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terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Vila alemã decide manter em igreja sino presenteado por Adolf Hitler


Ele contém uma suástica e um slogan dedicado pelo Führer. Ano passado, o prefeito da cidade teve que renunciar sob suspeitas de neonazismo

Paula Lepinski e Thiago Lincolins





O polêmico sino | Crédito: Reprodução AFP / Uwe Anspach







A vila de Herxheim am Berg, Alemanha, abriga uma grande relíquia: a Igreja de São Jacó (Jakobskirche) que tem 1004 anos.


Uma parte dela, porém, é bem mais recente: desde 1934, os fieis são convocados por um sino dedicado por Adolf Hitler, com a frase Alles Fuer's Vaterland, "Tudo pela pátria". Decorado com uma suástica. 

O conselho da cidade acaba de votar por manter o sino para servir como um "lembrete do passado sombrio" do país. Segundo representantes, o sino que está na Jakobskirche seria “um ímpeto para a reconciliação e um memorial contra a violência e a injustiça”. Um memorial contando a história por trás do sino será colocado na igreja.

Em 2017, Roland Becker, o antigo prefeito da cidade, renunciou diante comentários que pareciam defender não apenas o sino, mas também a Era Nazista. Em setembro do mesmo ano, o sino foi retido e um segundo foi colocado no lugar. "A comunidade precisa de clareza sobre qual caminho iremos seguir", diz Georg Welker, atual prefeito do povoado a imprensa local. Welker apresentou a opinião de um especialista que considerou que o sino possui um valor patrimonial, devendo assim ser mantido na Igreja ou levado para um museu.
Revista Aventuras na História

domingo, 14 de setembro de 2014

Erros e acertos do fenômeno "O Capital no Século 21"

SAMUEL PESSÔA
ilustração LOURIVAL CUQUINHA
MARTIN JOHN CALLANAN



RESUMO Lançado na França em 2013, livro de Thomas Piketty estourou ao sair em inglês neste ano. Pesquisa do francês e sua equipe gerou valiosa base de dados sobre desigualdade, mas livro, que recupera ideia marxista de compulsão à acumulação, falha ao desconsiderar efeitos do comércio internacional na evolução do capitalismo.

*

"O Capital no Século 21" consolida década e meia de trabalho do pesquisador francês Thomas Piketty ao lado de uma equipe de colaboradores, cujos achados foram publicados em outros dois volumes e em diversos artigos acadêmicos nas melhores revistas internacionais. A maior contribuição desse esforço coletivo de pesquisa é um exaustivo trabalho historiográfico que resultou na construção de bases de dados de desigualdade de renda e de riqueza, para diversos países e ao longo de décadas.

É difícil fazer uma avaliação criteriosa do ainda recente volume, que, lançado originalmente em francês, em 2013, pela Seuil, explodiu em nível global a partir de sua tradução para o inglês, neste ano, pela Harvard University Press. A obra chegou às listas de mais vendidos e gerou tal comoção que a editora Intrínseca, que deve lança-lo no Brasil em novembro, já colocou o título em pré-venda em sites de livrarias.

Se o resultado cristalizado na publicação ainda é passível de controvérsias, e elas têm aparecido, provavelmente o esforço coletivo de pesquisa justificaria um prêmio Nobel para a equipe capitaneada pelo docente francês -Piketty, 43, leciona na Escola de Economia de Paris desde 2007 e na Ehess (Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais) desde 2000.
Lourival Cuquinha/Divulgação 


Em artigo publicado há duas semanas, o jornal britânico "Financial Times" questionou a credibilidade dos dados usados na pesquisa e, em sua edição de junho, a revista conservadora "The American Spectator" afirmou que Piketty propõe um "confisco" de fortunas. Mas é difícil imaginar que haja erros de fato grosseiros, a ponto de desqualificar os achados do grupo, e que tenham escapado aos pareceristas dos conceituados "Journal of Political Economy", "Quarterly Journal of Economics" ou "American Economic Review" -publicações em que Piketty e colaboradores publicaram várias das conclusões que estariam no livro.

PROPÓSITOS

A publicação de "O Capital no Século 21" parece atender a dois objetivos de seu autor. Primeiro, defender uma posição política muito clara. O texto é um manifesto de defesa da social-democracia europeia continental com Estado grande e provedor dos serviços e seguros sociais básicos -saúde, educação, previdência e assistência social- e de instrumentos tributários que impeçam a concentração excessiva de renda e riqueza. O volume cumpre muito bem esse objetivo normativo. Os autores liberais e libertários terão trabalho e gastarão muito tutano respondendo ao libelo de Piketty. Trata-se de contribuição importantíssima ao debate público.

O segundo objetivo foi construir uma narrativa do desenvolvimento do capitalismo desde meados do século 19 até os dias de hoje e, possivelmente, para o resto do século 21. Uma narrativa que permita organizar e dar coerência ao conjunto de evidências empíricas desvendadas ao longo do trabalho dos pesquisadores nos arquivos.
Livro
O Capital no Século XXI
Thomas Piketty



Trata-se de uma obra de sistematização. É nesse sentido que o volume assume a grandiloquência de clássicos como "A Riqueza das Nações", de Adam Smith, "Princípios de Economia Política e Tributação", de David Ricardo, ou "O Capital", de Karl Marx. Embora, claro, somente a passagem do tempo dirá se o livro é o clássico que promete ser. Por ora é possível afirmar que a narrativa que o livro nos oferece para organizar os inúmeros achados e fatos empíricos descobertos por Piketty e seus colaboradores é, na melhor das hipóteses, muito incompleta.

Do ponto de vista teórico, o autor parte da rejeição da teoria padrão que os economistas construíram para explicar a poupança, que é a forma de transmissão intertemporal de renda, e, portanto, a acumulação de capital.

Segundo a teoria padrão, a principal motivação para a acumulação de capital é a transferência de renda de um indivíduo para si mesmo, de sua idade ativa para a velhice. A teoria de poupança ao longo do ciclo de vida -que rendeu o Prêmio Nobel de 1985 ao economista ítalo-americano Franco Modigliani- sustenta que as pessoas poupam enquanto trabalham para consumir na velhice.

Entre muitas outras, a teoria de ciclo de vida prevê que a parcela da riqueza transmitida por meio de herança tem que ser relativamente pequena. A herança seria riqueza não intencional deixada pelos pais aos filhos em função de incerteza com relação à data da morte. Como não sabemos o momento exato da morte, ao morrer sempre sobra algo que os filhos herdam.

ACUMULAÇÃO

Para Piketty, a partir de certo nível de riqueza, a renda gerada pelo capital é tão elevada que é possível sustentar com ela níveis elevadíssimos de consumo e simultaneamente acumular e legar para seus herdeiros mais do que se recebeu. O capital se acumula de forma automática. Aqui Piketty ecoa Marx.

Para os que muito têm, é relativamente barato gerir o patrimônio e conseguir retornos elevados, fato não possível para os pequenos poupadores. O elevado retorno à escala da indústria de gestão de riqueza exerce pressão concentradora adicional. Está criado o capitalismo rentista e patrimonialista no qual o acesso à riqueza depende cada vez mais da sorte de nascer na família certa do que de seu esforço e mérito.

É evidente que Piketty se preocupa com o início do patrimônio. Ele argumenta que a acumulação inicial deve-se a sorte, acaso e, muitas vezes, a mérito -esforço, trabalho diligente e inovador, talento. Mas diz que a riqueza, meritória ou do acaso (e, muitas vezes é impossível distingui-las), transforma-se rapidamente em riqueza sem risco e de rendimento perpétuo. A taxa de retorno do capital é a renda percentual do capital, ou seja, uma taxa de retorno de 5% ao ano significa que o fluxo de renda gerado pelo capital equivale a 5% do valor do capital.

Uma vez constituído o patrimônio, a descendência proprietária passa a pertencer ao invejado clube dos indivíduos que, pelo nascimento ou casamento, não precisarão pelo resto de seus dias se preocupar com como pagarão suas contas.

Apesar das diferenças -a acumulação primitiva de Marx resultava de roubo, pirataria e expropriação (aparentemente o capitalismo melhorou)-, para ambos o capital acumula-se automaticamente. O paralelismo com Marx termina aqui. Piketty considera que a economia de mercado com propriedade privada dos meios de produção é a forma mais eficiente de organização da atividade econômica.

Neste aspecto a quarta e final parte do livro tem paralelismo com a Teoria Geral de Keynes: mensagem reformista, que reconhece os méritos, mas identifica falhas no funcionamento da economia de mercado e sugere políticas para "consertar" a máquina.

DISTRIBUIÇÃO

Os economistas trabalham com dois conceitos de distribuição de renda. A distribuição interpessoal da renda descreve como a renda gerada, de capital e de trabalho, é distribuída entre as famílias. A distribuição funcional da renda descreve a divisão da renda entre capital e trabalho.

