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segunda-feira, 18 de setembro de 2017

O que foi a Ku Klux Klan?


Grupo racista criminoso ganhou força no século 19 devido a um conjunto de leis segregacionistas dos estados dos EUA 
Raquel Carneiro

Foi uma milícia criminosa racista criada no sul dos EUA logo após a Guerra Civil Americana (1861-1865). O grupo formado por pessoas brancas reagiu à libertação dos escravos e a um projeto do governo chamado Reconstrução, que integraria os negros à sociedade. Responsável por massacres, estupros e linchamentos, entre outras atrocidades, a Klan passou por três fases históricas, todas repletas de ódio.

1. Em 1866, na pequena cidade de Pulaski, no Tennessee, seis amigos começaram a sair com lençóis brancos na cabeça durante a noite para pregar peças nos negros das fazendas locais. Com o tempo, as brincadeiras ganham contornos violentos e motivações políticas. Nascia ali a Ku Klux Klan, que emprestou do grego a palavra kuklos (círculo) e dos escoceses o termo klan (clã). Em um ano, eles atingem meio milhão de adeptos em diferentes cidades

2. O governo dos EUA deu à KKK o status de organização criminosa em 1870. Contudo, no sul, eles ganharam força devido a um conjunto de leis segregacionistas dos estados locais. Conhecidas como “Jim Crow” (personagem negro e bobo da cultura popular norte-americana), essas leis ditavam que ônibus, cinemas, restaurantes e outros estabelecimentos possuíssem assentos separados para negros. Quem não cumpria os limites era punido pelas autoridades, com a ajuda da Klan

3. Com a fuga de negros para outros estados, o grupo aumentou sua atuação pelo país. Uma primeira sede oficial foi aberta em Nashville sob a liderança de Nathan Bedford Forrest, o Grande Mago (ver abaixo). Toda a área de atuação era designada como Império. O que estava fora era chamado de “mundo alienado”. O look branco com chapéu pontudo remetia aos fantasmas dos soldados confederados mortos durante a Guerra Civil

4. Com o fim da Reconstrução em 1877, a KKK perdeu sua força inicial. Mas o declínio não apagou sua ideologia: alguns adeptos se envolveram com a política. Como resultado, cinco ex-presidentes dos EUA hoje são apontados como simpatizantes da organização: William McKinley (1897-1901), Woodrow Wilson (1912-1921), Warren G. Harding (1921-1923), Calvin Coolidge (1923-1929) e Harry S. Truman (1945-1953). O discurso racista de Woodrow ajudou a Klan a retomar suas atividades
Revista Mundo Estranho

terça-feira, 6 de maio de 2014

O sonho de Martin Luther King

Discurso proferido há 50 anos na Marcha de Washington tornou-se um marco na luta contra a segregação racista nos Estados Unidos.

Celia Maria Marinho de Azevedo


Martin Luther King em 1964. No ano anterior, ele proferiu o famoso discurso “Eu tenho um sonho”, contra a discriminação dos negros nos Estados Unidos. (foto: United States Library of Congress - New York World-Telegram & Sun Collection/ Wikimedia Commons)

Há 50 anos um simples broche de propaganda, distribuído pelos organizadores da então planejada Marcha de Washington, causou profunda apreensão no governo e na mídia dos Estados Unidos. Nele se via um caloroso aperto de mãos – uma negra, outra branca –, em clara manifestação de que norte-americanos descendentes de europeus e de africanos poderiam conviver amigavelmente em vez de continuar divididos pelos muros da segregação racista legalmente instituída.

O evento pretendia dar apoio a um projeto de lei de direitos civis que bania a discriminação em locais públicos, na educação e no emprego, encaminhado ao Congresso pelo próprio presidente John F. Kennedy. Mas o sonho de convivência integrada entre cidadãos negros e brancos projetava-se antes como pesadelo para o governo. O temor da presidência, então em mãos do Partido Democrata, era que a escalada da violência atingisse um ponto incontrolável, prejudicial para o futuro político de seus governantes e da tão aclamada democracia norte-americana em plena tensão da Guerra Fria contra o totalitarismo soviético.

O ano de 1963, que mal chegava à sua primeira metade, havia sido especialmente quente, com cerca de 900 manifestações antirracistas em mais de 100 cidades, mais de 20 mil prisões e ao menos 10 mortes. A princípio restritas aos estados sulistas, onde se implantara desde o final do século 19 um sistema formal de segregação racista nas escolas, nos transportes, nos hospitais, nos locais públicos em geral, as manifestações começavam a ganhar as cidades do norte, onde um racismo informal e encoberto agia nas mais diversas instituições e práticas sociais. Diante disso, Kennedy chegou a se reunir em junho com 30 líderes do movimento dos direitos civis para pedir o cancelamento da marcha, programada para daí a dois meses.
Desde 1954, quando a Suprema Corte dos Estados Unidos julgara inconstitucional a segregação racista nas escolas, o movimento dos direitos civis lutava para assegurar o cumprimento da medida

Mas Martin Luther King, Jr., ministro de uma igreja batista de Atlanta, Georgia, e doutor em teologia, então com 34 anos, já havia obtido reconhecimento entre bases e lideranças de que já não era mais possível esperar. Afinal, desde 1954, quando a Suprema Corte dos Estados Unidos julgara inconstitucional a segregação racista nas escolas, o movimento dos direitos civis lutava para assegurar o cumprimento da medida, além de pressionar no sentido da desmontagem de todo o sistema segregacionista. Entre as muitas batalhas, destaca-se aquela voltada para a dessegregação dos ônibus de Montgomery, Alabama. O estopim foi a prisão da costureira e militante do movimento Rosa Parks, que se recusou a ceder seu assento a um homem branco no fundo do ônibus, reservado às pessoas negras.

O boicote aos ônibus teve início em dezembro de 1955. A população negra preferia andar quilômetros a pé, todos os dias, a sofrer as humilhações de um transporte segregado. No início de 1956, já reconhecido como líder do movimento, o reverendo King foi preso, acusado de conspirar contra a normalidade “sem causa justa ou legal”. Quase um ano depois, a Suprema Corte considerou inconstitucionais as leis segregacionistas do transporte coletivo do Alabama.

Outra luta importante foi o movimento de ocupação pacífica das lanchonetes reservadas aos brancos. Iniciado por estudantes negros em Greensboro, Carolina do Norte, em fevereiro de 1960, logo se alastrou para outras localidades. Em 1963, o movimento atingiu o auge em Birmingham, Alabama, em meio a episódios de violência policial contra manifestantes, seguidos de nova prisão de King e de inúmeros militantes.

As fotos que circularam na mídia nacional e internacional contribuíram para firmar uma imagem vergonhosa da democracia norte-americana: policiais com cassetetes instigavam cães contra manifestantes negros, enquanto a Ku Klux Klan lançava bombas nas casas de líderes do movimento e cometia outras atrocidades contra pessoas negras. Muitas imagens apontavam a participação ativa de sulistas brancos na repressão, até de mulheres raivosas a xingar crianças negras na chegada a uma escola integrada. Algumas fotos mostravam jovens brancos divertindo-se em jogar sal e açúcar sobre a cabeça de jovens negros sentados em uma lanchonete cujos assentos eram “só para brancos”.


Um mar de rostos

Não é difícil, portanto, imaginar por que o discurso de Martin Luther King – “Eu tenho um sonho” –, proferido ao final da Marcha de Washington, em 28 de agosto de 1963, causou especial impacto nos cerca de 250 mil manifestantes e no público televisivo. 
 
Broche de propaganda da Marcha de Washington: o sonho estava lançado. (imagem: reprodução)

Do alto do Memorial de Lincoln, no ano do centenário da Proclamação de Emancipação dos escravos, assinada por aquele presidente em meio à Guerra Civil (1861-1865), King revelou o sonho que se projetava por trás do longo e sofrido percurso da luta pelos direitos civis. Nada mais que a concretização das aspirações históricas mais profundas da democracia norte-americana e de sua Declaração de Independência (4 de julho de 1776): o reconhecimento de que todos são iguais, com direito inalienável à liberdade e a uma justiça igualitária.

Inspirado por uma luta antirracista de que já participavam pessoas brancas e tendo diante de si um mar de rostos negros salpicado de rostos brancos, King desfiou seu sonho de liberdade, igualdade e fraternidade: “Tenho um sonho de que um dia... os filhos de ex-escravos e os filhos de ex-senhores sejam capazes de se sentar juntos à mesa da fraternidade. ...Tenho um sonho de que meus quatro filhos viverão um dia numa nação onde eles não serão julgados pela cor de sua pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. ...Tenho um sonho de que meninos negros e meninas negras poderão dar as mãos a meninos brancos e meninas brancas tal como irmãs e irmãos. Hoje eu tenho um sonho!”
King: “Tenho um sonho de que um dia... os filhos de ex-escravos e os filhos de ex-senhores sejam capazes de se sentar juntos à mesa da fraternidade”

Cabe notar a não referência à ideia de raças humanas, embora desde cedo ela tenha permeado a história dos Estados Unidos, a começar pela separação entre igreja negra e branca e pela proibição legal de casamentos ‘inter-raciais’. Nesse sentido, King começava a remar contra a corrente da história dos Estados Unidos, cuja obsessão em nomear a ‘raça negra’ estava presente até na linguagem de militantes antirracistas. Nos poucos anos de vida que lhe restavam antes de ser assassinado em 4 de abril de 1968, King dedicou-se a causas sociais que abrangiam protestos contra a guerra do Vietnã e reivindicações de trabalhadores brancos e pobres. É que no seu sonho de paz e integração social só havia lugar para o mérito e talento de cada um – jamais para a cor da pele e aparência pessoal.

