Robert Ponge
CAUSAS DA COMUNA
Os historiadores mais rígida e fielmente a serviço da burguesia sempre contam com duas inevitáveis explicações para a ocorrência de movimentos revolucionários: são fruto de um complô, de uma conspiração secreta, ou senão, do extremismo, forma de loucura que pode até se tornar coletiva. A Comuna não escapou deste tipo de compreensão, principalmente (embora não apenas) no próprio ano em que aconteceu e naqueles que o seguiram. Assim, em uma entrevista realizada com Karl Marx, em 3 de julho de 1871, um dos temas ao qual volta insistente e sintomaticamente o entrevistador é o do papel pretensamente conspirativo atribuído, pelos jornais e governos, à Internacional nos acontecimentos parisienses.15 Em outro exemplo revelador das opiniões vigentes naquela época, o escritor Émile Zola, no final de seu La débâcle, caracteriza a Comuna como a "parte louca" da França, em contraposição ao campesinato, sua "parte sã ... sensata, ponderada ...".
Mas, o que provocou mesmo o movimento de 1870-1?
As causas imediatas da Revolução de 4 de Setembro de 1870 encontram-se na crise do II Império. As causas da Revolução de 28 de março de 1871 encontram-se na política capitulacionista, anti-republicana e antipopular do Governo de Defesa Nacional e, depois deste, do governo de Thiers. Tudo que antecede o fato mostra-o e comprova-o.
Isto não pode levar a negar que, por outro lado, e ao mesmo tempo, a Comuna finca raízes na Revolução Francesa de 1789. Não realmente por causa da persistência dos chamados "jacobinos" de 1870-1 em reutilizar a terminologia ("Comitê de Salvação Pública", etc.) de 1792-93 e em querer copiar, reviver a "Grande Revolução". Mas porque, desde a restauração monarquista de 1815, ela é a grande lembrança que mantém viva a esperança na volta da República, ela é o grande exemplo que alimenta a chama da luta pela República — reivindicação central do povo parisiense em 1870-1. Ou seja, a "velha toupeira" de que fala Marx, após vir à tona em 1830 e 1848, aparece novamente à luz do dia em 1870. Pela mesma reivindicação: o enterro definitivo da monarquia e a afirmação, não menos definitiva, da República. Porém, com algumas diferenças essenciais, qualitativas, em relação ao passado. A classe trabalhadora experimentou, em toda Europa, durante os anos 30 e 40, inclusive e particularmente na França, um desenvolvimento intenso, e começou a organizar-se; além disso, Paris conheceu as Jornadas de Junho de 1848 e pôde, na mesma ocasião, conhecer a insensibilidade e a fúria repressoras da burguesia. Outrossim, os desenvolvimentos do capitalismo a partir de 1850 provocam o crescimento da quantidade e densidade da classe trabalhadora, no bojo do qual a vanguarda procura reorganizar-se após as derrotas de 1848. Como já foi mostrado, os anos 60 são o contexto de um crescimento do movimento operário europeu, quantitativo e qualitativo, em particular com os Congressos da AIT (o de fundação em 1864, em Londres, e o segundo, em 1868, em Eisenach) e o desenvolvimento assaz considerável das lutas de classes nos últimos anos do II Império. De tal maneira que a palavra de ordem "República", gritada nas ruas de Paris, tem não somente um sentido antimonarquista, mas ainda o conteúdo de "República social", como fica claro à leitura das diversas declarações, manifestos e apelos, tanto do Comitê Central (CC) das vinte regiões, como do CC da Guarda Nacional ou ainda da própria Comuna.
Embora atendo-nos ao estudo da rebelião parisiense, ao abordar o conteúdo do anseio e da reivindicação pela República, acabamos entrando na questão do significado deste acontecimento, assunto que concentra todos os problemas e ao qual terminam levando todos os debates, mesmo que se detenham apenas neste ou naquele ponto, por exemplo, como vimos, nas causas da Comuna, ou na sua obra, ou na sua caracterização.
Comecemos por nos situarmos a respeito desta última questão.