A distribuição funcional da renda é um conceito simples. Um único número -a parcela do capital na renda, ou seu complemento, a parcela do trabalho na renda- descreve-a integralmente. A distribuição interpessoal da renda é um conceito matemático muito mais complexo do que um número. Para facilitar a análise, os estatísticos inventaram números que sintetizam a desigualdade. Os mais conhecidos são os índices de desigualdade de Gini e de Theil.

Piketty prefere outros indicadores. Para descrever a desigualdade interpessoal de renda, acompanha particularmente a parcela da renda apropriada pelos 50% mais pobres, pelos que estão entre os 50% e 90% mais ricos, os 10% mais ricos, o 1% e o 0,1%.
Martin John Callanan 

O autor assevera que o capitalismo tende à concentração de ambas as distribuições, interpessoal e funcional. Ao longo das três primeiras partes do livro, apresenta para os países europeus e para os EUA a evolução do produto per capita; a evolução da riqueza da economia e da sua natureza, se pública ou privada, da terra, do capital físico ou dívida pública; a evolução da renda do capital; da relação capital-produto; da participação do capital na renda; e, finalmente, a evolução da distribuição interpessoal da renda e da riqueza.

Piketty e seus colaboradores encontraram um ciclo de concentração de renda que termina com a Primeira Guerra. Entre 1914 e 1974 toda a dinâmica se inverte. Há redução da relação capital-produto, reduz-se a participação do capital na renda, e a distribuição interpessoal da renda e da riqueza melhora para os diversos indicadores de desigualdade interpessoal de renda empregados na obra, além da parcela da riqueza existente derivada de herança ter se reduzido expressivamente. A partir de 1974 a dinâmica do capitalismo retorna ao seu curso normal. Há um novo ciclo concentrador.

Segundo o estudioso, a melhora distributiva nas seis décadas entre 1914 e 1974 deveu-se à sucessão de tragédias -duas guerras mundiais e, entre elas, a Grande Depressão- que destruíram muito capital. Adicionalmente, no pós-Guerra houve em diversos países a imposição de impostos confiscatórios sobre a riqueza, além de apoio a instituições que aumentaram o poder de barganha do trabalho frente ao capital e a criação do Estado de bem-estar social. Finalmente, a repressão financeira das décadas de 50, 60 e 70 promoveu redução forçada do endividamento público e houve a estatização de diversos setores.

Essa dinâmica foi quebrada pelo neoliberalismo de Reagan e Thatcher. O pacote de políticas que inclui a desregulamentação dos diversos mercados, forte redução das barreiras comerciais nos anos 80, e, nos anos 90, das barreiras à mobilidade internacional de capitais, além da privatização de diversos setores produtivos, alterou o poder de barganha do trabalho nos países centrais. Sem a regulação estatal, o capitalismo retomou seu rumo concentrador. Voltamos à dinâmica da "belle époque".

Se nada for feito retornaremos ao mundo de Jane Austen ou Balzac, no qual a melhor forma de alcançar uma vida confortável é casar com a pessoa certa. O livro documenta em detalhes a familiaridade que os escritores do século 19 tinham com o funcionamento do capitalismo patrimonialista.

O elemento final de preocupação de Piketty é a manutenção das instituições democráticas. Para ele, a dinâmica normal de uma economia de mercado que resulta necessariamente no capitalismo patrimonialista coloca em risco a democracia como a conhecemos. Ele afirma que a democracia seria incompatível com excessiva concentração de riqueza.

PORÉNS

O primeiro reparo que se pode opor à narrativa de Piketty se refere à tendência de elevação da participação do capital na renda conforme a quantidade de capital cresce. Evidentemente, quando a quantidade de capital se eleva, sua taxa de retorno cai.

A questão é a intensidade dessa queda. Se a taxa de retorno cair proporcionalmente menos do que a quantidade de capital, a participação do capital na renda se eleva. Se a queda da taxa de retorno for proporcionalmente maior do que a elevação da quantidade de capital, a participação dele na renda se reduzirá "pari passu" à elevação da relação capital-produto.

Em qual mundo vivemos? Segundo o livro, em um mundo no qual a acumulação de capital eleva a participação do capital na renda.

O autor considera que a forte flexibilidade tecnológica permite que a queda do retorno do capital, diante do aumento de sua quantidade, seja pequena. A flexibilidade tecnológica significa que é relativamente simples substituir trabalho por capital. Ou seja, quando a quantidade de capital se eleva, o retorno não se reduz muito, pois seria relativamente fácil transferir atribuições do trabalho ao capital.

Diversas estimativas sugerem, no entanto, o oposto. Não seria tão fácil assim substituir trabalho por capital. Portanto, conforme o estoque de capital cresce, seu retorno cai mais do que proporcionalmente. Por que motivo Piketty obteve resultado oposto? A maior falha analítica de uma narrativa tão abrangente do desenvolvimento do capitalismo desde o século 19 até hoje é não ter incorporado a questão do comércio internacional de bens e serviços e da mobilidade internacional de capital.

PAX

Um dos períodos de plena prevalência do capitalismo patrimonialista é, segundo Piketty, a "belle époque", final de um período que os historiadores econômicos conhecem por Pax Britannica.

Essa época se inicia com o fim das guerras napoleônicas, seguido pela suspensão das leis que impediam a Inglaterra de importar cereais (as "Corn Laws") e pelo desenvolvimento do telégrafo e do navio a vapor e de casco de metal.

Tais inovações tecnológicas, em associação com o domínio britânico sobre os mares, geraram a primeira grande globalização, inaugurando o comércio de longo curso de commodities agrícolas e minerais, além de forte mobilidade de capital. Havia investimentos britânicos em ferrovias mundo afora.

É desse período o expressivo desenvolvimento econômico do Cone Sul latino-americano, São Paulo incluída, dos EUA, e do Canadá, Austrália e Nova Zelândia. A Pax Britannica terminou tragicamente com a eclosão da Primeira Guerra.

É impossível entender o que ocorria com a remuneração do capital e do trabalho nos países centrais sem considerar o comércio e o seu impacto sobre a remuneração dos fatores de produção. Certamente a menor queda do retorno do capital nesses países resultava não de maior flexibilidade tecnológica, mas sim da possibilidade de vender bens manufaturados a mercados que ofertavam bens primários.

É surpreendente que Piketty não considere com cuidado os estudos de diversos historiadores sobre o tema. É impossível entender a evolução da renda dos fatores de produção no período em questão sem um diálogo minucioso com os trabalhos de John Williamson, John O'Rourke, Ronald Findlay e Alan Taylor, entre outros, frutos de pesquisas que se estenderem pelas últimas duas décadas.

GLOBALIZAÇÃO

Analogamente, o período de 1914 até o pós-Guerra é conhecido pelo forte fechamento das economias ao comércio e à mobilidade de fatores. Parte da queda do retorno do capital nas economias centrais resultou dessa dinâmica.

O grau de abertura do mundo só veio a ultrapassar os níveis observados até 1914 na virada dos anos 1980 para os anos 1990 -a segunda grande globalização teve início na década de 1970, e a ela se deve boa parcela da moderação na queda do retorno do capital e da tendência recente à elevação da participação do capital na renda nos países centrais. Por outro lado, a nova globalização explica boa parte da queda de pobreza que tem ocorrido na Ásia nas últimas décadas, provavelmente a maior da história.

É difícil imaginar que a incorporação de 1/3 da humanidade ao mercado internacional de trabalho não afetaria a evolução da renda do capital e da renda do trabalho nos países centrais. Ou seja, a dinâmica que Piketty enxerga como uma realidade tecnológica e regulatória interna às nações possivelmente sofreu forte influência do comércio internacional.

É preciso lembrar que, se considerarmos indicadores sintéticos de desigualdade, como Gini ou Theil, ela vem se reduzindo nas últimas décadas. Apesar de a desigualdade ter se elevado nos países centrais e na Ásia, ela tem se reduzido no mundo. O motivo é que a queda da desigualdade entre os países, em função do crescimento da Ásia, tem mais do que compensado a elevação da desigualdade no interior de cada país. Ou seja, a desigualdade em um país hipotético fruto da união de EUA com China, por exemplo, tem caído.

As conclusões de Piketty com relação à evolução futura da taxa de retorno do capital e da relação capital-produto não são imunes à dinâmica global. A continuidade do forte processo de acumulação de capital na Ásia provavelmente produzirá, após o esgotamento do crescimento do volume de comércio, redução bem mais acentuada do que ele imagina nas taxas de retorno do capital. Parece, aliás, que já estamos atingindo este ponto.

CONTENDA

O volume apresenta outras deficiências e imprecisões técnicas que têm motivado intenso debate entre acadêmicos. (Para os leitores interessados, um apêndice trata sobre esses temas.)

No capítulo dedicado à descrição da fortíssima elevação da concentração ocorrida na economia americana nas últimas quatro décadas, Piketty se mostra ciente de que o processo do lado de cá do Atlântico é diverso do que ocorre na outra margem. Enquanto na Europa já há sinais de aumento da desigualdade liderada pela desigualdade do capital, nos EUA aumentou fortemente a desigualdade da renda do trabalho.