Celia Maria Marinho de Azevedo
Historiadora, professora aposentada da Universidade Estadual de Campinas
Revista Ciência Hoje

quarta-feira, 19 de março de 2014

Mitos do Velho Oeste americano - Os brutos também amam


Foi a arte - primeiro, a literatura e, depois, o cinema - que ajudou a criar o folclore sobre o "bandido romântico" que, nas ruas poeirentas dos vilarejos do Oeste, sem lei e ordem, duelava sozinho contra todos
 
 Rose Mercatelli




CENA 1
No saloon semideserto, mocinhas de vida duvidosa com caras de anjo e cachinhos, mortas de tédio, desfilam pelo recinto. Em uma mesa, um sujeito com barba por fazer e jeito de malfeitor desafia o recém-chegado, impecavelmente barbeado e vestido de preto, para um jogo de cartas. De repente, o forasteiro, furioso, chama seu opositor de covarde e desafia-o para um duelo ao perceber que o barbudo pega na manga uma carta escondida.

CENA 2
Na rua deserta, os dois homens se encaram a uma distância de 20 metros. Repentinamente, o trapaceiro leva sua mão ao coldre. Pena que não foi rápido o suficiente. Veloz como um raio, o forasteiro saca seu revólver e, com um só tiro, coloca uma bala na testa do adversário.

CENA 3
Cowboys desocupados, o barbeiro da cidade, o ajudante do xerife, o caixa do banco e todos que pararam de respirar por alguns segundos voltam às suas rotinas, enquanto o bom moço guarda o revólver e despede-se do malandro dizendo: "Esse foi sua última cartada." E entra pela porta de vaivém do saloon como se nada houvesse acontecido.

Cem anos de Hollywood nos fizeram acreditar que na rota rumo ao Oeste americano todo dia acontecia uma sequência de cenas como essas.

"Clint Eastwood e John Wayne transformavam seu Colt em uma metralhadora batendo rapidamente com a mão no cão do revólver. Esqueçam isso! As armas da época eram tão toscas que essa manobra seria impossível"

O PACATO VELHO OESTE
Os professores da Stanford University, EUA, Peter J. Hill e Terry L. Anderson, em seu controvertido livro The Not So Wild, Wild West: Property Rights on the Frontier (sem tradução em português), demonstraram que a vida por aquelas bandas foi pacata e tediosa, ao contrário do que nos mostrou o cinema.

De 1845 a 1860, cerca de 300 mil pessoas viajavam por terra em comboios de carroças para inúmeros lugares da costa Oeste. Só para Sierra Nevada, no Estado da Califórnia, em1845, com a descoberta do ouro, 200 mil americanos e estrangeiros se deslocaram para lá, atrás do sonho de enriquecer rapidamente.

"EU SOU A LEI E ISSO ACABA AQUI." (WYATT EARP)
Por outro lado, se levarmos em conta os antigos filmes de faroeste, o morticínio também deveria ter sido enorme, certo? Ledo engano, afirmam os pesquisadores Hill e Anderson, que estudaram a conquista do Oeste por 30 anos. Ao pesquisar documentos da época, eles descobriram que cinco foi o maior número de homicídios que qualquer cidade do Velho Oeste testemunhou em um ano durante o período de colonização. Em 1881, considerado o mais violento da história de Tombstone, Arizona, foram contabilizados apenas três assassinatos. Na verdade, a média de homicídios na maioria das cidades era de 1,5 homicídios ao ano. E nem todas as mortes eram ocasionadas por tiros. Ou seja, de acordo com Hill e Anderson, a violência do Velho Oeste não passou de um grande mito.

Roubos a bancos, então, eram raridades. Larry Schweikart, historiador da Universidade de Daytona, Ohio, e coautor do livro A Patriot's History of the United States, estima que, durante o período de colonização compreendido entre 1859 a 1900 houve menos do que uma dúzia de assaltos a bancos em todo o Oeste.
Pat Garrett


MIRA INCERTA
Lembram-se como Clint Eastwood e John Wayne transformavam seu Colt em uma metralhadora batendo rapidamente com a mão no cão do revólver? "Esqueçam isso!" - sugerem os historiadores. As armas da época eram tão toscas que essa manobra seria impossível. Segundo os experts, era muito pouco provável que qualquer um, por melhor atirador que fosse, acertasse o adversário no primeiro, no segundo ou mesmo no terceiro disparo.

Da mesma forma que a Trilha de Overland, rota alternativa entre Califórnia e Oregon, não era um lugar de conflitos, nem perseguições às diligências. Rancheiros e criadores de gado também não viviam às turras. Ao contrário! A Lei de Propriedade Rural, (em inglês, Homestead Act), criada pelo presidente Abraham Lincoln, no dia 20 de maio de 1862, para atrair imigrantes na ocupação do Oeste americano, condicionava a posse de uma propriedade a um limite de 160 hectares (aproximadamente 66 alqueires).

O tamanho das terras, relativamente pequeno para a criação, fez com que rancheiros de Estados como Dakota e Nebraska, levassem seu gado para pastarem em campos abertos e desapropriados. Como as viagens eram longas, passavam por terrenos acidentados e por condições meteorológicas extremas, os rancheiros cooperavam entre si, ajudando-se uns aos outros. Muito diferente da versão hollywoodiana sobre o conflito de terras.


Uma das cartas propondo rendição a Billy the kid: ele tinha que depor como testemunha de um recente assassinato em troca de perdão para seus próprios crimes

QUESTÃO DE MARKETING

Então, de onde surgiu a lenda sobre o selvagem e bravio Oeste americano? Segundo vários historiadores, o mito nasceu junto com Billy the Kid, o lendário fora da lei. Na verdade, o responsável pela criação da fábula foi o livro de Pat Garrett, que dedicou alguns anos de sua vida a caçar o baixinho dentuço e franzino que aterrorizou o Oeste.

Quem escreveu o livro de fato foi o jornalista Marshall Ashmun Upson, que na época era auxiliar do xerife. Pesquisadores afirmam que Garrett era analfabeto. Por isso empregou o jornalista como escrivão para cuidar dos registros da delegacia. Hábil contador de histórias desde a Guerra Civil Americana, Upson transformou o livro de Pat Garrett The Authentic Life of Billy the Kid em uma espécie de bíblia para quem quisesse entender como era a vida no Velho Oeste na época de sua conquista.

Entretanto, o marketing do valentão bom de tiro, de copo e de mulher não fazia bem apenas aos "fora da lei" - que viam nessas histórias uma maneira de serem temidos e respeitados, cidades como Deadwood, em Dakota do Sul, gostavam de exagerar sua natureza violenta e sem lei a fim de atrair colonizadores aventureiros. Até hoje, a cidade tem como uma de suas maiores fontes de renda os turistas que vêm à procura de aventura e emoções.

Ainda que a história contada pelos livros de capa amarela (relatos folhetinescos sobre a conquista do Oeste americano) e pelo cinema não seja totalmente verdadeira, sem dúvida, ela é muito mais eletrizante do que a realidade de um oeste ordeiro, como querem provar muitos dos novos historiadores americanos.

"PROCURA-SE VIVO OU MORTO"

De acordo com o livro de Pat Garrett, William H. Bonney nasceu em 23 de novembro de 1859 na cidade de Nova Iorque e perdeu o pai muito cedo. Com quatro anos, Billy começou sua peregrinação, juntamente com a mãe e o padrasto, por várias cidadezinhas rumo ao Oeste até chegar ao Novo México.
Cartaz oferecendo recompensa pela captura de Billy the Kid, "vivo ou morto". Era assinado pelo xerife Pat Garrett que o matou em 1881

Aos oito anos, praticou seu primeiro roubo ao furtar um pote de manteiga de um mercadinho. Aos 12, cometeu seu primeiro assassinato, em uma briga de saloon, ao matar com um canivete um vagabundo que, dias antes, teria insultado sua mãe em público. O fato de nunca mais tê-la visto depois desse dia foi determinante para o garoto começar sua carreira de bandido, conta a versão romântica de seu biógrafo.

Aos 14 anos, considerado baixo demais para o emprego de cauboi, virou especialista em roubo de cavalos. Em 1878, em uma disputa por posses de terras no condado de Lincoln, no Novo México, Billy se uniu a um bando de pistoleiros que espalhavam terror na região executando sumariamente todos os suspeitos de terem matado um rancheiro da família Tunstall, o patrão querido de todos eles, inclusive de Billy. O governo dos EUA, então, ofereceu 500 dólares para quem entregasse o bandido. Os cidadãos das cidades onde ele atuava triplicaram o prêmio.

Em 1878, entrou na vida do fora da lei o xerife Pat Garrett que, como aquele que se tornaria seu maior desafeto, era bom de tiro, gostava de beber, jogar e correr atrás das mexicanas. Por dever de ofício, durante um ano, dedicou-se a perseguir seu ex-amigo, até que, finalmente, o matou em uma emboscada em 13 de julho de 1881.

Um ano depois, Garret iniciaria, com o jornalista Marshall Ashmun Upson, seu livro The Authentic Life of Billy The Kid, que ajudou a imortalizar o bandido e o modo de vida "selvagem" do Velho Oeste americano.

