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sábado, 23 de abril de 2011

Coisa mais linda...


Em oposição ao melodramático samba-canção, a contida bossa nova reinventou o amor na música brasileira.
Paulo da Costa e Silva

Tente mostrar a um jovem a gravação da música “Sistema Nervoso” no vozeirão de Orlando Correia, sucesso nas rádios em 1953. Ou faça com que ele ouça a rancorosa “Vingança”, clássico de Lupicínio Rodrigues, também dos anos 1950. O resultado não deve variar muito. Os jovens de hoje não se identificam mais com músicas de voz impostada e cheia de vibratos, com letras exageradamente dramáticas, embaladas por plangentes violinos. Não tem jeito: essas canções nos soam “antigas”.

Nada a ver com a idade da composição. Mesmo para os jovens da época, elas já chegavam datadas ao ouvido. Motivo? A recém-nascida bossa nova. Quando ela surgiu, em 1958, quase tudo o que tocava nas rádios se tornou subitamente “velho”. Chico Buarque que o diga: “Eu era um garoto que, como os outros, amava a bossa nova e o Tom Jobim. Não gostava mais das canções desesperadas. Só queria aquela música que era toda enxuta, porque derramada para dentro”.

Terminava o reinado do samba-canção, gênero que dominava, inconteste, o cenário musical brasileiro desde a segunda metade dos anos 1940. Depois de quase uma década de melodrama, os excessos haviam virado norma, o que reduzia seu efeito. Aos poucos, aquele amor sofredor e desesperado, alimentado por sua própria impossibilidade, como o de Romeu e Julieta, era deixado de lado. As dores-de-cotovelo de compositores pioneiros como Herivelto Martins e Lupicínio Rodrigues, assim como as de autores da fase mais sofisticada do gênero, como Antônio Maria e mesmo Dolores Duran, perderiam espaço para o amor solar e positivo de Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Carlos Lyra e companhia.

Leveza e novidade – isso era tudo o que a juventude queria naquele final dos anos 1950. JK leva a capital para Brasília. O Brasil se sagra campeão mundial de futebol na Suécia. Nasce o Cinema Novo. A economia passa por um momento de euforia. As classes médias urbanas experimentam considerável crescimento. Mudam os estilos de vida: no Rio de Janeiro, os velhos bondes, vestígios idílicos da cidade antiga, cedem espaço aos novíssimos automóveis, e em Copacabana os casarões dão lugar a altos prédios de apartamentos. A cidade volta-se para o mar, e a cultura carioca vai com ela. É “a civilização de praia”, como brincava Tom Jobim.

As canções de Tom e Vinicius também falavam de amor, mas trouxeram para o sentimento romântico uma nova inflexão. Impossível imaginar um samba-canção com o suave título de “O Amor, o Sorriso e a Flor”, nome do segundo álbum de João Gilberto. Da mesma forma, seria inconcebível uma bossa nova chamada “Caixa de Ódio” ou “Judiaria” – canções de Lupicínio Rodrigues. As letras se tornam mais leves, freqüentemente marcadas por elementos visuais luminosos, como o “Dia de luz/ Festa do sol” que encontra “O Barquinho” (Roberto Menescal/ Ronaldo Bôscoli) deslizando “no macio azul do mar”.

E a ruptura ia além do conteúdo dos versos. Em suas melodias, a bossa nova também fazia jus ao nome. Ao contrário das canções de Lupicínio Rodrigues, nas quais os sentimentos passionais se expressam em abruptos deslocamentos entre notas graves e agudas e em longas durações vocálicas, a bossa nova prima pela economia de meios. Exemplo extremo desse minimalismo é o “Samba de uma Nota Só”, em que, como o nome adianta, Tom Jobim e Newton Mendonça brincam durante quase toda a música em cima de uma nota-base: o ré.