Sabe-se que a fortíssima elevação da desigualdade de renda do trabalho está associada à elevação da remuneração do talento.

Certamente a diferença de salário que há entre Neymar e qualquer jogador de futebol da terceira divisão não resulta do esforço e do empenho de Neymar ao longo dos treinamentos em toda sua vida. O diferencial resulta de seu maior talento, incluindo aí a sorte de ter particular capacidade pra recuperar-se de contusões. Argumentos análogos aplicam-se a artistas, esportistas, inovadores e inventores, presidentes de grandes empresas, operadores do mercado financeiro, os melhores médicos e advogados em suas especialidades etc.

A fortíssima concentração da renda do trabalho na porção de 1% mais ricos está associada principalmente aos elevados salários dos presidentes de empresas e operadores do mercado financeiro. Como documentado no volume de Piketty, os elevados rendimentos dessas duas categorias profissionais explica aproximadamente 90% do fenômeno. O resto do fenômeno resulta da elevação da renda dos profissionais mais destacados em outras carreiras que dependam do talento pessoal.

Com relação aos CEOs, Piketty defende que os ganhos não são fruto direto da produtividade, mas resultantes da cooptação dos conselhos de administração das empresas pela diretoria, que consegue impor à assembleia de acionistas a sua própria escala de remuneração.

A explicação dada pelo autor é muito pouco convincente. Há evidência de que a remuneração dos CEOs das empresas não listadas em bolsa, cujo capital é controlado por poucos (e nas quais, portanto, a cooptação não deveria ocorrer), aumentou da mesma forma. Além disso, outras atividades tiveram forte elevação de ganhos.

Existem pesquisas que apontam exatamente a globalização das empresas americanas e sua capacidade para acessar grandes mercados como explicação para as elevadas remunerações. Há, ainda, trabalhos que apontam a capacidade das empresas americanas de transplantar parte da produção para economias emergentes como explicação para o menor crescimento dos salários nos EUA nas últimas décadas. Como Piketty desconsidera em seu livro o comércio e a mobilidade internacional de capitais, não pode dialogar com esta leitura alternativa.

LIÇÕES

Não obstante, é verdade que a desigualdade do trabalho de hoje pode tornar-se desigualdade do capital amanhã e desigualdade de heranças depois de amanhã. E os EUA caminhariam céleres em direção ao capitalismo patrimonial da "belle époque".

Rejeitada a grande história proposta no volume, resta sua mensagem normativa, a defesa intransigente da social-democracia, mas principalmente as características associadas à evolução da desigualdade interpessoal de renda e de riqueza e ao crescimento do peso da riqueza herdada na riqueza total.

Com relação à defesa da social-democracia, a maior limitação do texto parece ser a análise estreita dos motivos que justificaram a revolução neoliberal dos anos 80. Parece que não havia excessos no Estado de bem-estar social, que a inflação não grassava e que a carga tributária não caminhava para limites insustentáveis.

O autor vê a revolução neoliberal como se motivada exclusivamente pela vaidade de ingleses e americanos que não entendiam que o crescimento da Europa continental era simplesmente recuperação do espaço perdido por consequência dos tumultos da primeira metade do século 20.

Apesar de o livro terminar menor do que iniciou, deixa três lições fundamentais.

Primeiro, que o estudo da desigualdade interpessoal requer o emprego de diversos conceitos. O uso indiscriminado dos coeficientes de Gini ou Theil pode obscurecer dinâmicas importantes, principalmente na ponta superior da renda.

Segundo, é impossível investigar a evolução da desigualdade de renda com bases de dados que não coletam com precisão a desigualdade de capital. E, para esta, é necessário recorrer ao registro tributário. Terceiro, há tendência recente de forte concentração de renda nas economias centrais e, em particular, há um processo de elevação do peso da riqueza herdada na riqueza total.

A despeito das deficiências da narrativa histórica que o autor se propõe fazer, esses aprendizados justificam plenamente o impacto que o livro vem causando no debate público internacional.

SAMUEL PESSÔA, 51, é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia/FGV, sócio da consultoria de investimentos Reliance e colunista da Folha.
LOURIVAL CUQUINHA, 39, é artista plástico. Inaugura neste sábado a individual "Territórios e Capital: Extinções", no MAM-Rio, e participa da coletiva "Multitude", no Sesc Pompeia.
MARTIN JOHN CALLANAN, 32, artista britânico, ganhou neste ano o Prêmio Philip Leverhulme. Na série "The Fundamental Units", fez macro-fotografias das moedas de menor valor ativas em 166 países, como a de 1 centavo de euro
Folha de S. Paulo

Cidade de Sarajevo comemora fim de "século de conflito"

Em uma esquina à margem do rio foram disparados os tiros que deflagraram a Primeira Guerra Mundial. Os moradores esperam expurgar os fantasmas de conflitos passados

ANDREW MCDOWALL
DO "OBSERVER", EM SARAJEVO


Deitando uma coroa de flores no lugar em que o arquiduque Francisco Ferdinando e sua mulher Sofia, grávida, foram assassinados, exatamente 100 anos antes, Aleksandar Simec e Alexander Schneider explicavam porque sentiam que a morte do herdeiro do trono austríaco foi uma tragédia para a Europa e para o mundo.

"Se esse trágico evento não tivesse ocorrido, a guerra e milhões de mortes poderiam ter sido evitadas. O fim do Império Austro-Húngaro criou um vácuo político no centro da Europa que foi ocupado inicialmente pelos nazistas e depois pelo comunismo soviético", afirmam.
Antonio Bronic - 28.jun.2014/Reuters 

Atores vestidos como o arquiduque Franscisco Ferdinando e a condessa Sophie Chotek em performance na Bósnia.


"Os Habsburgos [a dinastia imperial austríaca] teriam resistido", diz Schneider, ativista austríaco da Aliança Aurinegra, uma organização que defende a restauração da monarquia austríaca e de uma união centro-europeia que acompanharia os limites do império Habsburgo.

Francisco Ferdinando e Sofia foram mortos a tiros por Gavrilo Princip ao lado da Ponte Latina em Sarajevo, a capital da Bósnia, em 28 de junho de 1914, um ato que deflagrou a Primeira Guerra Mundial. Schneider se inclina para posicionar fotos do casal assassinado ao lado da coroa, e Simec –nascido na Áustria e dotado de nacionalidade iugoslava, ostentando um rabo de cavalo e um broche monarquista no paletó– explica que Francisco Ferdinando desejava criar uma terceira entidade no Império Austro-Húngaro, para os eslavos, como os sérvios, bósnios e croatas. "Ele tinha a ideia de estabelecer uma espécie de Iugoslávia como parte do Império Austro-Húngaro".

Mais cedo naquele dia, a Aliança havia percorrido o trajeto do casal real em Sarajevo, mas em lugar de se deterem no local do assassinato eles prosseguiram até o destino planejado para o percurso do arquiduque, a estação ferroviária.

"Começamos exatamente na mesma hora e viajamos exatamente na mesma velocidade", diz Simec. "Queríamos desfazer o assassinato, simbolicamente".

Ao lado da placa que marca o local do assassinato, a coroa de flores da Aliança tem a companhia de duas outras, e de três ramalhetes. Sob um retrato emoldurado do casal, uma legenda em alemão diz "o objetivo da vida deles era paz para as nações. Sua morte trouxe guerra para as nações".

A dois metros de distância, uma placa provisória e um ramalhete de flores ocupam o lugar do qual Princip disparou. Velas finas de cera de abelha, como as usadas nas igrejas ortodoxas, estão acesas. Bósnio de etnia sérvia e encarado como herói nacional na era iugoslava, o legado de Princip é controverso, hoje. A placa recorda que um memorial a Princip foi removido do local em 1992, quando a Bósnia decaiu à guerra.

Mas os memoriais estão atraindo muito menos atenção do que uma réplica do carro do casal real estacionada ao lado, onde turistas posam com um homem vestido como Francisco Ferdinando. As edificações que cercam o local ainda mostram marcas de balas de uma guerra mais recente. Entre 1992 e 1995, a Bósnia foi dilacerada por um conflito entre os bósnios muçulmanos e os bósnios de origem sérvia e croata, no qual 100 mil pessoas morreram e Sarajevo foi submetida a um cerco de 1.425 dias por forças sérvias. A cidade vem relembrando o assassinato do arquiduque na esperança de que isso "feche o ciclo" de um século de conflito. Pouco antes da meia-noite, diversas performances aconteceram na Ponte Latina. Às 11h, o horário aproximado do assassinato, turistas e jornalistas enchiam as ruas próximas à ponte e as margens do rio Miljacka, por sob as árvores que acompanham o curso do rio, cujas águas brilham ao sol do verão. Acima avulta a cadeia de montanhas da qual a artilharia sérvia bombardeava a cidade durante a guerra.