"O tempo que levo para matar é menor do que você leva para beber um uísque", disse o valentão Joe Grant a Billy the Kid, sem imaginar que essa seria sua última frase em vida

JESSE JAMES
Em 1842, vinha ao mundo, em Kearney, no Missouri, Jesse Woodson James, filho de Robert S. James, agricultor, comerciante de cânhamo e pastor da Igreja Batista no Kentucky e próspero dono de seis escravos que o ajudavam na fazenda. Três anos depois de seu nascimento, Jesse perdeu seu pai e sua mãe se casou com Reuben Samuel, que foi morar na fazenda dos James. A vida seguia mansa até o início da Guerra Civil Americana (1861), a qual esfacelaria o Missouri e mudaria a vida de Jesse James.

Com 16 anos, seguindo seu irmão Frank depois de salvar a vida do padrasto que seria enforcado por uma milícia da União, o rapaz entrou para o bando de ex-guerrilheiros e começou a carreira de assaltante de bancos. Até então, Jesse não era famoso, mas virou notícia de jornal quando, em 1869, com Frank, assaltou o Savings Association, em Gallatin, Missouri, e matou um bancário. O roubo deu tanta notoriedade aos James como um dos mais famosos guerrilheiros fora da lei que o governador do Missouri, Thomas T. Crittenden, colocou uma recompensa pela captura dos irmãos que, junto com outros ex-confederados, formaram a Gangue dos James-Younger.

O bando roubou bancos de Iowa ao Texas, do Kansas até Virgínia Ocidental. Nos intervalos, assaltavam escritórios de diligências, feiras agrícolas e trens que dirigiam ao Estado de Iowa, roubando passageiros e, praticamente, tudo o que encontravam nos vagões de carga. A quadrilha continuou roubando e matando gente em quase todos os Estados do Sul até que, no fim de 1879, com a gangue praticamente esfacelada por prisões, mortes e desistências, os irmãos James resolveram voltar para o Missouri com seus homens de confiança: os irmãos 
Robert e Charley Ford.
Da esquerda para a direita, Billy the Kid, Doc Holliday, Jesse James e Charlie Bowdre. Acredita-se que a foto tenha sido feita no Novo México, em 1879


O que Jesse James não sabia é que Bob Ford havia secretamente negociado com Thomas Theodore Crittenden, o governador do Missouri, a quantia de 5 mil dólares por cada um dos irmãos. Em 3 de abril de 1882, Ford, ao pegar Jesse James desarmado enquanto fazia os preparativos para outro roubo e cuidava dos cavalos, matou o amigo com um tiro na cabeça.

BUTCH CASSIDY
Ao lado de Jesse James e Billy the Kid, Butch Cassidy brilhou como um verdadeiro mestre na arte de roubar bancos e trens. Nascido Robert Le Roy Parker, em 1866, em Beaver, Utah, Cassidy se transformou em um exímio pistoleiro e grande cavaleiro, inspirando-se no seu ídolo Mike Cassidy, esperto ladrão de gado com quem aprendeu todos os truques para fazer carreira no crime. No início, fez carreira solo, roubando bancos em Denver e Telluride.

Em 1894, foi preso, mas saiu da cadeia um ano e meio depois, quando se associou a cinco outros bandidos de primeira linha, entre eles Harry Longabaugh, mais conhecido como Sundance Kid. O bando causou muito pânico nos Estados de Wyoming, Nebraska, Nevada e Texas devastando bancos e trens. Foram eles os protagonistas do grande assalto ao First National Bank em Winnemucca (Nevada), em 1901, levando do cofre mais de 30 mil dólares.

Sundance Kid Jesse James, em 1864 Butch Cassidy

Logo em seguida, Cassidy e seu parceiro Sundance Kid, fugindo da polícia, vieram para a América do Sul, chegando a Buenos Aires, na Argentina, em 1901, em companhia da Etta Place, a namorada de Sundance. Depois de se instalarem no melhor hotel da cidade, abrir uma conta na filial do Banco de Londres com 12 mil dólares, fruto da partilha do roubo do First National Bank de Nevada, entre 1902 a 1906, resolveram viver como cavalheiros refinados que pareciam ser. Chegaram até a comprar uma fazenda na província de Chubut, na Patagônia. Mas quando o dinheiro acabou, voltaram a assaltar bancos, primeiro, na Argentina, depois, roubando comboios e minas na Bolívia, Peru e Chile.

A morte de Cassidy ainda gera conflitos entre historiadores. Na versão oficial, em 1908, ele e Sundance teriam sido perseguidos por soldados bolivianos e mortos a tiros de metralhadora. Em outra variante, em 3 de novembro de 1908, depois de roubarem 15 mil pesos bolivianos do transporte de pagamento de mineiros, esconderam-se em uma pensão, mas foram reconhecidos e denunciados a uma unidade do Exército. No dia 6, depois de uma troca de tiros que resultou em um soldado ferido e outro morto, ouviu-se um grito de dor. Minutos depois, um novo tiro silenciou o gemido.

Na manhã seguinte, os dois foram encontrados mortos. A interpretação do fato: Butch Cassidy teria dado o tiro de misericórdia no amigo ferido e depois se suicidado. A polícia boliviana enterrou os dois em um cemitério próximo ao local do incidente.

Por fim, caro leitor, imagine se você fosse um diretor ou roteirista de cinema. Seria mesmo capaz de resistir a uma história dessas?

*Título do filme de 1953, dirigido por George Stevens e estrelado por Alan Ladd no papel de Shane, pistoleiro errante que vem em defesa de uma pacata família, aterrorizada por um rico boiadeiro e seu atirador de aluguel (Jack Palance).
 
Saiba +
ALGUNS DOS MELHORES FILMES DE FAR WEST DE TODOS OS TEMPOS:
Matar ou Morrer(1952) - Gary Cooper
Rastros de Ódio (1956) - Gary Cooper
Onde Começa o Inferno (1959) - John Wayne e Dean Martin
O Homem que Matou o Facínora (1962) - John Wayne, James Stwart e Lee Marvin
Por um Punhado de Dólares (1964) - Clint Eastwood
Era uma Vez no Oeste (1968) - Charles Bronson e Jason Roberts
Butch Cassidy & Sundance Kid (1969) - Paul Newman e Robert Redford
Bravura Indômita (2010) - Jeff Bridges

FONTES
GARRET, Pat. Billy The Kid - A história de um bandido. L&PM Pocket.
HILL, Peter J.; ANDERSON, Terry L. The Not So Wild, Wild West: Property Rights on the Frontier. Stanford University Press, 2004.
Site: www.deadwood.com/splash.cfm
Revista Leituras da História

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Martin Luther King e o violento protesto que nunca aconteceu



Martin Luther King Jr. recebe o Nobel da Paz das mãos de Gunther Janh, do comitê do prêmio, em Oslo, Noruega, em 10 de dezembro de 1964

Martin Luther King e o líder negro Malcom X aguardam coletiva de imprensa em março de 1964


Martin Luther King Jr. durante seu famoso discurso "I Have a Dream", feito para 250 mil pessoas em Washington, no dia 28 de agosto de 1963

Martin Luther King Jr. com sua mulher, Coretta Scot King, e seus três filhos, Martin Luther King III (de pé), 5 anos, Dexter, 2, e Yolanda, 7, em março de 1963

O reverendo Martin Luther King Jr. posa ao lado do líder negro Malcolm X, em 1963

O líder Martin Luther King Jr. é recebido por sua mulher, Coretta, após deixar a corte de Montgomery, Alabama (EUA), em março de 1956

O líder Martin Luther King Jr. é recebido por sua mulher, Coretta, após deixar a corte de Montgomery, Alabama (EUA), em março de 1956

BBC BRASIL 

A história nos lembra do discurso, da multidão e do protesto pacífico. Mas nos bastidores, a famosa manifestação liderada pelo reverendo Martin Luther King Jr. em Washington, em 1963, provocou suspeitas, ansiedade e receio na Casa Branca de que o dia terminasse em violência. 

Em todo o país, uma onda de protestos havia se espalhado após semanas de disputas raciais em Birmingham, no Estado do Alabama, onde cães policiais feriram manifestantes e potentes jatos de água foram usados em crianças. 

Entre maio e o fim de agosto de 1963, houve 1.340 manifestações em mais de 200 cidades. Algumas aconteceram em comunidades por muito tempo divididas por questões raciais. Outras nunca haviam tido episódios de violência. 

A aleatoriedade dos tumultos fez com que fossem ainda mais assustadores para as autoridades. Com 200 mil manifestantes prestes a se reunir na capital dos Estados Unidos, o governo tinha medo de que Washington testemunhasse o mesmo caos e desordem. 

Para o reverendo Martin Luther King Jr., o líder não-declarado do movimento pelos direitos civis, os acontecimentos do início do verão americano haviam transformado a luta pela igualdade racial do que ele chamava de "protesto negro" em uma "revolução negra". Os Estados Unidos, segundo ele, tinham chegado a um "ponto de explosão". 

Mas as vozes da ansiedade também se fizeram ouvir dentro da administração Kennedy. 

"Assuntos que não se resolvam com justiça e equilíbrio, cedo ou tarde serão resolvidos pela força e pela violência", alertou o vice-presidente Lyndon Baines Johnson. O único conselheiro negro do presidente, Louis Martin, também alertou para uma possível confusão iminente. 

"O ritmo acelerado da inquietação dos negros", disse ele a Kennedy, em particular, "pode provocar o estado mais crítico das relações raciais desde a Guerra Civil". Durante uma reunião tensa na Casa Branca em maio, o procurador-geral Robert Kennedy também alertou seu irmão mais velho do risco de que a situação saísse do controle. 

"Os negros agora estão hostis e furiosos e eles ficarão furiosos com tudo. Não dá para conversar com eles", disse. 

"Meus amigos dizem que (até) as empregadas domésticas e funcionários negros estão hostis." 