É fácil perceber as diferenças de melodia nesses gêneros. Experimente cantarolar os primeiros versos de “Nervos de Aço”, sucesso de Lupicínio: “Você sabe o que é ter um amor, meu senhor? Ter loucura por uma mulher?” O canto se desloca de uma nota grave para outra muito mais aguda, e se fixa nela. Agora, faça o mesmo com a frase descritiva que inicia “Corcovado” – “Um cantinho, um violão, este amor, uma canção”. A música de Tom se desenvolve passo a passo, sem grandes variações ou saltos entre as notas. Elas são curtas e próximas.

As grandes oscilações melódicas do samba-canção exigem certo esforço do intérprete. E esse tipo de canto transmite tensão, uma sensação de busca, um sentimento de falta, um desejo de completude – características bastante conhecidas do amor romântico tradicional. São idéias estranhas à contida bossa nova, na qual não cabem arroubos sentimentais. Suas melodias exigem outra forma de cantar, mais branda e intimista, próxima da fala. É a música por excelência dos elevadores e aviões, “não apenas porque é agradável, mas porque expressa perfeitamente uma ascensão sem esforço”, escreveu o musicólogo Lorenzo Mammi.

A harmonia – arranjos e interação entre os instrumentos – também soa renovada. Um acorde, por si só, já comunica um clima, uma sensação. Na obra de Jobim, a harmonia deixa de ser mero apoio à melodia. Elas se tornam complementares. Talvez seja esta a grande descoberta do maestro: uma canção pode ser feita sobre duas ou três notas apenas, sem com isso perder seu impacto emocional.

Nos sambas-canções, a melodia reina soberana, a serviço da letra. As músicas do gênero, também chamado de “samba de fossa”, quase sempre nos contam histórias, em relatos autobiográficos. “Caminhemos”, de Herivelto Martins, é exemplar: “Não, eu não posso lembrar que te amei/ Não, eu preciso esquecer que sofri”. “Exemplo”, de Lupicínio, segue a mesma linha: “Dez anos estás a meu lado/ Dez anos vivemos brigando/ Mas quando eu chego cansado/ Teus braços estão me esperando”.

É claro que a música de Jobim também tem belas melodias. Mas, no lugar da narrativa, há um investimento na sensação. As letras da bossa nova dificilmente narram histórias – preferem descrever situações, atmosferas, paisagens. São como pinturas ou fotografias: “Eu, você, nós dois/ Sozinhos neste bar à meia-luz/ E uma grande lua saiu do mar (...) / O sol já vai caindo / E o seu olhar / Parece acompanhar a cor do mar” (“Fotografia”). A bossa nova rejeita o tom confessional das narrativas românticas, com seus fantasmas do passado e suas grandes profundidades sentimentais. Ao se ater à superfície das imagens, valoriza o instante e nunca retorna ao passado.

Essas opções não eram gratuitas. Entre as décadas de 1950 e 1960, nascia no país uma nova identidade amorosa. Num tempo de revolução comportamental, um novo tipo de mulher – que estuda, trabalha, vota, milita, toma pílula anticoncepcional e pode até se divorciar – ganha feições diabólicas no samba-canção. Ela é sempre a traidora volúvel, pérfida, responsável pelo ocaso masculino. Mais afinada com essas transformações, a bossa de um Vinicius de Moraes trata de redimir a mulher, em clássicos como “Garota de Ipanema”, “A Felicidade” e “Ela é Carioca”.

As melodias de Tom, entre pequenos acidentes e deslizamentos de semitom, celebram a mobilidade e o descompromisso dos afetos. Mesmo os fracassos amorosos são perpassados por uma aura de afetividade. Ressentimentos, ódios e rancores não costumam freqüentar os corações da bossa nova. O rompimento amoroso não redunda em desespero, bebedeiras e suicídios porque traz consigo, junto com a dor, novas possibilidades. A melodia pode, agora, ser re-harmonizada infinitamente: o passado já não tem o mesmo peso. O homem abandonado não precisa perder a cabeça e maldizer a mulher. Afinal, seu amor pode até retornar: “Mas, se ela voltar/ que coisa linda/ que coisa louca”, imagina o hino “Chega de Saudade”.

