terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O HOMEM E SUAS REPRESENTAÇÕES SOBRE A MORTE E O MORRER: UM PERCURSO HISTÓRICO


O HOMEM E SUAS REPRESENTAÇÕES SOBRE A MORTE E O MORRER: UM PERCURSO HISTÓRICO


CAPUTO, Rodrigo Feliciano
Graduado em Tecnologia e Informática e graduando em Psicologia, do Centro Universitário
Católico Salesiano Auxilium UNISALESIANO – Campos II, Lins-SP.


1 – A morte na Antiguidade
Não é pretensão deste trabalho realizar um tratado sobre a morte, mas sim demonstrar o modo distinto com que algumas culturas têm lidado com a morte e o morrer e as significativas transformações que ocorreram ao longo do tempo e do espaço. Mais precisamente foram investigadas as representações da morte nas seguintes culturas e religiões: mesopotâmica, grega, cristã, judaica, hindu e, de maneira especial, a cultura ocidental da idade média até a contemporânea.
A morte é caracterizada pelo mistério, pela incerteza e, conseqüentemente, pelo medo daquilo que não se conhece, pois os que a experimentaram não tiveram chances de relatá-la aos que aqui ficaram. Todos esses atributos da morte desafiaram e desafiam as mais distintas culturas, as quais buscaram respostas nos mitos, na filosofia, na arte e nas religiões, buscando assim pontes que tornassem compreensível o desconhecido a fim de remediar a angústia gerada pela morte.


A morte tem um papel de grande relevância nas sociedades. Para ilustrar tal afirmação Giacoia (2005) afirma que a maneira como uma sociedade se posiciona diante da morte e do morto tem um papel decisivo na constituição e na manutenção de sua própria identidade coletiva e, conseqüentemente, na formação de uma tradição cultural comum. Isso pode ser constatado nas culturas descritas a seguir.
A sociedade Mesopotâmica sepultava seus mortos com tamanho zelo que juntamente com o corpo eram postos vários pertences que marcavam a identidade pessoal e familiar do mesmo (roupas, objetos de uso pessoal e até mesmo a sua comida favorita), garantindo assim que nada lhe faltaria na travessia do mundo da vida para o mundo da morte, implantado no subterrâneo terrestre. Este rito objetivava a representação de morte que os mesopotâmios tinham, que era a de passagem.
Já os gregos tinham como característica cultural nos seus ritos funerários a prática de cremar os corpos dos mortos, com o intuito de marcar a nova condição existencial destes, a condição social de mortos. Entretanto, havia dois tipos de mortos basicamente: os mortos comuns e anônimos e os heróis falecidos. Os primeiros eram cremados e enterrados coletivamente em valas, uma vez que eram vistos como simples mortais. Já o segundo tipo era levado à pira crematória, reservada para os grandes heróis, na cerimônia da bela morte, uma vez que nas representações dos gregos esse tipo de morte tornava imortal o morto. Esse tipo de simbolização da morte pode ser constatada na obra de Homero, denominada Ilíada, onde o autor aponta Aquiles como o melhor dos gregos em função de seus atos de bravura (GIACOIA, 2005).



2 - A morte e as religiões
Os hindus, como os gregos, tinham o costume de incinerar os corpos. Entretanto, o sentido era completamente diferente, pois os gregos cremavam com o intuito das cinzas guardarem a memória dos mortos. Já os hindus cremavam o cadáver, o qual era despojado de sua identidade, personalidade e inserção social. Uma vez consumido pelo fogo, as cinzas eram lançadas ao vento ou nos rios.
Através deste ritual os hindus objetivavam a sua representação da morte que consistia na passagem para outro plano da existência: o fundir-se com o Absoluto, o acesso ao Eterno, ao Nirvana, ou seja, à paz originária.