Durante boa parte de seu governo, John F. Kennedy enxergou os direitos civis mais como um assunto político a ser administrado do que como uma questão moral a defender. 

Pender para a última alternativa era arriscar a fragmentação do partido Democrata, que na época era um amálgama conturbado de liberais do norte, segregacionistas do sul e pragmáticos, como o presidente, que tentavam manejar as diferenças. 

Kennedy, famoso por sua postura de distanciamento, tampouco tinha um compromisso emocional forte com a luta pela liberdade. Durante a maior parte do tempo, ele havia sido um observador da grande revolução social de sua época. 

No verão de 1963, no entanto, ele percebeu que seu governo poderia vir a ser definido por sua resposta à crise racial. A inação não era mais uma opção. Como ele mesmo comentou durante um discurso televisivo em junho, as "chamas da frustração e da discórdia estão queimando em todas as cidades, ao norte e ao sul". 

CONTROLE 

Para tirar os manifestantes das ruas, Kennedy havia finalmente apresentado um esperado projeto de lei que começaria a desfazer a segregação --sistema de apartheid racial que prevalecia na maior parte do sul dos Estados Unidos. 

Mas mesmo depois do pronunciamento à nação, e dado o aval da Casa Branca para a luta dos negros, os protestos e a violência continuaram. A possibilidade de uma enorme manifestação em Washington, portanto, provocava medo. 

Quando o governo descobriu, em meados de junho, sobre os planos para a manifestação em Washington, sua primeira resposta foi pressionar líderes negros pedindo o cancelamento. 

Em uma reunião na Casa Branca, Kennedy disse a Luther King e a outros líderes dos movimentos de direitos civis que não queria "um grande show no Capitólio" porque isso complicaria os esforços para transformar o projeto de direitos civis em lei. Quando as tentativas de persuasão falharam, o governo decidiu brigar pelo controle da manifestação. 

Nesse momento, o presidente foi surpreendentemente determinado. "É provável que eles venham aqui e defequem no Monumento (de Washington) inteiro", disse Kennedy a assessores. "Tenho um projeto de lei sobre direitos civis para passar e vamos fazê-lo." 

Para impedir que a manifestação se transformasse em um enorme tumulto, Kennedy ordenou uma mobilização do aparato de segurança do governo federal sem precedentes fora de períodos de guerra. 

Para começar, o FBI (a polícia federal americana) aumentou sua já vasta operação de vigilância ao movimento dos direitos civis, que incluía escutas dos telefonemas de Luther King. 

O órgão instruiu cada um de seus agentes no país a fornecer informações de inteligência sobre a quantidade de ativistas negros que planejavam ir até Washington e se eles tinham alguma ligação com organizações comunistas. 

Outro receio era o de que ativistas negros, que haviam rejeitado as táticas não-violentas de grupos de direitos civis mais moderados, tomassem conta da manifestação. Cerca de 150 agentes do FBI foram destacados para se misturarem à multidão, trabalhando em conjunto com agentes do serviço secreto. 

Outros ficavam em pontos de observação dos telhados do Lincoln Memorial, da Union Station (principal estação ferroviária) e do Departamento do Comércio, com vista para o Passeio Nacional --espaço a céu aberto que fica entre o Capitólio e o Monumento de Washington. 

Na sede do FBI, que o então diretor J. Edgar Hoover temia ser atacada por manifestantes, a segurança também aumentou. Funcionários foram instruídos a sentar longe das janelas. 

Semanas antes da manifestação, a perspectiva de violência também preocupou o departamento de polícia de Washington, que ficou em seu mais alto estado de alerta. O órgão preparou 72 possíveis cenários de desastre e uma resposta para cada um deles. 

O fato de que três lados do Lincoln Memorial eram próximos da água facilitava a situação para a polícia. Mas cada esquina de Washington também foi protegida. Na colina do Capitólio, uma fila de policiais, distantes 1,5 metro uns dos outros, rodeava o Congresso. 

Um policial ou um membro da guarda nacional estaria posicionado em cada canto do centro financeiro para garantir a segurança em caso de saques. Para reforçar a presença da polícia, centenas de oficiais extras foram trazidos de forças de áreas vizinhas, e foram especialmente treinados para lidar com os protestos. 

Apesar da grande mobilização, cães de guarda permaneceram em seus canis. Várias imagens dos protestos de Birmingham em maio, nas quais fotógrafos de jovens manifestantes foram mostrados sendo atacados por cães agressivos, chocaram tanto os americanos brancos, que a presença dos animais poderia facilmente incitar uma má reação da multidão. 

Por causa das muitas prisões esperadas para o dia, um time de juízes locais foi mantido nas salas das cortes da cidade. Na prisão do distrito de Columbia, 350 detentos foram retirados para criar espaço para os possíveis manifestantes presos. 

Cirurgias que estavam agendadas na região metropolitana de Washington foram canceladas para que 350 leitos pudessem ficassem disponíveis para emergências durante os manifestos. O hospital geral da capital chegou ao ponto de decretar um "plano nacional de desastres". 

APARATO MILITAR 

A vida em Washington foi completamente interrompida com a possibilidade de protestos. Repartições públicas fecharam e funcionários federais foram recomendados a ficar em casa. 

Também foi decretada uma "lei seca", não permitindo a venda de bebidas alcoólicas pela primeira vez desde do chamada "Prohibition" (Proibição) - decreto do governo americano que proibiu a venda de álcool entre os anos de 1919 a 1933, em um movimento para garantir a "saúde pública e moral" da população. 

O receio de uma marcha possivelmente violenta também preocupava seus próprios organizadores. O movimento era liderado pelo carismático Bayard Rustin, que decidiu atuar bem de perto da organização para garantir que ele fosse um movimento pacífico. 

Os organizadores concordaram em antecipar o horário de início da marcha para que os manifestantes não ficassem nas ruas depois de escurecer. Ainda mais difícil foi a decisão de mudar o local da concentração da marcha. 

O plano original para o protesto em massa nas escadarias do Congresso americano foi engavetado. Em vez disso, eles escolheram o Lincoln Memorial, uma área mais fácil de organizar as pessoas com menos tensão política. 

Mesmo depois de quatro semanas de planejamento meticuloso, os oficiais da administração de Washington não puderam descartar o risco de violência. Assim, no dia da marcha, no distrito de Columbia, o presidente ordenou que fosse estabelecido um centro de operações militares - o maior da história dos EUA em tempos de paz. 

Logo no início da manhã do dia 28 de agosto, cinco bases militares montadas em áreas afastadas do centro da cidade já estavam com grande atividade, com veículos pesados de guerra e 4.000 soldados organizados na operação batizada de "Inside", pronta para atuar. 

Para os fortes de Myer, Belvoir, Meade, além da base marinha de Quantico e da estação naval de Anascotia, foram trazidos 30 helicópteros com rápida capacidade de decolagem. No forte Bragg, na Carolina do Norte, 15 mil homens da força especial denominada STRICOM foram posicionados em sobreaviso, prontos para serem levadas à área dos confrontos pelo ar. 

Se a violência se disseminasse, a rapidez com que as tropas chegassem a Washington seria essencial. Todas as proclamações presidenciais, ordens executivas e cartas de instrução militar foram preparadas antecipadamente. 

Se os protestos começassem, a Casa Branca emitiria uma proclamação presidencial exigindo que os manifestantes se dispersassem imediatamente. 

Se a violência persistisse, o presidente assinaria uma ordem executiva autorizando o Pentágono (o departamento de segurança nacional dos EUA) a tomar "todas as medidas necessárias" para dispersar a multidão. Um memorando confidencial, demonstrava bem isso: "(A) intenção de utilizar a mínima força não deve prejudicar o fim da missão". 

Em resposta ao possível deterioramento da situação, tropas utilizariam primeiramente rifles não carregados como forma de intimidação, com baionetas acopladas (parte cortante fixada às armas). 

Se isso falhasse, gás lacrimogênio poderia ser utilizados, assim como rifles carregados com munição. A missão ganhou o nome de Operação Washington. Tão pesado era o arsenal militar, que um repórter observou à época que "a cidade foi transformada da capital da nação em tempo de paz para uma nação em guerra". 

28 DE AGOSTO 

Em toda a manhã do dia 28 de agosto, enquanto manifestos ganhavam forma do lado de fora de sua janela, o Presidente Kennedy permanecia seguro dentro da Casa Branca liderando uma reunião com estrategistas em política internacional para discutir a guerra do Vietnã. 

Antecipadamente à marcha, ele tinha resistido às exigências de Martin Luther King e demais líderes das chamadas "Big Six" (grandes seis) organizações de direito civil de recebê-los em audiência naquela manhã, já que ele não gostaria de ser identificado como um líder muito próximo das manifestações que poderiam se tornar violentas. 

Seus conselheiros também estavam preocupados com a possibilidade de que os líderes negros chegassem à Casa Branca com uma lista de requisições nada razoáveis, impossíveis para o presidente realizar. 

Se eles deixassem o salão oval da casa presidencial sem um acordo, toda a demonstração nas ruas poderia mudar drasticamente. Para desapontamento dos organizadores da marcha, Kennedy decidiu ser contra a iniciativa de enviar aos manifestantes uma mensagem presidencial, temendo que isso poderia provocar manifestações contra ele no "Mall" --área pública que circunda a Casa Branca. 

Em vez disso, ele concordou em receber uma delegação de líderes negros na Casa Branca somente depois que a marcha terminasse, com a esperança de que isso abrandasse a retórica contra ele. 