"Sarajevo é o foco: os olhos do mundo estão voltados para nós", diz Ivo Komsic, prefeito da cidade. "Nós, de Sarajevo, queremos enviar uma mensagem de nova esperança para as novas gerações, e de um melhor futuro".
Dado Ruvic - 24.jun.2014/Reuters 
O edifício Vijecnica em Sarajevo

Uma das peças centrais da celebração foi um concerto da Orquestra Filarmônica de Viena no edifício Vijecnica, a poucos metros de distância do local do assassinato, com o presidente da Áustria como um dos convidados. O notável Vijecnica, em estilo pseudomourisco e próximo à Ponte Latina, é um símbolo especialmente significativo para Sarajevo: ele abrigava a prefeitura na qual Francisco Ferdinando e Sofia participaram de uma recepção pouco antes de serem assassinados. O edifício mais tarde passou a abrigar a biblioteca da Bósnia e Herzegóvina e foi atacado pela artilharia sérvia durante o cerco, o que causou a perda de cerca de dois milhões de livros. Os moradores de Sarajevo descrevem como o ar estava repleto de pedaços de papel cobertos por elegante caligrafia árabe, que se convertiam em cinza ao cair no chão.

"O Vijecnica é muito importante para nós; é um símbolo de Sarajevo e sua mistura de estilos arquitetônicos demonstra que Sarajevo é um ponto de encontro de culturas", diz Komsic.

O edifício passou por uma restauração que durou 18 anos, mas especialistas em conservação disseram ao "Observer" que ele continua em estado precário. O edifício representa outro ponto de disputa em uma nação que ainda está dividida. Uma inscrição na parede, em inglês e no idioma local (até o nome do edifício é contestado), se refere aos "criminosos sérvios", o que o presidente e primeiro-ministro da Sérvia definem como difamação e os levou a boicotar a cerimônia em Sarajevo.

A guerra não deixou apenas cicatrizes físicas e psicológicas. A Bósnia se divide administrativamente entre a Federação, em sua maioria muçulmana e católica croata, e a República Sérvia, fortemente autônoma, cujo líder, Milorad Dodik, agita regularmente pela independência. Em 27 de junho, no distrito leste de Sarajevo, separado e governado pelos sérvios, Dodik inaugurou um parque que leva o nome de Gavrilo Princip, decorado por uma estátua do assassino.

Para muitos sérvios, Princip é um herói da independência dos eslavos do sul. E 28 de junho era um dia importante mesmo antes de 1914, porque foi a data de uma batalha travada em Kosovo em 1389 na qual, de acordo com o entendimento popular se não com o conhecimento histórico exato, uma derrota sérvia resultou em séculos de opressão pelos otomanos. É essa espécie de complexidade histórica que os encarregados de organizar eventos e exposições precisam encarar, em um ambiente altamente volátil. A Bósnia tem uma eleição geral marcada para o quarto trimestre, e a retórica nacionalista deve ganhar ainda mais força.

Uma exposição especial no Museu Histórico Nacional da Bósnia e Herzegóvina, com apoio do Museu Imperial da Guerra em Londres, foi aberta em 26 de junho, registrando a visita de Francisco Ferdinando, o assassinato e o período da guerra no país. A mostra começa com descrições de viajantes sobre Sarajevo em 1914, e mostra um bazar lotado de artesãos judeus e muçulmanos convivendo com uma cidade nova repleta de parques e de cafés em estilo vienense.

"A ideia não é que nos concentremos em um ou outro lado da história, mas que façamos de Sarajevo a principal protagonista", diz Elma Hasimbegovic, diretora do museu. "Francisco Ferdinando não é o personagem principal, e não estamos nos concentrando na história nacional. Bósnios combateram dos dois lados na Primeira Guerra Mundial, e queremos ver como as pessoas comuns foram afetadas pela guerra, e sua luta por sobreviver".

O museu foi vítima da política étnica do pós-guerra, já que não recebe verbas regulares do governo nacional, da federação, do governo cantonal ou da prefeitura. Passados 19 anos do final do conflito na Bósnia, ele e outras sete instituições nacionais continuam a viver em um limbo jurídico e financeiro –não existe Ministério da Cultura nacional, já que a cultura é alvo de disputas tão ferozes entre os políticos étnicos. Esses políticos são alvo de raiva de todas as partes em conflito, em um país no qual o desemprego é estimado em mais de 40% e o progresso quanto à integração com a União Europeia se viu bloqueado por disputas étnicas. Muita gente sonha com as certezas e a paz da Iugoslávia unida.
Dado Ruvic-27.jun.2014/Reuters 
O ator Jovan Mojsilovic reencena o assassinato de Gavrilo Princip em frente a sua estátua, inaugurada no último dia 27 em Sarajevo


"Os políticos deveriam ser todos mandados para Goli Otok!", diz Milan Bosanac, 79, sérvio da Bósnia, em referência a uma ilha árida no Mar Adriático que servia como presídio político na era comunista. "Tudo vai piorar. Quando o [ditador comunista] Tito estava vivo, tudo era ótimo, todo mundo tinha emprego. Agora centenas de milhares de pessoas estão desempregadas, e não há nada para os velhos".

A vida de Bosanac foi afetada pelo conflito desde a infância: na Segunda Guerra Mundial, sua família lutou com os partidários comunistas iugoslavos, contra os nazistas e os aliados destes. Depois que a guerra irrompeu na região em 1941, o pai dele morreu no campo de concentração de Jasenovac, operado pelos croatas, e a família fugiu para as montanhas Kozara, no nordeste da Bósnia. Um dia, ele se perdeu dos parentes na neve e foi resgatado por uma mulher que cuidou dele por meses.

Com a bengala na mão, Bosanac está sentado em seu apartamento em Grbavica, um subúrbio de Sarajevo que no passado era majoritariamente sérvio mas hoje é predominantemente muçulmano. A família viveu no bairro durante toda a guerra, se protegendo no porão quando os combates se intensificavam, e em certas ocasiões teve de provar sua nacionalidade a combatentes sérvios fanáticos. Eles deixaram a região e foram viver no sul da Bósnia e no Montenegro quando o bairro "mudou de mãos" depois da guerra, diz Stasha, sobrinha-neta de Bosanac, que voltou anos depois para ser "uma forasteira em minha própria cidade, em lugar de sermos forasteiros em terras distantes".

A filha dela, nascida quase uma década depois do final da guerra, também é afetada. No ano passado, as crianças muçulmanas da escola se recusaram a brincar com ela no período que antecedeu o primeiro recenseamento bósnio no pós-guerra, com o recrudescimento da retórica nacionalista para que as crianças, como os adultos, se identificassem como muçulmanas, sérvias ou croatas.

O lema para os eventos da semana passada era "um século de paz depois de um século de guerra". Há poucos países para os quais ele seja mais apropriado, e mesmo para alguns dos que desejam preservar o passado, o aniversário é um doloroso lembrete.

"A Ponte Latina é um símbolo da guerra, e por isso lamento por Sarajevo que a cidade seja vista como símbolo da guerra", diz Mirzah Foco, funcionário da comissão de preservação da herança cultural bósnia, durante uma conferência em Sarajevo. "Estive no exército e pode acreditar: quero esquecer tudo que me aconteceu. Acredite: foi um pesadelo".

Tradução de PAULO MIGLIACCI
Folha de S.Paulo

Notícias História Viva


Diários da Ucrânia

JOHN THORNHILL
DO "FINANCIAL TIMES"



Quando qualquer país se torna manchete e é convulsionado por distúrbios históricos, é difícil imaginar que a vida cotidiana continue mais ou menos como no passado. Mas mesmo em tempos de guerra, bebês nascem e os velhos morrem (de causas naturais), enquanto as pessoas com idades entre esses dois extremos se apaixonam e desapaixonam, e registram sucessos e fracassos profissionais.

O poder de "Ukraine Diaries" (Diários da Ucrânia), de Andrey Kurkov, que cobre o período entre novembro do ano passado e abril deste ano, está em entrelaçar o extraordinário e o corriqueiro. Em suas anotações diárias, o escritor fala de sua visão sobre alguns dos mais momentosos acontecimentos na história recente de seu país, mas também relata sua vida cotidiana. Como leitores, vivemos a revolução Maidan, a derrubada do presidente Viktor Yanukovych e a anexação da Crimeia pela Rússia. Mas também somos informados sobre a festa de paintball organizada por Kurkov para celebrar o 11º aniversário de seu filho, o progresso da safra de batatas em sua dacha [casa de campo], e sua visita ao hospital com a mãe, que foi passar por um eletrocardiograma. Dessa maneira, a história recente da Ucrânia se torna mais humana e real.

Como um dos mais famosos escritores ucranianos, Kurkov conquistou apreciação generalizada no Ocidente por meio de seus romances do absurdo, tais como "Death and the Penguin" (1996) e "The President's Last Love" (2007). Ele explica no prefácio que mantém um diário pessoal há mais de 30 anos e que jamais havia se sentido tentado a publicar quaisquer porções de suas anotações. Mas como homem que vive com a mulher e os três filhos em um apartamento localizado a apenas alguns quarteirões da Praça da Independência, em Kiev, ele se tornou vítima do "redemoinho da História". "De nossa sacada vimos a fumaça subindo das barricadas em chamas, ouvimos as explosões das granadas e os tiros", ele explica. "Registrei essa vida quase todos os dias, de modo que agora posso tentar relatá-la a vocês em detalhes".

