Controle e exploração dos escravos rurais na República Romana1
Mestrando José Ernesto Moura Knust (PPGH-UFF/NIEP-MARX/CEIA-UFF)
Mestrando José Ernesto Moura Knust (PPGH-UFF/NIEP-MARX/CEIA-UFF)
Entre os séculos II e I a.C., a Itália romana testemunhou importantes transformações na economia rural. Uma complexa interação de processos históricos levou ao desenvolvimento de novas relações de produção no campo. O império romano havia se estendido por todo o Mediterrâneo através de uma mobilização militar cada vez mais longa de uma parcela da população de cidadãos cada vez maior, numa proporção nunca superada por qualquer outra sociedade pré-capitalista. Repetidos sucessos militares permitiram que os romanos trouxessem para a Itália enormes quantidades de riquezas, nas formas de moedas, tesouros saqueados e escravos2.
A elite romana investiu parte desta nova riqueza em gastos ostentatórios e políticos em Roma e outras cidades italianas. Esses gastos permitiram novas oportunidades de sustento nas cidades tanto para homens livres como escravos nas mais diversas atividades, atraindo população para estes centros urbanos. Isto fez crescer o mercado consumidor de alimentos, especialmente na capital. Roma foi uma metrópole grandiosa, com uma população excepcional para uma cidade pré-industrial. A existência de tal mercado consumidor inevitavelmente influenciaria as áreas produtoras que tivessem disponibilidade de acesso a ele. O crescimento da demanda de alimentos gerado pelo crescimento do mercado urbano romano foi atendido em parte pela importação de alimentos sob formas de taxas das províncias, mas também estimulou intensificação, expansão e mudança de estratégias na produção agrícola em diversas áreas, especialmente na Itália3.
Os ganhos da expansão imperial estimularam uma concentração de riqueza exorbitante e inédita4. Ao ficarem mais ricos, os membros da elite romana investiram parte considerável de suas riquezas em terras agricultáveis na Itália, pois as possibilidades de adquirir e preservar riqueza através da produção manufatureira ou do comércio eram limitadas e, principalmente, arriscadas, dado o nível de desenvolvimento das forças produtivas5. Essa elite concentrou a propriedade da terra muitas vezes desalojando camponeses cidadãos. Muitos destes camponeses expulsos de suas terras migraram para a cidade de Roma, para aproveitar as oportunidades que lá surgiam ou para aderir ao exército, ou, ainda, migraram para a recém aberta planície do norte da Itália, estabelecendo um novo campesinato romano nas áreas conquistadas na Itália pela expansão imperial6. Este processo não significou a extinção do campesinato tradicional italiano, como algumas interpretações foram acusadas de afirmar. Os camponeses permaneceram um setor fundamental da economia romana, mesmo em áreas onde predominavam as grandes propriedades escravistas da elite. Estes camponeses eram, inclusive, importantes para tais propriedades escravistas, por fornecerem mão-de-obra sazonal nos períodos de maior exigência de trabalhadores7.
Porém, a expansão de um novo padrão de exploração da terra e da mão-deobra, baseada no trabalho escravo e na venda de uma parte importante da produção tanto para os crescentes mercados das tropas e das cidades, em especial Roma, como para o recém aberto mercado das elites provinciais é o grande dínamo das transformações sociais no campo romano. A arqueologia rural atesta um amplo adensamento da ocupação do meio rural iniciado no século II a.C. ligado ao surgimento de edifícios rurais de médio e grande porte8, e data deste período, o início do século II a.C., o mais antigo tratado de que temos conhecimento sobre a agricultura escrito em latim – e provavelmente mesmo o primeiro a ser escrito, já que não existem quaisquer referências a textos latinos deste gênero anteriores. É o De Agri Cultura, escrito por Marco Pórcio Catão, eminente homem público de seu tempo9. Este texto foi amplamente utilizado por historiadores como fonte para o estudo da realidade rural italiana. Recentemente, uma matização importante desta utilização vem sendo apregoada, pois não podemos pensar em tal tratado como um retrato fiel da realidade rural de sua época10. De qualquer maneira, tomando-se os devidos cuidados, o texto de Catão continua a ser uma fonte importantíssima para o estudo das relações de produção
escravistas na Itália romana.
O fato mais marcante no texto de Catão é a caracterização deste novo tipo de exploração da terra e da mão-de-obra em torno do conceito de uilla rustica. Trata-se de uma propriedade de porte médio, que não excedesse as possibilidades de investimentos do proprietário (Catão, De Agri Cultura I.3). A produção estava voltada para produzir o máximo daquilo que fosse necessário internamente sem recorrer a compras e também daquilo pudesse ser vendido: para Catão o proprietário deveria ser sempre um vendedor, nunca um comprador (Agr.II.7). A mão-de-obra fixa da propriedade era escrava, mas, como dissemos, o campesinato vizinho era uma importante fonte de mão-de-obra em momentos de maior necessidade de trabalho, como a colheita (Agr.I.2)11.
A uilla rustica descrita por Catão não é administrada pessoalmente por seu proprietário, pois este, além de possuir mais de uma propriedade, precisa viver na cidade para dar conta de seus interesses políticos12. Esta administração se dá através da chefia de um escravo de confiança, o uilicus. Catão praticamente não aborda o tema da mão-de-obra fora do âmbito das obrigações deste uilicus, isto é, este escravo é a figura central na organização do trabalho rural, sendo o elo hierárquico entre as ordens senhoriais e a execução desta pelos trabalhadores. Através das listas de obrigações que este uilicus deve seguir presentes no texto de Catão, podemos refletir sobre as
preocupações na relação com os trabalhadores rurais, especialmente os escravos, que norteiam a reflexão da classe proprietária romana acerca das relações de produção agrárias.
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