Como precaução extra contra pronunciamentos inflamados - e também para prevenir os subversivos de tomar o controle do sistema de anúncio presidencial - um oficial da administração foi posicionado do lado direito do Lincoln Memorial com um interruptor para desligar o equipamento de som e também com uma vitrola de tocar discos. 

Se os manifestantes conseguissem tomar o palanque do microfone, o som seria cortado e a música "Ele tem o mundo todo em suas mãos", cantada por Mahalia Jackson, seria tocada no lugar. 

DISCURSO HISTÓRICO 

Às 13h40, a asa oeste da Casa Branca acomodava uma pequena televisão no salão oval por meio da qual Kennedy começou a assistir King pouco antes de ele começar a falar. 

De pé e posicionado bem no meio da escadaria do mais magnificente púlpito que a América poderia oferecer, o orador pairou o olhar sobre o imenso "mar" de 200 mil manifestantes que se aglomeravam nos dois lados do espalho d'água até além dos limites do Mall, chegando ao Monumento Washington. 

Milhares também formavam uma multidão nas áreas laterais do gramado, enquanto outros se mantinham na água da piscina com água até os joelhos para amenizar o calor. Outros ainda cantarolavam amontoados nas árvores expostas à brisa de fim de tarde. Eles não estavam apenas cantando, mas rezando, se abraçando, dando risadas e aplaudindo. 

Com a imponente estátua de Abraham Lincoln pairando sobre ele, King então começou a falar para os manifestantes que sua presença à sombra simbólica do "grande emancipador" oferecia uma prova maravilhosa de que uma nova ordem estava se espalhando pelo país. 

Por muito tempo, ele reclamou do fato de os americanos negros serem exilados na sua própria terra, "paralisados pelas amarras da segregação e das correntes da discriminação". 

Seria fatal para a nação "não vislumbrar a urgência do momento e subestimar a determinação do negro". Sofrendo com o calor sufocante, a primeira reação dos manifestantes foi o silêncio. O discurso não estava indo bem. 

"Fale para eles sobre o sonho, Martin", gritou Mahalia Jackson, se referindo ao já conhecido artifício de discurso utilizado por King muitas vezes. 

A mensagem não havia entrado no discurso planejado por ele, porque seus assessores insistiram em material novo. Mas King decidiu deixar de lado suas anotações e adentrou espontaneamente no refrão pelo qual ele será lembrado para sempre na história. 

"Eu tenho um sonho de que um dia esta nação levantar-se-á e viverá o verdadeiro significado de sua crença", gritou King com seu braço direito levantado para o céu. Rapidamente, ele já estava ganhando seu ritmo vigoroso pela coro emocionado da multidão. "Sonhe!", gritavam eles. "Sonhe!" 

Com sua voz alcançando toda a extensão do Mall, King imaginou um futuro em que crianças poderiam "viver numa nação onde eles não seriam julgados pela cor de sua pele, mas pelo conteúdo de seu carácter". Foi assim que ele alcançou seu caloroso final. 

King ainda pediu à multidão para sinalizar se estavam ouvindo bem. 

Assistindo na Casa Branca, o presidente Kennedy estava imóvel. Como muitos americanos, esta foi a primeira vez que ele ouvira o discurso de um orador de 34 anos em sua totalidade - pela primeira vez ele avaliou seu método e ouviu sua cadência. 

"Ele é bom", disse Kennedy para um de seus assessores. "Ele é muito bom". Entretanto, o presidente parecia ter se impressionado mais pela qualidade da performance de King do que no poder de sua mensagem. 

Mas a mensagem era vital. King fez um poderoso discurso pela mudança racial de forma não-violenta. E fez isso com tanta eloquência e poder que a mensagem reverberou não apenas no Mall de Washington, mas também na sala de estar dos americanos. 

Dias terríveis e violentos se seguiram. Ainda assim, mesmo com toda a preocupação com a segurança antes do manifesto, 28 de agosto de 1963 foi um dia incrivelmente belo. 

Sem confrontos, a marcha provou-se um alívio para a polícia. Até o cair da tarde, houve apenas três prisões, todas envolvendo brancos. No evento, a única ameaça para a polícia não veio de um manifestante desordeiro, mas do frango distribuído mais cedo naquela manhã, que não havia sido refrigerado adequadamente. 

Pouco depois das 16h, o chefe da polícia emitiu sua mais importante ordem do dia: nenhum dos oficiais deveria, sob qualquer hipótese, tocar no frango que fora preparado para o jantar. 

Aos pés do Lincoln Memorial, Martin Luther King e seus colegas foram colocados em uma caravana de limousines oficiais que bem devagar cruzaram por entre a multidão no trajeto até a a Casa Branca. 

Kennedy então recebeu os líderes negros com cumprimentos e repetiu o sonoro refrão que elevou o movimento de direitos civis a um novo plano espiritual: "Eu tenho um sonho". E assim, ele encaminhou todos ao salão oval.
Folha de S. Paulo

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Descoberta do ouro contribuiu para a formação dos Estados Unidos

Como uma descoberta acidental levou milhares de pessoas à Califórnia e transformou os EUA em um país continental

Carlos Bighetti

A formação dos Estados Unidos, que nasceram da reunião de 13 colônias britânicas banhadas pelo Atlântico, deve muito a dois fatores bem disparatados, que têm em comum uma incrível coincidência: a vitória militar sobre os mexicanos, que se traduziu na forma de novos territórios, e a descoberta de ouro na Califórnia. Na manhã do dia 24 de janeiro de 1848, o carpinteiro James Wilson Marshall e seus funcionários trabalhavam na construção de uma serraria no rancho de John Sutter, na região de Sierra Nevada, no centro da Califórnia. Marshall tinha de desviar um riacho para instalar a serra, movida pela força da água. Quando olhou para o leito lamacento do rio dos Americanos, algo chamou sua atenção: havia uma coisa brilhando ali, à luz do Sol. Era ouro. Naquela manhã, a Califórnia era simplesmente terra de ninguém. Uma semana depois, a guerra travada entre Estados Unidos e México chegaria ao fim - e a Califórnia (mais Arizona, Novo México, Nevada e Utah, no oeste do continente) se transformaria em território americano. O carpinteiro e o dono das terras selaram um pacto para manter segredo sobre a descoberta, que não durou muito tempo. No dia 15 de março, um jornal da cidade portuária de São Francisco, então um vilarejo, revelou a história - que incrivelmente não causou alarde. Na verdade, ouro não era algo desconhecido por ali. "Mexicanos já haviam descoberto ouro no sul da Califórnia mais de dez anos antes", diz o professor de história americana Albert Camarillo, da Universidade Stanford.


Havia nos ermos da região uma daquelas confluências de oportunidade e necessidade que, quando ocorrem, costumam mudar o curso da História. A corrida do ouro transformou-se num rastilho que mexeu com corações e mentes de americanos do leste, a parte civilizada e estável dos EUA (mas a febre também contaminou gente do mundo todo). Era tudo o que o governo americano precisava para confirmar a vocação de país continental e levar pessoas para uma região desértica e pouco habitada, que acabara de ser conquistada aos mexicanos. De certa maneira, a corrida do ouro ajudou a moldar o caráter da nação. Tome-se o exemplo de Samuel Brannan, de São Francisco. Ao saber que havia ouro na Califórnia, montou uma loja para vender bateias (as bacias em que se lava a areia para separar as pepitas de ouro), pás e picaretas. Depois, saiu correndo pelas ruas de São Francisco com uma garrafa supostamente com ouro em pó, aos berros: "Ouro! Ouro! Ouro do rio dos Americanos".

A "campanha" de Brannan antecipou o que hoje chamamos de "marketing viral" - e realmente contaminou a população. O comerciante foi o primeiro exemplo de um tipo de cidadão que se aproveitaria da corrida do ouro sem dar-se ao trabalho de garimpar para ganhar muito dinheiro. Uma bateia que ele havia comprado por 20 centavos de dólar dias antes era vendida por 15 dólares. Em 9 semanas, ele faturou 36 mil dólares (ou 1 milhão de dólares em dinheiro de hoje). Outro empreendedor que se deu bem foi um alfaiate que criou uma calça de tecido grosso com rebites, perfeita para quem encarava o pesado trabalho de mineração. Ele se chamava Jacob Davis e se associou ao imigrante alemão Levi Strauss, que acabou batizando a calça jeans em 1853.

O ouro que brotava na Califórnia era generoso. Nos primeiros meses depois da descoberta, era possível coletar as pepitas diretamente do solo. Bastava agachar e pegar. O metal precioso era encontrado em leitos de rios e em ravinas aos borbotões. O mexicano Antônio Franco Coronel, por exemplo, abandonou o emprego de professor em Los Angeles e em três dias de mineração recolheu 4,2 kg de ouro. "Quem chegou cedo se deu bem", diz Susan Lee Johnson, historiadora da Universidade de Wisconsin.

Em pouco tempo, o rancho de John Sutter foi cercado por milhares de caçadores de fortuna. Barcos que atracavam em São Francisco, a 212 km dali, eram abandonados pelos marinheiros. A própria cidade ficou praticamente vazia. Em agosto de 1848, a notícia chegou a Nova York. Em dezembro, depois de receber um pacote com pepitas, o presidente americano James Polk foi ao Congresso para anunciar o achado. Nos 5 anos que se seguiram à descoberta, 300 mil pessoas do mundo todo correram para a Califórnia e tiraram de suas entranhas 370 toneladas de minério (em dinheiro de hoje, algo como 19,4 bilhões de dólares). Para ter uma ideia da volúpia, os territórios federais americanos costumavam levar décadas para atingir 60 mil habitantes, a cifra populacional para pleitear sua admissão na União como estado. Em 1848, o território federal da Califórnia tinha 14 mil habitantes, com maioria de hispânicos e índios. Apenas dois anos depois, tornou-se estado americano. "A corrida do ouro transformou o perfil dos habitantes da Califórnia", diz o professor Camarillo.