Um dos temas mais notáveis do diário é a dificuldade que ele sente em compreender o que está acontecendo no país. Cabe a jornalistas e historiadores construir narrativas interpretativas. Mas os diários de Kurkov destacam o quanto é difícil interpretar a importância de eventos enquanto eles ainda estão em curso. Como homem de letras, Kurkov se sente incomodado por sua incapacidade de se expressar com clareza. Ocasionalmente, ele admite, quase lhe faltam palavras. E o tumulto político tem um custo pessoal: em dado momento, Kurkov escreve sobre ter se sentido envelhecer cinco anos em três meses.

Parte do problema é que rumores e desinformação deliberada influenciam demais a nossa compreensão. O movimento Escolha Ucraniana, que rejeita a aproximação com a Europa, conseguiu convencer muita gente de que a conversão universal à homossexualidade era condição para a assinatura do acordo de associação com a União Europeia. Em fevereiro, um dos assessores do Partido das Regiões, de Yanukovych, causou comoção ao alegar que paraquedistas norte-americanos estavam operando no oeste da Ucrânia e exigir que tanques russos fossem enviados para combatê-los. "Já posso vê-los cruzando todo o país, até a fronteira oeste, procurando soldados norte-americanos, e depois voltando para casa e pedindo desculpas pelo incômodo!", escreve Kurkov.

Revoluções podem parecer empreitadas românticas, mas, como Kurkov deixa claro, elas muitas vezes são sangrentas e confusas, e só radicalizam as pessoas, tornando mais difícil uma solução de compromisso. Sobre aquela que está vivendo, ele ouve alguém dizer que só as floriculturas e os fabricantes de velas foram beneficiados. As ruas estão enfeitadas de coroas de flores celebrando as vítimas da revolução, e o número de velas queimando nas igrejas é 100 vezes maior que o normal, ele alega. "É para que Deus possa ver com clareza o que está acontecendo na Ucrânia".

Outro tema do livro é o lamento de Kurkov pela deterioração no relacionamento entre os povos ucraniano e russo. De acordo com diferentes estimativas, há entre oito milhões e 14 milhões de pessoas de etnia russa vivendo na Ucrânia. O escritor mesmo é russo, nascido em 1961 em Leningrado mas morador de Kiev desde a infância, e claramente sente de maneira aguda esse crescente antagonismo. Ele recorda que o primeiro membro de sua família a pisar o solo da Ucrânia foi seu avô, que chegou em 1943 com o exército soviético e foi morto na batalha pela libertação de Kharkiv. "Ele morreu combatendo os fascistas, e agora ouço a palavra 'fascista' dirigida a mim porque me pronunciei, e continuo a me pronunciar, contra a corrupção generalizada organizada pelo presidente Yanukovych, de seus esconderijos".

Ao longo do diário, Kurkov expressa sua crescente indignação diante do que está acontecendo na Rússia. É quase como se um amigo que alguém conhece bem estivesse perdendo o juízo. Putin surge como um vilão de bastidores, conspirando pela "restauração da legitimidade histórica", compreendida aqui como a reconstrução da União Soviética. "Acredito que um plano como esse existisse, e que ainda exista", ele escreve. Para Putin, a Crimeia é como um diamante roubado; ele só pode se vangloriar sobre ela na escuridão, em lugar de apresentar o caso abertamente como triunfo. Mas a Crimeia claramente aparece nas reportagens meteorológicas da TV russa, em companhia do Donetsk e de Kharkiv, e sua flora e fauna estão incluídas nas classificações russas.

A ira mal contida de Kurkov se concentra naqueles que distorcem o que está acontecendo na Ucrânia. Ele escreve uma carta ao escritor russo Sergei Lukyanenko, que proibiu a publicação de traduções de seus livros em ucraniano em protesto contra o fascismo, dizendo que "fui informado de que você escreve trabalhos de fantasia. É estranho que sua imaginação não tenha poder suficiente para que você compreenda que o povo ucraniano não deseja mais viver sob um sistema de total corrupção, sob um governo analfabeto que só deixa para trás um país pilhado e falido".

Em um posfácio ao diário, escrito em junho, Kurkov sugere que a Ucrânia –como os médicos costumam dizer– está em situação estável mas crítica. Ninguém pode prever o futuro do país, ele prossegue, citando um provérbio ucraniano: "Se você quer que Deus ria, conte-lhe seus planos". Mas ele expressa amargura quanto à União Europeia, inicialmente vociferante em seu apoio aos protestos do Maidan, que mais tarde caiu no silêncio e se afastou da Ucrânia, preferindo lucrar no comércio com a Rússia. Kurkov pode ter revisto suas opiniões diante das sanções internacionais contra a Rússia anunciadas esta semana; no livro, porém, ele chega a uma conclusão sombria: "O dinheiro importa mais que a democracia", ele escreve. "Essa cínica lição ensinada pela Europa à Ucrânia inevitavelmente influenciará o futuro de meu país".

"Ukraine Diaries: Dispatches from Kiev", de Andrey Kurkov (Vintage Digital, US$ 9,99, na Amazon, e-book).

John Thornhill é editor assistente do "Financial Times" e foi chefe da sucursal do jornal em Moscou.

Tradução de PAULO MIGLIACCI
FOLHA DE S.PAULO

Notícias História Viva


Cineasta desafia censores chineses para revelar horrores da Grande Fome

Documentários de Hu Jie contam a história de estudantes cujas críticas aos excessos maoistas custaram suas vidas

TANIA BRANIGAN
DO "OBSERVER", EM PEQUIM


Para os modernos estudantes chineses, o nome não é "Grande Fome" mas "Três Anos de Dificuldades". A catástrofe continua a ser assunto tão delicado que seus livros de história não documentam quantas pessoas morreram de fome, e por quê. No entanto, mais de 50 anos atrás, no pico do desastre, alguns poucos de seus predecessores publicavam uma revista clandestina que acusava diretamente os líderes comunistas de causar a devastação. "Os mortos não tinham como contar suas histórias", diz Xiang Chengjian, um dos responsáveis pela revista. "Decidi me sacrificar... estava pronto para morrer".

A história da revista "Faísca", e da audácia dos estudantes, é o mais recente pedaço do passado da China escavado pelo documentarista Hu Jie. Seus documentários revelam os excessos maoistas dos anos 50, 60 e 70, e os extraordinários indivíduos que tentaram nadar contra a corrente.

"Quero que as pessoas tenham a chance de conhecer a história real", ele diz. Hu, um ex-soldado barbado e ainda musculoso apesar de ter passado dos 50 anos, foi demitido da agência estatal de notícias Xinhua depois de começar a trabalhar em seu primeiro filme, "Em Busca da Alma de Lin Zhao", em suas horas vagas. Lin era um jovem e talentoso dissidente que terminou executado como inimigo da revolução, e escreveu cartas usando o próprio sangue como tinta, quando estava encarcerado.

Pouco depois surgiram dois documentários espantosos sobre a Revolução Cultural. "Embora Eu Tenha Partido" relata a brutal morte da professora Bian Zhongyun, executada pelos alunos; "Minha Mãe Wang Peiying" é sobre a execução de uma mulher que pediu a renúncia de Mao Tse-Tung.

Os temas de que Hu trata são tão sensíveis que alguns dos envolvidos não os discutem nem mesmo com suas famílias. Ele convenceu uma gama notável de testemunhas a falar diante das câmeras; algumas ficam agradecidas pela oportunidade de se pronunciar depois de esconder a verdade por muitos anos.

"Estou tentando preservar todo esse material. Se essas pessoas morrerem, todas essas recordações terão desaparecido", disse Hu.

Mas há quem simplesmente se recuse a falar, e um dos entrevistados em "Faísca" se detém subitamente ao receber no meio da entrevista um telefonema que o alerta para que não fale. Desafios como esse ajudam a explicar por que a realização do filme demorou cinco anos.

"Não começo com nada preconcebido para essas filmes", diz Hu. "É um processo de descoberta, para mim. Sempre soube que havia alguma coisa lá, mas não exatamente do que se tratava. Descubro no processo de realizar o filme."

"Eu sabia que uma publicação tinha existido, mas não sabia do que ela tratava. Sabia só que pessoas tinham morrido por causa dela", ele acrescenta.

A Grande Fome foi causada pela política do Grande Salto à Frente, que Mao adotou em 1958 –um esforço para causar uma disparada na produção industrial e agrícola usando a coletivização e o zelo revolucionário.

As autoridades locais, por ambição e por medo, exageraram drasticamente o volume de suas safras; comida desesperadamente necessária no campo foi enviada às cidades e até exportada. Os quadros do partido intimidavam, espancavam, detinham e matavam as pessoas que alertassem as autoridades nacionais, roubassem comida para sobreviver ou tentassem fugir da região da fome.