Ao contrário dos gregos, para os hindus a grande personalidade não era o herói, nem o rei, mas sim aquele que fosse capaz de negar-se a si mesmo, despojando-se de seus traços individuais. Com isso, o indivíduo admirável para os hindus eram os ascetas, os monges, os quais despojavam-se a tal ponto de abrir mão dos dois mais poderosos mananciais da vida: o desejo de conservação e de reprodução. Estes não tinham os corpos cremados, mas eram enterrados em posição de meditação, em covas nos lugares sagrados, nos quais eram realizadas peregrinações e indicavam para os hindus que o verdadeiro sentido da vida era o despojamento do corpo, o que resultaria numa preparação para a morte gloriosa (GIACOIA, 2005).
Já para a civilização cristã e para boa parte dos judeus (aqueles que acreditam na ressurreição) a morte era vista como passagem para outra dimensão, a transposição ao eterno sofrimento e expiação (inferno), ou o acesso ao eterno gozo, reservado aos bem-aventurados (o paraíso).
A morte para os cristãos era um estágio intermediário, um sono profundo do qual acordariam no dia da ressurreição, quando as almas voltariam a habitar os corpos.
É devido a essa crença que os cristãos há muito tempo enterram os corpos dos defuntos com grande escrúpulo. “Essa idéia introduziu uma nova percepção e poupou gerações ao longo de séculos da idéia aterradora do fim definitivo” (FLECK, 2004, p. 1999 Apud GIACOIA, 2005).


3 - A morte e a Civilização Ocidental
É importante salientar que a sociedade ocidental tem as suas raízes na civilização grega, berço do pensamento ocidental, bem como no judaísmo e no cristianismo, religiões estas que influenciaram muito a cultura ocidental, a qual será abordada a partir da Idade Média até a Idade Contemporânea.
Na Idade Média é possível identificar mudanças significativas em relação à morte e ao morrer em dois momentos: na primeira Idade Média ou alta Idade Média (do século V até o XII) e na segunda Idade Média ou baixa Idade Média (do século XII até o XV).
Na primeira Idade Média a morte era “domesticada”, “familiar”, ou seja, havia certa intimidade entre o morrer e o cotidiano da sociedade, a tal ponto que este ato era encarado como algo natural da vida. Era comum o moribundo, pressentindo a chegada de sua morte, realizar o ritual final, despedir-se e quando necessário reconciliar-se com a família e com os amigos, expunha suas últimas vontades e morria, na esperança do juízo final quando alcançaria o paraíso celeste. É por isso que nesta época a morte súbita, repentina era considerada vergonhosa e às vezes considerada castigo de Deus, pois a morte casual inviabilizava o processo do morrer descrito acima.
Era comum os parentes e amigos logo após a morte do moribundo romper em grandes manifestações de luto. “Tão logo se constatava a morte, irrompiam em torno às cenas mais violentas de desespero” (ARIÉS, 1989b, p. 153).
Os defuntos eram enterrados somente com os sudários (sem caixão) em grandes valas, nas quais eram depositados vários cadáveres, nesta época não se tinha a necessidade de um túmulo próprio para o morto, o qual seria sua propriedade perpétua.
O cemitério e a igreja se confundiam, uma vez que os mortos eram enterrados tanto no interior das igrejas (ricos) quanto no seu pátio (pobres). Está prática está ligada à idéia de que uma vez enterrados perto dos santos e mártires estes guardariam os mortos enterrados ao seu derredor protegendo-os do inferno. É importante salientar que embora a igreja e o cemitério estivessem interligados, ambos não deixaram de ser lugares públicos, nos quais ocorriam encontros e reuniões, de forma que vivos e mortos conviviam em locais comuns. (ARIÉS, 1989a) Já na segunda Idade Média ocorreram mudanças significativas nas representações da morte no Ocidente. A partir do século XII, ao invés da certeza passa a reinar a incerteza, uma vez que agora cabia à Igreja intermediar o acesso da alma ao paraíso e o julgamento final deixava de ser visto como evento que ocorreria nos Tempos Finais e passa a ser visto como um evento que aconteceria imediatamente após a morte e resultaria na descida ao inferno (no sofrimento eterno) ou a ascensão aos céus (na alegria eterna) e isso dependeria da conduta do moribundo antes da morte.
Essas mudanças causaram alterações nas perspectivas das pessoas em relação à morte, a qual deixava de ser algo natural e passava a ser uma provação. “Sente-se que a confiança primordial está alterada: o povo de Deus está menos seguro da misericórdia divina, e aumenta o receio de ser abandonado para sempre ao poder de Satanás” (ARIÉS, 1989b, p. 163).
Esta mudança de perspectiva em relação à morte, ocorrida no século XII, faz com que esta passe a ser “clericalizada”, segundo Ariés (1989b), é a maior mudança antes das secularizações do século XX.


Matéria completa no endereço http://www.uniesp.edu.br/revista/revista6/pdf/8.pdf


Revista Saber Acadêmico

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