As viagens por terra, as preferidas de quem vinha com a família do leste dos EUA, demoravam meses - não existiam ainda estradas e ferrovias (a distância entre Nova York e São Francisco, 4,1 mil km, é equivalente à do Oiapoque ao Chuí, os pontos extremos do Brasil). Gente que preferia deixar a família e partir sozinho, como o aventureiro Sheldon Shufelt, normalmente ia de navio. Ele embarcou com destino ao Panamá, fez o trajeto por terra - o canal só seria inaugurado no século seguinte - e embarcou em outro barco no Pacífico. A viagem costumava demorar 3 meses. "Deixei aqueles que amo e minha própria vida para trás", escreveu Shufelt em uma carta para seu primo em março de 1850. Ele voltou a Nova York no ano seguinte, apenas para morrer de uma doença tropical que contraiu no Panamá - e sem dinheiro. Shufelt fez parte de uma geração que se tornou conhecida como 49ers (ou forty-niners, hoje o nome do time de futebol americano de São Francisco, em referência a 1849).

As notícias sobre ouro ao alcance da mão ganharam o mundo graças aos marinheiros que aportavam em São Francisco. Logo, chineses, latinos, europeus e até australianos chegaram à região. Os acampamentos dos garimpeiros rapidamente se transformaram em cidades - e muita gente começou a ganhar dinheiro no comércio, com lojas, armazéns e bordéis para atender às necessidades dos que corriam atrás do sonho americano da fortuna rápida. Mas o ouro era um recurso finito.

Numa manobra que usava o medo da anarquia para obter vantagens econômicas, os americanos criaram leis para restringir o acesso de estrangeiros aos veios. "Em 1850, o governo do estado passou a taxar o ouro descoberto por estrangeiros", diz a historiadora Susan Lee Johnson. "Isso limitou o trabalho deles e ajudou a definir que a busca por ouro seria, a partir de então, um privilégio reservado apenas aos cidadãos americanos." O tempo fechou de vez quando milícias de americanos passaram a ameaçar os estrangeiros. O recado era claro: a Califórnia é americana e o ouro pertence aos americanos, de acordo com o professor Camarillo. Como havia muito dinheiro em jogo, os conflitos rapidamente se radicalizaram. "A busca por riqueza foi feia. Desfigurou a natureza, explorou os mexicanos, exterminou tribos indígenas e maltratou chineses", afirma Richard Slotkin, professor de estudos americanos da Universidade Wesleyan.

O avanço sobre a terra foi tão grande e rápido que em 1853 o ouro começou a escassear. Agora só se conseguia extrair o metal com bombas de sucção e esteira mecânica. O tempo do heroísmo individual havia acabado. Para Slotkin, a corrida do ouro "foi uma terrível perda de vidas e empobrecimento de pessoas, em que pouca gente fez fortuna". De fato, James Marshall, que descobriu o ouro, morreu na miséria em 1885. Sutter também não ficou milionário - ele trocou ouro por gado e ovelhas, que acabaram roubadas por garimpeiros, e faliu em 1852. Mas a corrida do ouro deixou seu legado. O dinheiro da mineração impulsionou a região e o afluxo de imigrantes tornou a Califórnia um estado viável. Hoje, o PIB do estado está entre os dez maiores do mundo. O sonho americano continua ali, na forma da indústria do cinema e da informática, que transforma atores e nerds espinhentos em milionários da noite para o dia - tal como ocorreu com alguns dos forty-niners.


O pioneiro

James Marshall tentou a vida como rancheiro na Califórnia, mas perdeu suas ovelhas e a fazenda e passou a trabalhar como carpinteiro. Apesar de ter descoberto o ouro, morreu na miséria.

Cara e coroa

Os EUA cunharam moedas de ouro por causa da abundância do metal. Esta vale para os colecionadores, hoje, cerca de 2 mil dólares

Saiba mais

LIVRO 
The Age of Gold: The California Gold Rush and the New American Dream, H.W. Brands, Anchor, 2003
 Revista Aventuras na História

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Quando o norte era escravagista

Os estados da região criticavam os sulistas por causa do trabalho forçado, mas em 1770 havia mais negros cativos em Nova York do que na Geórgia


(C) AKG/NEWSCOM/GLOW IMAGES
Trabalhadores negros num porto do rio James, Virgínia

 Anne-Claire Fauquez

O que o mercado da Filadélfia, as igrejas protestantes de Newport, as tavernas de Nova York e os armazéns de Boston tinham em comum? Todos eles eram palcos de leilão de escravos negros. Assim era o cotidiano das colônias ao norte da linha Mason-Dixon, um traçado imaginário de 400 km de comprimento, estabelecido antes da proclamação da independência, em 1776, que serviu, até o século XIX, de fronteira oficial entre o norte e o sul dos EUA.

Os presidentes Benjamin Franklin e Thomas Jefferson, heróis da guerra contra os britânicos pela independência, compravam, vendiam e empregavam também mão de obra africana. Os primeiros escravos foram trazidos logo após a criação das colônias. Na Nova Inglaterra, apesar do clima severo e do solo árido, Samuel Maverick tornou-se em 1624 o primeiro proprietário de dois escravos, apenas quatro anos depois da chegada dos primeiros colonos ingleses, os pilgrims. Dois anos mais tarde, a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais trouxe 11 africanos para Nova Amsterdã.

Quando os ingleses tomaram posse dessa colônia e a rebatizaram de Nova York, em 1664, os escravos representavam 20% da população da cidade. Na Pensilvânia, o colono inglês William Penn autorizou em 1684 a vinda de 150 africanos; ele mesmo possuía alguns em sua propriedade de Pennsbury e disse preferir os escravos aos serviçais brancos, pois podia conservá-los pela vida toda. Durante o século XVIII, a população negra continuou a crescer, chegando a atingir 14% em Nova York, 12% em Nova Jersey e 10% em Rhode Island.

As companhias de comércio e os proprietários de colônias incentivaram a importação oferecendo aos novos colonos dezenas de hectares para cada escravo para compensar a escassez de mão de obra. Os índios, a única força de trabalho presente no continente, foram pouco escravizados por dois motivos: porque foram dizimados pelas doenças que os europeus trouxeram para o Novo Mundo; e porque os europeus tinham a preocupação de manter relações pacíficas com as tribos. Apenas os prisioneiros de guerra vindos da Carolina do Sul e Antilhas eram empregados no norte.


COLEÇÃO PARTICULAR
Nas cidades portuárias do Norte, os escravos executavam trabalhos de construção e carga; no campo, eram empregados em pequenas e grandes lavouras

A grande maioria desses escravos não vinha diretamente da África, mas do Caribe. Geralmente eram os mais velhos ou aqueles com problemas de saúde, que não tinham sido vendidos nos mercados caribenhos ou do sul. Apesar de temidos por sua natureza rebelde e obstinada, eram apreciados por dominar o inglês, conhecer as tarefas que deveriam cumprir e ter imunidade às doenças. Nova York se distinguia pela forte presença de angolanos e congoleses – provenientes dos antigos armazéns portugueses nos quais holandeses se abasteciam – e malgaxes (nativos de Madagascar). Essa particularidade pode ser explicada pela estreita relação entre os comerciantes nova-iorquinos e alguns piratas no oceano Índico.

A imagem do escravo, sob o olhar benevolente de seu senhor, dedicando-se apenas às tarefas domésticas e ao artesanato, longe do exaustivo trabalho no campo, já foi desmentida pela história. Escavações em um cemitério africano descoberto em Nova York, em 1991, revelaram nos esqueletos numerosas deformações físicas decorrentes de atividades penosas. Eles certamente foram obrigados a puxar e a levantar objetos grandes e pesados, carregá-los na cabeça e nos ombros, e a dobrar repetidamente o tronco e os joelhos.

Nas cidades portuárias do norte, os escravos eram responsáveis por diversos trabalhos de construção e carga. A célebre Wall Street era originalmente uma simples paliçada de madeira, construída em parte pelos escravos para proteger a cidade dos ataques indígenas e ingleses. Muitos dos que trabalhavam para os artesãos, açougueiros, padeiros, sapateiros, ferreiros, e carpinteiros tiveram de se adaptar mais rapidamente a fim de dominar a língua e o ofício do senhor.

No campo, os escravos trabalhavam em uma agricultura de subsistência temporária, mais diversificada que a do sul, em pequenas fazendas onde raramente havia mais de cinco cativos. Porém, ao norte da cidade de Nova York, ao longo do rio Hudson, em Long Island, e no condado de Narragansett, ao sul de Rhode Island, existiam grandes áreas que empregavam, como na Virgínia, por volta de 20 escravos. Madeira, cereais, farinha, biscoitos, leite, frutas, legumes, peixe seco, gado e cavalos serviam ao comércio local e eram exportados para a Europa e o Caribe.


UNIVERSIDADE DE VIRGINIA
Nas Antilhas, toda a terra era usada para cultivo do açúcar e os alimentos eram importados do norte dos EUA

As colônias do norte marcaram assim a entrada no comércio triangular e participaram das trocas transatlânticas e intercoloniais. Nas Antilhas, onde toda a terra era usada para o cultivo do “ouro branco”, o açúcar, não havia espaço para plantar alimentos, que deviam ser importados do norte. O açúcar e seus derivados, como o melaço, eram enviados às refinarias na Nova Inglaterra para a produção de rum, bebida usada como moeda de troca na aquisição de novos escravos na África. A partir de 1644, ano da primeira viagem entre Boston e as Antilhas, essas transações continuaram a crescer, fazendo de Newport, Perth Amboy e Nova York os portos e mercados negreiros mais importantes das colônias americanas.

