo”, éramos “um país cuja importância para as gerações vindouras não podemos calcular, mesmo fazendo as mais ousadas combinações”.
No entanto, Zweig nunca superou o trauma da guerra. Em fevereiro de 1942, seguido da mulher, ingeriu barbitúricos e morreu, deixando uma carta: “Sinto-me
impelido a cumprir um último dever: fazer um profundo agradecimento ao Brasil, país maravilhoso que proporcionou a mim e ao meu trabalho repouso tão generoso e hospitaleiro”.

Um canibal vai te comer? Comece a chorar
Em 1554, o aventureiro alemão Hans Staden foi aprisionado por índios canibais no litoral fluminense. Só que, sempre que ia ser devorado, chorava copiosamente. O jantar então era suspenso – os índios não comiam gente covarde.
Assim foi durante meses. Staden era levado a tribos vizinhas para que visse cenas antropofágicas. “Olha lá, seu português, como vamos te devorar”, ameaçavam. “Mas eu não sou português! Eu sou alemão!” “Ah, é? Os últimos cinco portugueses que comemos diziam a mesma coisa.”
Certo dia, o aventureiro conseguiu ser resgatado por uma embarcação francesa. Na Europa, escreveu o livro Duas Viagens ao Brasil, uma das primeiras publicações sobre o País. Fala da fauna, da flora e lembra, com boas doses de exagero, das agruras que passou por estas terras. Sobre a prática canibal dos índios, explica: “Considera um homem sua maior honra capturar e matar muitos inimigos, o que entre eles é habitual. Traz tantos nomes quantos inimigos matou”.

O português Silvino Santos é um dos precursores em filmar longas-metragens na Amazônia. Destaca-se No Paiz das Amazonas (1921), sucesso em toda a Europa.

“O Brasil não é um país sério.” A frase, atribuída ao presidente francês Charles De Gaulle, na verdade foi dita por um embaixador brasileiro na França. Um repórter entendeu mal a história e mandou a notícia como se a sentença fosse do presidente. Crise diplomática. No Rio, um aposentado pichou a embaixada do país europeu. E se justificou: “Nossas autoridades não se pronunciaram a respeito. Resolvi, eu próprio, exteriorizar a repulsa do povo brasileiro contra a desfaçatez francesa”.

Como parte da Política de Boa-Vizinhança, Orson Welles veio ao País para gravar o documentário É Tudo Verdade. Os temas abordados seriam o Carnaval carioca e jangadeiros cearenses. Num passeio com Vinicius de Moraes pelo Rio, o cineasta encarou uma favela: “É um Frankenstein, um monstro
que vai se voltar contra vocês”. O documentário estava quase concluído quando, numa das últimas tomadas, um jangadeiro morreu no mar. O filme ficou inacabado.

O pintor holandês Frans Post foi o primeiro grande artista europeu a registrar o Brasil. Convidado por Maurício de Nassau, desembarcou em Recife em 1644. Durante sua permanência, pintou cerca de 20 telas que mostram imagens realistas dos territórios holandeses no Nordeste, a mistura entre as três raças e paisagens bucólicas.
SAIBA MAIS
Coronel Fawcett – A verdadeira história de Indiana Jones, de Hermes Leal (Geração Editorial, 2000).O Rio da Dúvida, de Candice Millard (Companhia das Letras, 2007).
Bruno Hoffmann
Almanaque Brasil

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