Revista O Olho da História
CAUSAS DA COMUNA
Os historiadores mais rígida e fielmente a serviço da burguesia sempre contam com duas inevitáveis explicações para a ocorrência de movimentos revolucionários: são fruto de um complô, de uma conspiração secreta, ou senão, do extremismo, forma de loucura que pode até se tornar coletiva. A Comuna não escapou deste tipo de compreensão, principalmente (embora não apenas) no próprio ano em que aconteceu e naqueles que o seguiram. Assim, em uma entrevista realizada com Karl Marx, em 3 de julho de 1871, um dos temas ao qual volta insistente e sintomaticamente o entrevistador é o do papel pretensamente conspirativo atribuído, pelos jornais e governos, à Internacional nos acontecimentos parisienses.15 Em outro exemplo revelador das opiniões vigentes naquela época, o escritor Émile Zola, no final de seu La débâcle, caracteriza a Comuna como a "parte louca" da França, em contraposição ao campesinato, sua "parte sã ... sensata, ponderada ...".
Mas, o que provocou mesmo o movimento de 1870-1?
As causas imediatas da Revolução de 4 de Setembro de 1870 encontram-se na crise do II Império. As causas da Revolução de 28 de março de 1871 encontram-se na política capitulacionista, anti-republicana e antipopular do Governo de Defesa Nacional e, depois deste, do governo de Thiers. Tudo que antecede o fato mostra-o e comprova-o.
Isto não pode levar a negar que, por outro lado, e ao mesmo tempo, a Comuna finca raízes na Revolução Francesa de 1789. Não realmente por causa da persistência dos chamados "jacobinos" de 1870-1 em reutilizar a terminologia ("Comitê de Salvação Pública", etc.) de 1792-93 e em querer copiar, reviver a "Grande Revolução". Mas porque, desde a restauração monarquista de 1815, ela é a grande lembrança que mantém viva a esperança na volta da República, ela é o grande exemplo que alimenta a chama da luta pela República — reivindicação central do povo parisiense em 1870-1. Ou seja, a "velha toupeira" de que fala Marx, após vir à tona em 1830 e 1848, aparece novamente à luz do dia em 1870. Pela mesma reivindicação: o enterro definitivo da monarquia e a afirmação, não menos definitiva, da República. Porém, com algumas diferenças essenciais, qualitativas, em relação ao passado. A classe trabalhadora experimentou, em toda Europa, durante os anos 30 e 40, inclusive e particularmente na França, um desenvolvimento intenso, e começou a organizar-se; além disso, Paris conheceu as Jornadas de Junho de 1848 e pôde, na mesma ocasião, conhecer a insensibilidade e a fúria repressoras da burguesia. Outrossim, os desenvolvimentos do capitalismo a partir de 1850 provocam o crescimento da quantidade e densidade da classe trabalhadora, no bojo do qual a vanguarda procura reorganizar-se após as derrotas de 1848. Como já foi mostrado, os anos 60 são o contexto de um crescimento do movimento operário europeu, quantitativo e qualitativo, em particular com os Congressos da AIT (o de fundação em 1864, em Londres, e o segundo, em 1868, em Eisenach) e o desenvolvimento assaz considerável das lutas de classes nos últimos anos do II Império. De tal maneira que a palavra de ordem "República", gritada nas ruas de Paris, tem não somente um sentido antimonarquista, mas ainda o conteúdo de "República social", como fica claro à leitura das diversas declarações, manifestos e apelos, tanto do Comitê Central (CC) das vinte regiões, como do CC da Guarda Nacional ou ainda da própria Comuna.
Embora atendo-nos ao estudo da rebelião parisiense, ao abordar o conteúdo do anseio e da reivindicação pela República, acabamos entrando na questão do significado deste acontecimento, assunto que concentra todos os problemas e ao qual terminam levando todos os debates, mesmo que se detenham apenas neste ou naquele ponto, por exemplo, como vimos, nas causas da Comuna, ou na sua obra, ou na sua caracterização.
Comecemos por nos situarmos a respeito desta última questão.
Revista O Olho da História
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