Às vésperas da proclamação da independência, dois terços dos navios americanos envolvidos no tráfico partiam de Rhode Island e 80% das exportações da Nova Inglaterra seguiam para as Antilhas britânicas. Durante a Guerra da Independência, quando os navios não puderam ser enviados para as ilhas, cerca de 15 mil escravos morreram na Jamaica, entre 1780 e 1787. O comércio era muito rentável para os habitantes da região, de mercadores, investidores, seguradores, armadores e capitães até marinheiros, para não falar de muitas profissões indiretamente dependentes desse comércio, como os fabricantes de cordas, ferreiros, carpinteiros e veleiros. As destilarias multiplicaram-se. Havia 12 em Nova York e 22 em Newport. A imprensa também se beneficiou, publicando anúncios de escravos para alugar ou de fugitivos.

A maior parte das elites do norte foi forjada na sua relação com o tráfico. Ezra Stiles, presidente da Universidade de Yale entre 1778 e 1795, era proprietário de escravos; seis prefeitos da Filadélfia eram comerciantes de escravos. Muitos fazendeiros ingleses partiram de Barbados para se estabelecer na colônia de Nova Iorque: Nathaniel e Grissel Sylvester se instalaram em Shelter Island, na ponta leste de Long Island, onde fundaram a fazenda Sylvester Manor; Lewis Morris, por sua vez, adquiriu terras em Nova Jersey e ao norte da cidade de Nova York, às quais deu o nome de Morrisania, hoje um bairro. Quando morreu, em 1691, ele deixou 66 escravos.

Essas colônias eram totalmente marcadas pela escravidão. Do desenvolvimento econômico à estrutura social, passando pela mentalidade dos colonos, que conviviam com essa realidade. Ao contrário das grandes plantações da Carolina do Sul, poucos proprietários na cidade tinham recursos para hospedar sua mão de obra em um alojamento separado. Os escravos eram obrigados a dormir na cozinha, no sótão ou no porão. Privados de intimidade, ficavam sujeitos às vontades de seus donos, que podiam vendê-los a qualquer momento, por falta de trabalho, para aproveitar a oportunidade de uma transação financeira ou para sanar uma dívida.


Reprodução
Anúncios de escravos para alugar ou de fugitivos eram comuns na impresa. Este oferece recompensa pela captura ou perdão ao escravo se ele retornar por vontade própria

À medida que a população negra crescia, as autoridades elaboraram leis para contê-la. A primeira colônia americana a reconhecer legalmente a escravidão foi Massachusetts, em 1641. Seguiram-se muitos regulamentos tendo como objetivo controlar essa população e evitar conspirações e rebeliões. Limitou-se a liberdade de circulação, os escravos foram proibidos de portar armas, eram forçados a carregar um passe quando se afastavam da casa, e a respeitar o toque de recolher. Já os habitantes da cidade foram desencorajados de comercializar bens com eles. Em 1706, o destino dos escravos nova-iorquinos foi selado quando foi decretado que o batismo não podia mudar sua condição de servo, tornando-a assim hereditária, através da mãe. Em caso de infração, as punições iam do açoitamento em praça pública a várias formas de tortura, como o pelourinho, as marcas a ferro quente, mutilação, desmembramento ou venda para o Caribe. Em 2 fevereiro de 1697, um negro condenado por assassinato foi encontrado morto na cela. A cidade decidiu, mesmo assim, infligir a punição ao cadáver. Para que essas leis funcionassem, as autoridades tentavam ganhar o apoio da população condenando brancos e negros livres que entretivessem os escravos (pois isso os incentivaria a mendigar), que os ajudassem a escapar ou lhes oferecessem hospedagem. Mas a implementação dessas leis repressivas e punitivas não foi suficiente para sufocar os impulsos de revolta por parte dos escravos.

Em 1657, um grupo de negros ajudou índios a atear fogo em um edifício em Connecticut; em 1708, no condado de Queens, um escravo índio chamado Sam assassinou a machadadas, com o auxílio de uma mulher negra, a família de seu senhor, William Hallett Jr.; em 7 de abril de 1712, 23 africanos e índios se reuniram para atear fogo a um alpendre e atrair para a armadilha os habitantes que tentavam apagá-lo. Armados com pistolas, facas e machados, eles mataram nove brancos e feriram sete. Cientes do perigo que representavam os escravos, os habitantes de Nova York sucumbiram, em 1741, à paranoia e à histeria, quando passaram a suspeitar, a partir de rumores, que uma conspiração se tramava. O caso terminou com a execução e a deportação de centenas de indivíduos. Dois anos mais tarde, Nova Jersey enfrentou a mesma crise e prendeu 30 suspeitos.

Tribunais foram especialmente criados para julgar os crimes dos escravos. As leis foram reforçadas, dirigidas por sua vez aos negros livres, cujo acesso à propriedade privada foi proibido. As sanções contra eles se tornaram mais pesadas, ameaçava-se escravizá-los novamente, por exemplo, em caso de casamento ou relação sexual com brancos. Vistos como encargos para a sociedade, que temia sua influência, suas condições de emancipação foram restringidas, exigia-se que os senhores pagassem uma caução de 200 libras esterlinas para que a cidade se encarregasse deles, o que poucos proprietários podiam pagar.

O processo de emancipação foi lento e tortuoso, pois os ideais abolicionistas atacavam a forma já instaurada de coexistência entre as duas raças. O estado de Vermont foi o primeiro a abolir a escravidão, em sua constituição de 1777, seguido por Massachusetts e New Hampshire, em 1783. Nos estados do sul da Nova Inglaterra e do centro, o processo foi gradual. Na Pensilvânia, em 1780, depois em Connecticut e Rhode Island, em 1784, a lei libertou os escravos nascidos antes dessas datas; quanto aos que nasceram depois, eles só podiam ser alforriados ao atingir uma determinada idade (24 anos para os homens e 21 para as mulheres, na Pensilvânia). Os dois últimos a legislar em favor da emancipação foram os estados de Nova York, em 1799, e Nova Jersey, em 1804, que só libertaram, e aos poucos, os escravos nascidos após a lei. No primeiro, foi preciso esperar até 1817 para que uma segunda lei alforriasse, a partir de 1827, os escravos nascidos antes de 4 de julho de 1779. Esse truque legislativo possibilitou que os senhores obtivessem uma compensação pela perda de sua propriedade. Ou até mesmo a conservassem, como mostra o caso de Caesar, um escravo da família Nicoll-Sill, de Bethlehem, no condado de Albany. Nascido em 1737, ele morreu em 1852 com a idade de 115 anos, sem saber da existência da lei de 1817 e, assim, serviu seu senhor por seis gerações.


VERMONT HISTORICAL SOCIETY
Primeira página da Constituição de Vermont, 1777: o estado foi o primeiro a decretar o fim da escravidão

Em 1810 havia ainda 27 mil escravos nos estados livres, principalmente em Nova York, Nova Jersey e Pensilvânia. Se, por um lado, as cidades assistiram ao aumento da população negra livre, a escravidão permaneceu firmemente enraizada no campo. Houve também uma mudança nas tarefas atribuídas aos negros, que perderam o controle do trabalho qualificado e foram relegados a tarefas domésticas ou não qualificadas.

Apesar de no norte a segregação não ser explicitamente codificada – no sul havia as com as chamadas Jim Crow laws, série de decretos e regulamentos promulgados no final do século XIX – lá os negros livres sofreram segregação de fato antes da Guerra de Secessão. Em A democracia na América, Alexis de Tocque-ville disse que “o preconceito racial (lhe) parece mais forte nos estados que aboliram a escravidão do que naqueles onde a escravidão ainda existe, e em nenhum lugar ele se mostra tão intolerante quanto naqueles estados onde a escravidão foi sempre desconhecida”. De fato, casamentos mistos eram desencorajados, os negros eram dissuadidos de votar ou de participar do júri em julgamentos, enquanto o desenvolvimento de escolas e igrejas segregadas era incentivado.

Essa população recém-emancipada incomodava porque usurpava o trabalho dos brancos, chegando a provocar revoltas raciais, como em 1834, na Filadélfia. Por fim, viu-se também o nascimento dos primeiros trabalhos científicos sobre a inferioridade dos negros – os de Samuel G. Morton, por exemplo, alegando uma correlação entre a capacidade intelectual de uma raça e o tamanho do crânio.

Os lados separados pela Guerra Civil foram também cúmplices, pois a mesma escravidão que permitiu ao sul tornar-se o rei do algodão ajudou o norte a crescer e a prosperar.
Revista História Viva

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Como surgiu o nome Estados Unidos da América?