Enquanto via mais e mais cadáveres se empilhando, um pequeno grupo de estudantes decidiu agir. Os dois números da revista "Faísca" –tudo que puderam publicar antes que fossem apanhados– mostravam que as comunas haviam transformado os agricultores em escravos, e protestavam contra os quadros do partido, que se banqueteavam enquanto o povo morria de fome.

"Os intelectuais chineses mantiveram o silêncio. Ninguém ousava criticar o governo", disse Hu, "Só os estudantes ousavam falar, e isso lhes custou a vida".

Hu não está sozinho em seu trabalho. Outros pesquisadores chineses tentaram documentar a catástrofe. Yang Jisheng, antigo repórter da Xinhua, passou 15 anos vasculhando os arquivos oficiais para produzir seu relato, intitulado "Lápide". Outro documentarista, Wu Wenguang, recorreu a jovens voluntários para que recolhessem depoimentos de história oral. Mas esses trabalhos não podem ser veiculados na China, e Yang vem sendo criticado recentemente por adversários que se recusam a aceitar que dezenas de milhões de pessoas tenham morrido e que o Grande Salto à Frente tenha causado essas mortes.

"As pessoas nos documentários estão morrendo por nós –se sacrificaram para nos salvar. Temos a obrigação moral de relatar suas histórias", diz Hu.

Em dado momento, ele trabalhou gravando vídeos de casamentos para bancar seus documentários; agora, ele e a mulher Jiang Fenfen vivem de suas aposentadorias. Trabalham com verba minúscula, comprando passagens para viajar em pé nos trens e se hospedando nos hotéis mais baratos. "Meu sacrifício pessoal nem merece menção, mas admiro a contribuição de minha mulher", ele diz.

Hu está perdendo um pouco de energia, ao envelhecer, e dedica mais tempo a um amor anterior, a pintura –ainda que seus quadros muitas vezes se relacionem aos temas de seus filmes. Mas espera que uma nova geração de documentaristas compreenda a importância da era que ele cobre e que assuma a tarefa que ele vem realizando.

"Se você não registrar o passado, talvez ninguém mais o faça", ele adverte.

Tradução de PAULO MIGLIACCI
FOLHA DE S.PAULO

terça-feira, 20 de maio de 2014

Notícias História Viva

Revelações do mais antigo naufrágio no oceano Indico
O navio de dois mil anos de idade pode ter indícios do comércio entre sociedades romanas e asiáticas

cortesia do Departamento de Arqueologia do Sri Lanka


LEGENDA: Um exemplo de vaso de cerâmica encontrado no naufrágio de Godavaya.


Megan Gannon e LiveScience

O mais antigo naufrágio conhecido do Oceano Índico está no fundo do litoral sul do Sri Lanka há cerca de dois mil anos. Dentro de algumas semanas, arqueólogos mergulhadores iniciarão uma escavação que deve durar meses no local, procurando indícios sobre o comércio entre Roma e Ásia na antiguidade.

O local fica 33 metros abaixo da superfície do oceano, nas proximidades da vila de pescadores Godavaya, onde na década de 90 arqueólogos alemães encontraram um porto importante para a Rota da Seda durante o segundo século depois de Cristo.

O navio naufragado, descoberto há apenas 10 anos, não se parece em nada com o casco esquelético tradicional. Em vez disso, arqueólogos estão lidando com um monte de barras de metal corroído e uma variedade de cargas antigas espalhadas, incluindo lingotes de vidro e vasos de cerâmica, que ficaram rolando pelo fundo do mar durante centenas de anos em meio a fortes correntezas e talvez até um ou outro tsunami.

“Está tudo muito quebrado”, declara Deborah Carlson, presidente do Instituto de Arqueologia Náutica da Texas A&M University, que está conduzindo a expedição até o naufrágio de Godavaya, com colegas dos Estados Unidos, Sri Lanka e França. Por mais confuso que esteja, o local poderia preencher uma lacuna nas evidências existentes sobre o comércio que levou metais e produtos exóticos, como a seda, da Ásia até o mundo romano.

Elo Perdido

Acadêmicos acreditam que o comércio entre o Leste e o Oeste se intensificou após Roma anexar o Egito no primeiro século antes de Cristo, ganhando acesso ao Mar Vermelho, uma passagem para o Oceano Índico. Carlson observa que rotas de comércio estão documentadas em fontes literárias e históricas, como no “Périplo do Mar Vermelho”, um manual do primeiro século D.C., escrito em grego, que explica a marinheiros saindo dos Mares Mediterrâneo e Vermelho aonde ir no Oceano Índico e o que levar, vender e comprar.

“Nós só não temos os navios que realmente faziam parte desse comércio”, contou Carlson à Live Science em uma entrevista por telefone.

Carlson declarou que eles provavelmente não encontrarão algo que prove definitvamente que o navio estava indo para Roma. (De maneira semelhante, os arqueólogos provavelmente não conseguirão saber como o navio afundou, ainda que Carlson – que descreveu as “terríveis correntes” que frustraram muitas das tentativas de mergulho da equipe no ano passado – suspeite que os mares bravios possam ter tido seu papel). Mas Carlson explica que descobertas no navio afundado podem pelo menos ajudar a ilustrar que o Sri Lanka era um “pivô” nesse comércio, já que muitas das mercadorias que passavam pela ilha chegavam ao Mediterrâneo.

O que tem lá embaixo?

Os primeiros traços do naufrágio de Godavaya foram descobertos em 2003 quando pescadores locais mergulharam até o local e voltaram com artefatos antigos, incluindo uma pedra de moagem com a forma de um pequeno banco ou de uma mesa com pernas. De acordo com Carlson, pedras semelhantes já foram encontradas em monumentos budistas ricos em relíquias, conhecidos como stupas.

Carlson viu o local pela primeira em 2010. Ela e seus colegas documentaram parcialmente o naufrágio durante três campanhas exploratórias subsequentes, entre 2011 e 2013. A maior parte dos objetos encontrados ao redor do navio afundado até agora se parecem com produtos locais, e muitos deles ainda estão em sua forma bruta. Existem mais pedrasde moagem com aparência budista; lingotes de ferro e cobre (ou o que sobrou deles após a corrosão); e lingotes de vidro negro e azul-esverdeado que se originaram ao longo do litoral de Tamil Nadu, no sul da Índia, e que talvez fossem derretidos para criar vasos ou contas.

Para determinar a idade do naufrágio, Carlson e seus colegas coletaram três amostras de uma madeira delicadapresa ao navio e as enviaram para serem testadas por dois laboratórios diferentes. Os fragmentos de madeira, que provavelmente são restos do navio, são pelo menos do primeiro século antes de Cristo, ou do primeiro século depois de Cristo.

“Eu fiquei bem cética quando vi esse naufrágio em 2010. Eu pensei ‘não tem como essa coisa ser antiga”, confessou Carlson. “Mas nós coletamos essas amostras de madeira e eu fiquei chocada quando recebemos os resultados.

O local cobre uma área de aproximadamente 6x6 metros, ainda que a equipe não tenha conseguido determinar exatamente onde o navio começa e termina durante suas curtas explorações do local. Neste ano eles terão mais tempo para investigar; se o clima permitir, a equipe espera começar a mergulhar em meados de fevereiro, e continuar trabalhando até maio.

Além de determinar um limite sólido para o naufrágio, Carlson espera que ela e seus colegas consigam separar uma parte do navio submerso, levá-lo até a superfície e peneirar seu conteúdo em uma piscina, procurando moedas, objetos pessoais e tudo mais que estiver preso no sedimento. De jarros lacrados de cerâmica, a equipe pode até mesmo conseguir recuperar materiais botânicos antigos, como pólen, que poderiam até mesmo indicar em que momento do ano o navio estava viajando.

O projeto recebeu financiamento do Fundo Nacional para as Ciências Humanas. Além dos colegas do Instituto de Arqueologia Náutica, Carlson está trabalhando com pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa Científica, da França, da University of California, Berkeley, e do Departamento de Arqueologia do Sri Lanka.
 Scientific American Brasil

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Notícias História Viva


Pegadas humanas de 800 mil anos são descobertas

AE - Agência Estado

Uma equipe de cientistas do Reino Unido anunciou nesta sexta-feira a descoberta de pegadas humanas datadas de mais de 800 mil anos na Inglaterra. São as mais antigas fora da África e os primeiros indícios de vida humana no norte da Europa.

Um grupo formado por pesquisadores do British Museum, do Museu de História Natural e da Universidade de Londres descobriu as impressões de até cinco indivíduos na lama fossilizada de um estuário em Happisburgh, na costa leste do país.

Para Nick Ashton, cientista do British Museum, as impressões são "uma tangível ligação com os nossos primeiros parentes humanos".