Renata Costa
O país que hoje conhecemos como Estados Unidos da América era formado por treze colônias governadas por colonizadores ingleses. Após a independência, em 4 de julho de 1776, elas passaram de colônias para estados. A oficialização do nome Estados Unidos (United States) aconteceu em 9 de setembro desse mesmo ano, por determinação do Congresso Continental, órgão legislador na época.
Cada uma das treze colônias - Massachusetts, Rhode Island, Connecticut, New Hampshire, Nova Jersey, Nova York, Pensilvânia, Delaware, Virgínia, Maryland, Carolina do Norte, Carolina do Sul e Geórgia - tinha um "governador-geral" inglês nomeado pelo rei da Inglaterra e uma assembléia legislativa. Com a independência, tudo mudou. "As colônias cortaram os laços com a Inglaterra e instalaram uma república. Porém, a economia do novo país, os Estados Unidos, ainda continuou muito ligada a da inglesa", afirma David Fleischer, professor emérito do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB). É interessante ainda observar que a Revolução Americana serviu de inspiração para a Revolução Francesa, em 1789.
A mudança de colônias para estados foi um marco regulatório bastante complicado, segundo o professor Fleischer. "A primeira carta magna - os artigos da Confederação de 1783 - não deu certo como sistema de governo e os estados procuravam algo que fosse a contento de todos, coisa muito difícil", explica o especialista.
Os problemas eram muitos, pois havia estados pequenos e pobres e outros maiores e mais ricos, e era preciso equilibrar a diferença com uma lei que atendesse a todos. "Eles então se inspiraram no pensador francês Charles de Montesquieu e promoveram a separação dos poderes, criando um congresso, porém deixando poderes e autonomia reservados para os estados-membros", diz o professor.
Nem tudo ficou resolvido. O regime escravocrata continuou nos estados do Sul. "Eles queriam incluir os escravos na contagem da população a fim de calcular a representação desses estados em número de deputados na Câmara, mas os Estados do Norte não concordaram", conta Fleischer. Posteriormente, chegaram a um acordo pelo qual cada escravo seria contado como três quintos (60%) de um homem livre para calcular a representação. "Este problema finalmente foi resolvido com a Guerra Civil americana, que terminou em 1865, quando o Congresso proibiu a escravidão", conclui o professor. 
Revista Nova Escola

sábado, 26 de março de 2011

Churchill, o militar e o mito


Leandro Antonio de Almeida
9 de fevereiro de 2011
Nas comemorações, em Londres, dos 60 anos da Segunda Guerra Mundial em 2005, a leitura artística de discursos do primeiro-ministro britânico da época, Winston Churchill, foi uma das movimentadas atrações. A associação de seu nome com a atuação da Grã-Bretanha no conflito é tão latente que até hoje gera uma enxurrada de biografias, com tons que variam entre o enaltecimento pela defesa da ilha e a responsabilização pelas inúmeras mortes de soldados ingleses. Todas configuram fios da trama que tornam Churchill mundialmente um dos mitos políticos e militares do século XX.

Winston Churchill nasceu em 1874, filho de mãe norte-americana e pai da aristocracia inglesa. Randolph Churchill atuou como político na Câmara dos Comuns pelo Partido -Conservador e foi membro de gabinete de governo no reinado da rainha Vitória. Por não corresponder às expectativas do pai nos estudos, em vez de curso universitário, o jovem Winston seguiu carreira militar, passando no exame para cadete na Real Academia Militar em 1893, promovendo-se em 1895 para os 40 Hussardos da Rainha, um renomado regimento de cavalaria.

Tanto Randolph quanto Winston participaram do expansionismo britânico pelo mundo, quando o “império onde o sol nunca se punha” atingiu sua maior extensão. No gabinete, Randolph viu a Grã-Bretanha reforçar seu poder em todos os continentes, como a anexação da Birmânia, em 1885, e a ocupação de territórios africanos, do Egito à África do Sul. Já o jovem Winston Churchill participou de campanha contra tribos afegãs em 1897, da expedição para reconquista do Sudão em 1898 e, no ano seguinte, foi preso no conflito entre os ingleses e os bôeres holandeses na África do Sul. A presença nesses episódios reforçou nele um sentimento difundido em fins do século XIX e início do XX, que pregava um papel civilizatório para as nações europeias, via conquista militar ou predomínio econômico sobre o globo. Winston Churchill foi um ferrenho defensor do imperialismo e do colonialismo britânico, até mesmo quando essa postura já soava inconveniente, a exemplo da questão sobre a autonomia da Índia nos anos 1930, atacando abertamente Mahatma Gandhi no movimento que tornaria o líder hindu outro mito mundial do século XX, símbolo da não violência.

A fuga da prisão na África do Sul, o esconderijo por dois dias no poço de uma mina, o transporte de trem para Moçambique no meio de fardos de lã, e o retorno para a atuação no Exército britânico, descrita por meio de reportagens, valeram a Churchill prestígio para impulsionar sua eleição ao Parlamento em 1900. A partir daí iniciou uma carreira política de altos e baixos, com discursos memoráveis, opiniões controversas, mudanças de partido, impetuosidade nas ações em gabinetes de governo que lhe valiam prestígio ou períodos de isolamento. A carreira política de Churchill não o afastou das relações com os militares. Em 1905 ocupou seu primeiro cargo como vice-ministro para as Colônias, e em 1911 foi nomeado primeiro lorde do Almirantado (ministro da Marinha), participou da organização de tropas britânicas na Primeira Guerra Mundial e foi nomeado ministro das Colônias em 1921. Seus contatos no governo e nas Forças Armadas o mantinham bem informado das questões militares no mundo. Churchill alertou para o que se passava com a Alemanha nazista e advogou pelo rearmamento do país, na contramão dos cortes de gastos militares para investimentos sociais pelo gabinete dos anos 1930, em meio à crise econômica mundial e dolorosas lembranças das mortes do conflito entre 1914 e 1918.

Quando Hitler alcançou o poder pelo Partido Nazista em 1933, iniciou uma política belicista. A Alemanha tinha sofrido pesadas sanções com a derrota na Primeira Guerra, pois o Tratado de Versalhes a responsabilizava pelos prejuízos: pagou altas somas de dinheiro aos vitoriosos Inglaterra e França, perdeu territórios e foi desarmada. Hitler ignorou Versalhes, passou a rearmar o país e a expandir o território alemão. Ocupou a Renânia em 1936, anexou a Áustria em 1938, invadiu a Tchecoslováquia em março de 1939 e, após firmar acordo de não agressão com a URSS de Stalin, invadiu a Polônia em setembro. Como a Polônia era aliada da Inglaterra, esta declarou guerra ao Reich, deflagrando o conflito na Europa.

A construção do mito Churchill, o estadista visionário e determinado, aconteceu nesse contexto. Suas severas críticas aos “apaziguadores” reverteram a seu favor com a deflagração da guerra, valendo o retorno ao cargo de lorde do Almirantado em setembro de 1939 e sua nomeação para primeiro-ministro em maio de 1940. Dois meses depois teve de lidar com os momentos mais difíceis para a Inglaterra. As forças nazistas invadiram e ocuparam o norte do território francês, voltando-se para a ilha. Atacaram bases na costa e, não obtendo resultado, durante cinco meses bombardearam cidades, começando pela capital, Londres. Churchill manteve sua posição de resistir ao ataque alemão, apelando ao patriotismo e à luta em inflamados discursos: “Hitler sabe que ou nos dobra nesta ilha ou perde a guerra. Se pudermos resistir, a Europa poderá ser livre e o destino do mundo voltar-se para um futuro mais promissor iluminado ao sol. Mas, se falharmos, o mundo inteiro (…) mergulhará no abismo de uma nova Idade das Trevas”.

Para a opinião pública, o primeiro-ministro passou a simbolizar a resistência e a luta pela liberdade. Quando, em maio de 1941, Hitler trocou a frente ocidental pela opção de invadir a URSS, deixando de atacar a Inglaterra, seu prestígio estava consolidado, aumentando com a virada na guerra. Churchill procurou convencer o presidente Roosevelt da magnitude do conflito e, contendo seu empedernido anticomunismo, contatou Stalin. Os arranjos formalizaram, na Conferência de Teerã, em 1943, a coalizão entre URSS, Estados Unidos e Grã-Bretanha contra a Alemanha.

No final da Segunda Guerra Mundial, Churchill era uma personalidade de prestígio mundial, bem mais rico em razão do sucesso de seus livros, que lhe valeram o Nobel de Literatura em 1953. Mas, ao contrário do que imaginava, seu partido saiu derrotado das eleições de 1945, motivo pelo qual renunciou ao cargo de primeiro-ministro. Na esfera internacional, percebeu a emergência de uma ordem mundial na qual a Grã-Bretanha perdera o papel de principal potência, disputado agora por EUA e URSS na Guerra Fria. Responsável por difundir a imagem da Cortina de Ferro, reuniu esforços para a formação de uma união europeia. Antes de morrer e ser enterrado com honrarias de chefe de Estado, em 1965, ainda viu o Império se desfazer com a independência política das colônias.

Churchill era consciente do seu papel nos eventos da Segunda Guerra, como também na sua interpretação, ao ponto de ironicamente declarar que “a História será gentil comigo porque eu irei escrevê-la”. Não só escreveu suas Memórias da Segunda Guerra Mundial como seus documentos e discursos foram reunidos no Museu Churchill, em parte disponíveis em www.winstonchurchill.org. A parte mais pitoresca dessa churchilliana on-line apresenta e procura refutar “mitos” pessoais e históricos em torno do líder, como sua compulsão pela bebida ou, ao direcionar suprimentos para zonas de guerra, ter causado na fome de Bengala a morte de milhões de pessoas entre 1943 e 1945. Mas esse esforço não impede apropriações funestas. Em 2003, o chefe do Pentágono, ao planejar a “guerra defensiva” contra o Iraque, comparou Churchill ao presidente dos Estados Unidos. George W. Bush deve ter ficado lisonjeado, pois possuía um busto do estadista britânico em sua escrivaninha.

Leandro Antonio de Almeida é doutorando em História e professor da UFRB

Revista Carta na Escola