Os cientistas disseram que essas pegadas podem ser do Homo antecessor - hominídeo extinto que surgiu há cerca de 1,2 milhão de anos e perdurou, pelo menos, até cerca de 800 mil anos atrás -, cujos restos fossilizados foram encontrados na Espanha e datam de 800 mil anos atrás. A descoberta foi publicada na revista científica PLOS ONE. Fonte: Associated Press. 
Jornal O Estado de S. Paulo

Notícias História Viva

Missão espanhola faz descoberta que pode rever cronologia faraônica
Estudo escavou restos de um muro e colunas de mausoléu na região de Al Asasif

EFE

Uma missão de arqueólogos espanhóis e egípcios fez uma descoberta em uma tumba no sul do Egito que abre portas à reinterpretação da cronologia faraônica, pois poderia demonstrar que Amenhotep III e seu filho Amenhotep IV, conhecido como Akenaton, reinaram juntos.
EFE/ Ministério de Antiguidades do Egito
Amuletos e estátuas foram expostos junto a três esqueletos humanos e um sarcófago

A missão, liderada pelo arqueólogo espanhol Francisco Martín Valentín, escavou os restos de um muro e as colunas do mausoléu de um ministro da XVIII dinastia faraônica (1569-1315 a.C.) na região de Al Asasif, na província meridional de Luxor.

O grande diferencial da descoberta, explicou Valentín à Agência Efe, é que na escavação foram encontradas gravuras com os nomes de Amenhotep III e Amenhotep IV juntos.

Isto, segundo o especialista, "pode confirmar que os dois reis governaram juntos entre nove e dez anos dos 39 de Amenhotep III, já que os textos das colunas explicam que eram soberanos do Alto e do Baixo Egito". "Não há nada semelhante na história faraônica", afirmou taxativamente Martín Valentín.

O chefe do departamento de Egiptologia do Ministério de Antiguidades egípcio, Ali Asfar, destacou a importância dos nomes destes dois faraós aparecerem juntos. Asfar reconheceu que é muito complicado estabelecer as datas exatas dos reinados faraônicos, mas admite que este caso poderia obrigar a uma revisão das cronologias já estabelecidas, pois "confirmaria que ambos reinaram juntos".

Os reinados de Amenhotep III, também conhecido como Amenofis III, e de Amenhotep IV, que entrou para a história sob o nome de Akenaton, estão entre os mais relevantes do Egito Antigo por razões diferentes. O pai governou um país que conheceu um dos maiores períodos de prosperidade e estabilidade interna de sua história, com um longo mandato de quase quatro décadas.


Até agora, os especialistas pensavam que o filho havia se rebelado contra a forma do pai de conduzir o reinado e que, após sucedê-lo no trono após sua morte, adquiriu o nome de Akenaton e instaurou pela primeira vez o monoteísmo, com Aton como deus oficial.

No entanto a descoberta, explicou Martín Valentín, dá a entender que pai e filho estavam de acordo nessa autêntica revolução, já que compartilharam o reinado por uma década. A missão escolheu a tumba do ministro real, identificado como Amenhotep Huy, com a convicção que nela poderiam ser encontrados documentos que confirmassem o reinado conjunto.

"Desde 2009 trabalhamos neste lugar, onde escavamos cerca de 400 metros quadrados, e esperamos novas descobertas nos 600 metros quadrados que ainda faltam", disse o arqueólogo, antes de acrescentar que ninguém tinha escavado antes esse mausoléu inacabado.

Segundo o espanhol, Amenhotep III governou entre 1397 e 1340 antes de Cristo, por cerca de 38 anos, enquanto Amenhotep IV esteve à frente do país entre 1360 e 1348 a. C, ou seja, por 17 anos. A descoberta indicou que foram nesses dez anos de reinado conjunto que teria explodido a chamada "revolução atoniana". "Acho que tanto o pai como o filho, ou toda a família real, promoveram essa revolução, que deslocou o deus Amon, que era venerado em Tebas, capital faraônica de então", comentou Martín Valentín. 
Jornal O Estado de  S. Paulo

domingo, 6 de abril de 2014

Notícias História Viva

Mulher de Hitler pode ter sido judia
Tese se apoia em novas análises de DNA de Eva Braun

Frankfurt (Alemanha) - Eva Braun, a esposa de Adolf Hitler, pode ter tido origens judaicas, segundo novas análises de DNA realizadas para um documentário que será transmitido quarta-feira pelo canal britânico Channel 4. A tese se apoia na análise de cabelos provenientes de uma escova encontrada em Berghof, a residência de Hitler na Baviera, na Alemanha, onde Eva Braun passou a maior parte do tempo durante a Segunda Guerra Mundial.
Cabelos de Eva foram encontrados em uma escova na casa do casal Foto: Divulgação

Nos cabelos, os pesquisadores encontraram uma sequência específica de DNA “fortemente associada” aos judeus asquenazes, que representam aproximadamente 80% da população judaica. Na Alemanha, muitos judeus asquenazes se converteram ao catolicismo no século 19. “É uma descoberta impressionante. Jamais teria imaginado ver um resultado potencialmente tão extraordinário”, comentou Mark Evans, o apresentador do programa “The Dead Famous DNA” (o DNA de famosos mortos) no Channel 4.


Segundo os produtores do documentário, tudo indica que os cabelos analisados são provenientes de Eva Braun. O único meio de garantir formalmente seria compará-los com o DNA de um de seus dois descendentes vivos, mas eles se negaram a se submeter à análise. Eva Braun foi amante de Hitler durante muitos anos. Eles se casaram no dia 29 de abril de 1945, na véspera do suicídio de ambos no bunker (local construido para deixar os ocupantes a salvo de guerras ou desastres ) do ditador nazista em Berlim.
Jornal O Dia

Notícias História Viva


Dinamarqueses encontram excrementos conservados de 700 anos

Durante escavação em cidade medieval, arqueólogos acharam barris que serviam de latrina durante século XIV; excrementos ajudam a estudarem alimentação na época  
 Barris que serviam de latrina em cidade medieval são encontrados com conteúdo "conservado" Foto: Huffington Post / Reprodução

Arqueólogos da Dinamarca tiveram uma surpresa durante as escavações na cidade medieval de Odense ao encontrarem barris cheios de excremento de 700 anos (que ainda fedem!), segundo o Huffington Post, citando o site de notícias UPI.

De acordo com os cientistas, os barris medievais estavam em uma área onde se localizavam os “banheiros” da antiga cidade. Para os arqueólogos, a descoberta malcheirosa poderá ajudar a descobrir e estudar melhor a alimentação das pessoas na época.

E parece que os barris conservaram bem seu conteúdo. "Os resultados preliminares da análise mostram que framboesas eram populares em Odense, em 1300. Os conteúdos também conter pequenos pedaços de musgo, couro e tecido, que foram usados ​​como papel higiênico", contou a arqueóloga Maria Elisabeth Lauridsen ao canal Discovery.

Acredita-se que os tambores foram originalmente construídos para o transporte de mercadorias e de armazenamento de peixe, antes de serem convertidos à latrina. "Estamos descobrindo informações novas e emocionantes sobre a vida em Odense durante o século 14", disse Lauridsen.
http://noticias.terra.com.br

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Notícias História Viva


Primeiro grande levante na extinta Alemanha Oriental faz 60 anos
 DEUTSCHE WELLE

Um milhão de pessoas participaram do levante popular na então Alemanha comunista pela liberdade, democracia e a unidade dos Estados alemães. O protesto foi reprimido violentamente pela polícia e por tanques soviéticos.
No dia 17 de junho de 1953, quatro anos após sua criação, a República Democrática Alemã estava à beira do colapso. O florescimento econômico da Alemanha Ocidental e a insatisfação com os rumos políticos na Alemanha Oriental levaram muitos a voltarem as costas à República Democrática Alemã (RDA), de regime comunista.
A coletivização da agricultura, o desenvolvimento acelerado da indústria pesada e o pagamento de reparações de guerra debilitaram o desempenho econômico alemão-oriental. A política do Partido Socialista Unitário (SED) e seu socialismo planejado levaram a RDA a uma profunda crise em fins de 1952.
Neste ano, 180 mil pessoas haviam deixado o país. No primeiro semestre de 1953, foram 226 mil.
Oito anos após o fim da Segunda Guerra, a RDA não conseguia garantir alimentos básicos à população. No início de 1953, centenas de produtores rurais tiveram suas terras desapropriadas, assim como hotéis e pousadas.
Em abril de 1953, vários alimentos tiveram seus preços aumentados. O apogeu aconteceu em maio de 1953, com a imposição ao trabalhador de produzir 10% a mais na mesma carga horária, sem aumento salarial.
GOVERNO FAZ CONCESSÕES, MAS NÃO AUMENTA SALÁRIOS
Para atrair de volta os agricultores, comerciantes e trabalhadores que haviam emigrado para a Alemanha Ocidental, o governo socialista acenou com a possibilidade de devolução das propriedades.
A Justiça, cujas sentenças arbitrárias haviam levado à duplicação da população carcerária no período de um ano, seria encarregada de revisar suas decisões. Até mesmo com a Igreja os responsáveis pelo governo pretendiam entrar em acordo. Só o aumento salarial continuou tabu, o que foi interpretado como provocação pelos trabalhadores.
A grande onda de protestos deslanchou quando milhares de trabalhadores da construção civil se rebelaram contra reduções de fato no salário, com uma longa passeata pelas ruas de Berlim Oriental no dia 16 de junho.
Diante da sede do governo, mais de dez mil pessoas reivindicavam o fim do acirramento das normas de trabalho, convocando para o dia seguinte uma greve e uma assembleia-geral dos trabalhadores. Nessa tarde, a manifestação ainda se dispersou pacificamente.
Mas no dia seguinte, mais de um milhão de pessoas participaram de manifestações e greves em 700 cidades da RDA. Ao lado de passeatas pacíficas, ocorreram ataques a escritórios do partido e a casas de detenção para libertar prisioneiros.
A rebelião por melhores salários transformou-se rapidamente num levante pela liberdade, democracia e a unidade da Alemanha. Em faixas, os trabalhadores reivindicavam, além de melhores condições de vida, a renúncia do governo da RDA, eleições livres e a reunificação do país.
REPRESSÃO VIOLENTA
Em Berlim Oriental, o centro das turbulências, a situação se intensificou. Os governantes da RDA solicitaram auxílio aos soldados soviéticos estacionados no país. Durante muito tempo, não se soube ao certo qual tinha sido o papel do governo na repressão da revolta.
As imagens da luta desigual correram o mundo: manifestantes armados só com pedras tentaram deter os tanques soviéticos que avançavam pelas ruas de Berlim.
Documentos que se tornaram acessíveis mais tarde esclarecem que Otto Grotewohl (primeiro-ministro da RDA) e Walter Ulbricht (secretário-geral do SED) pediram expressamente aos soviéticos, na madrugada do 17 de junho, o envio de tropas à capital.
ESTADO DE EXCEÇÃO
No começo da tarde de 17 de junho, a tropa russa entrou em ação com centenas de tanques que ocupavam lugares estratégicos. A fronteira para Berlim Ocidental foi fechada. A partir das 13h foi declarado o estado de exceção.
Soldados podiam atirar para matar e os soldados aliados, na outra Berlim, não se intrometeram, com receio de iniciarem uma terceira guerra mundial. Em alguns pontos da cidade, chegaram a atirar contra os trabalhadores, fazendo a multidão correr em pânico.
Nesta tarde morreram 14 pessoas, conta Klaus Gronau, que na época tinha 16 anos. "'Não precisamos de um Exército popular, precisamos de manteiga - era o que gritávamos'", relata.
Em represália por ter participado dos protestos, ele foi transferido para o almoxarifado no local onde fazia o curso profissionalizante, para não poder falar com os clientes. Em 1957, quatro anos antes da construção do Muro, Klaus e sua família conseguiram fugir para Berlim Ocidental.
Nos dias que se seguiram, cerca de dez mil manifestantes e membros do comitê de greve foram presos. Em julgamento sumário, em 18 de junho de 1953 o operário Willy Götting foi condenado à morte por participação na revolta e imediatamente executado. Ao todo, foram detidas 7663 pessoas, das quais 1526 foram condenadas à prisão.
Alguns dias mais tarde, o Comitê Central do SED admitiu erros e decidiu cancelar o aumento de preços de alimentos e da carga de trabalho, aumentar as aposentadorias mínimas, bem como disponibilizar mais bens de consumo.
Folha de S. Paulo

Notícias História Viva


Vietnã ainda sofre com químico jogado por EUA há 40 anos

BBC BRASIL


Quase 40 anos depois de seu fim, a Guerra do Vietnã continua fazendo vítimas.

Muitas crianças nascem no país com malformação congênita, resultado da contaminação que o país sofreu por agente laranja.

A substância química foi jogada por Forças Americanas no solo para destruir plantações agrícolas e desfolhar florestas usadas como esconderijo pelos inimigos, mas acabou causando danos e contaminação que duram até hoje.

A Cruz Vermelha diz que 150 mil casos de malformação congênita estão ligados à substância. Os Estados Unidos contestam esses números.

O programa Inside Out, da BBC, acompanhou o trabalho de uma equipe de cirurgiões de Londres que foram para a região de Da Nang realizar plásticas em crianças que ainda hoje nascem com defeitos decorrentes do químico.
Folha de S. Paulo

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Notícias História Viva

Arqueólogos búlgaros descobrem cidade pré-histórica mais antiga da Europa

Assentamento de 350 pessoas, com 6700 anos de idade, perto da cidade de Provadia, foi 

um rico centro produtor de sal 

AFP
AP
Restos do muro da cidade pré-histórica encontrada em Provadia, considerada a mais antiga da Europa
Arqueólogos anunciaram a descoberta da cidade pré-histórica mais antiga da Europa no leste da Bulgária, onde foi encontrada também uma arcaica produção de sal, que teria sido a origem de grandes riquezas descobertas no local.
Escavações feitas no sítio, próximo à cidade moderna de Provadia, até agora revelaram os vestígios de um assentamento de casas de dois pavimentos, uma série de buracos no chão usados em rituais, assim como pedaços de um portão, estruturas de uma fortaleza e três muros de fortificação posteriores, todos com datação de carbono referente aos períodos Calcolítico (Idade do Cobre) médio e tardio, entre 4.700 e 4.200 anos antes de Cristo.
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Esqueletos de um adulto e duas crianças encontrados no cemitério da cidade pré-histórica descoberta na Bulgária
"Não estamos falando de uma cidade como as cidades-estado gregas, assentamentos antigos romanos ou medievais, mas do que arqueólogos concordam que tenha sido uma cidade no quinto milênio antes de Cristo", afirmou Vasil Nikolov, pesquisador do Instituto Nacional de Arqueologia da Bulgária, após anunciar as descobertas no começo do mês.
Nikolov e sua equipe trabalham desde 2005 em escavações do assentamento Provadia-Solnitsata, situado perto do resort de Varna, no Mar Negro.
Uma pequena necrópole também foi encontrada, mas ainda precisa ser estudada mais a fundo e poderá manter os cientistas ocupados por gerações.
O arqueólogo Krum Bachvarov, do Instituto Nacional de Arqueologia, afirmou que sua última descoberta é "extremamente interessante" devido às posições peculiares de sepultamento e dos objetos descobertos nas sepulturas, que são diferentes dos de outras sepulturas neolíticas encontradas na Bulgária.
"Os enormes muros no entorno do assentamento, que foram construídos muito altos e com blocos de pedra, também são algo que até agora não tinha sido visto em escavações de sítios pré-históricos no sul da Europa", acrescentou Bachvarov. 
Bem fortificada, com um centro religioso e, mais importante, um grande centro de produção para uma commodity específica que foi comercializada por toda parte, o assentamento de cerca de 350 pessoas encontrou todas as condições para ser considerada a mais antiga "cidade pré-histórica" conhecida na Europa, afirmou a equipe.
"Em uma época em que não se conhecia a roda e a carroça, estas pessoas arrastaram enormes rochas para construir muros enormes. Por quê? O que escondiam atrás deles?", questionou Nikolov. 

A resposta é o sal.

Precioso como ouro 
A área é rica em grandes depósitos de sal rochoso, uns dos maiores no sul da Europa e o único a ser explorado até o sexto milênio antes de Cristo, disse Nikolov.

Isto é o que faz de Provadia-Solnitsata um local tão importante.
Atualmente, o sal ainda é extraído no local, mas 7.000 anos atrás, tinha uma importância completamente diferente.
"O sal foi uma commodity extremamente valorizada em épocas antigas, por ser necessário tanto para as vidas das pessoas e como um método de comércio e moeda a partir do sexto milênio a.C. até o ano 600 a.C.", explicou o cientista.
A extração de sal no local começou em 5.500 anos a.C., quando as pessoas começaram a ferver salmoura de uma fonte vizinha em estufas encontradas dentro do assentamento, disse Nikolov, citando os resultados de datação de carbono de um laboratório britânico em Glasgow, Escócia.
"Esta é a primeira vez no sul da Europa e no oeste de Anatólia que os arqueólogos encontraram traços de produção de sal em uma época tão remota, o fim do sexto milênio a.C., e conseguiram prová-la com dados arqueológicos e científicos", confirmou Bachvarov.
A produção de sal saiu do assentamento por volta do fim do sexto milênio e a produtividade aumentou gradualmente. Após ser fervido, o sal era cozido para formar pequenos tijolos.
Nikolov disse que a produção cresceu de forma permanente a partir de 5.500 a.C., quando uma carga das estufas de Provadia-Solnitsata rendia cerca de 25 quilos de sal seco. Por volta de 4.700 a 4.500 a.C., este volume tinha aumentado para 4.000 a 5.000 quilos de sal.
"Em uma época em que o sal era tão precioso quanto o ouro, você imagina o que isto significou", afirmou.
O comércio de sal deu à população local grande poder econômico, o que poderia explicar os bens em ouro encontrados em seputuras da Necrópole de Varna e que remontam a 4.300 a.C., sugerou Nikolov.http://ultimosegundo.ig.com.br