Mas se não é triste como as fossas de outrora, não se pode negar que a bossa nova carrega certa melancolia. É a expressão contraditória de uma geração dividida entre a saudade do sentimento e a sedução da sensação. Suspensa entre um antigo modo de sociabilidade que ruía e uma nova ordem que se anunciava, mas que ainda não se definira com muita clareza. O amor surge como antídoto para essa insegurança, como uma identidade de resistência – e por isso mesmo jamais pode resvalar para desejos de vingança ou traição. Como prega o título da canção de Tom e Vinicius, a bossa nova deixou “o amor em paz”.

Paulo da Costa e Silva é músico e jornalista, autor da dissertação “Contra os Excessos: Contenção, Equilíbrio e Amor na Bossa Nova” (PUC-Rio, 2008).

Saiba Mais - Bibliografia:

CASTRO, Ruy. Chega de Saudade: A História e as Histórias da Bossa Nova. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

MAMMI, Lorenzo. “João Gilberto e o Projeto Utópico da Bossa Nova”. Novos Estudos (Cebrap), nº 34, nov. 1992.

NAVES, Santuza. Da Bossa Nova à Tropicália. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.

TATIZ, Luiz. O Século da Canção. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004.

Saiba Mais - Filmes:

“Vinicius” (Miguel Faria Júnior, 2005)
“Coisa mais linda: histórias e casos da bossa nova” (Paulo Thiago, 2005)
“Os desafinados” (Walter Lima Jr., 2008) Revista de História da Biblioteca Nacional

Bossa nova, lado B


Na contramão do estilo suave que ganhou o mundo, Maurício e Durval criaram uma fusão quente entre o samba e os improvisos do jazz americano.
Bryan McCann

Há datas que ninguém esquece. 1956: Tom Jobim colabora com Vinicius de Moraes na música e nas letras da peça “Orfeu da Conceição”. 1958: João Gilberto apresenta sua inconfundível batida de violão e sua interpretação intimista em “Chega de Saudade”, composta por Jobim e Vinicius. 1959: a bossa nova ganha o mundo com “Orfeu Negro”, versão cinematográfica da peça de Vinicius. 1962: o sucesso internacional do estilo se consagra no famoso concerto do Carnegie Hall, em Nova York. 1963: João Gilberto se junta ao jazzista americano Stan Getz para lançar o antológico disco “Getz/Gilberto”.

São episódios marcantes, mas que acompanham só uma linhagem da bossa nova. Essa versão suave e sedutora, com harmonias arrojadas e melodias simples e sutis, não era a única bossa da época. Conviviam com ela experiências mais “quentes”, que tentavam combinar ritmos nacionais com os ricos improvisos jazzísticos em alta nos Estados Unidos. Os sopros ganhavam importância, desafiados por harmonias ousadas, sob influência do blues e do bebop; o piano se dedicava às inversões dos acordes e a bateria empurrava tudo irresistivelmente para frente. O nascente estilo chegou a ser conhecido como samba-jazz, e talvez tivesse ficado com esse rótulo se não surgisse a marca bossa nova para aglomerar várias tendências dentro de um mesmo segmento de mercado.

Muita música nova rolava na Copacabana da segunda metade dos anos 1950, e grande parte dela girava em torno de combinações inusitadas entre jazz e samba. O saxofonista americano Booker Pittman fora redescoberto pelo cronista Sérgio Porto depois de anos de esquecimento no Paraná, e dava aulas de jazz-blues do Texas nas boates do bairro carioca. Maestros como Lindolfo Gaya e Lyrio Panicalli revestiam a música popular em versões de sucesso com arranjos densos, salpicados de acordes dissonantes. Chorões como Sebastião de Barros, o K-Ximbinho, faziam um choro jazzístico com um pé no blues alterado de Thelonius Monk. Jovens craques, como o saxofonista Paulo Moura, encaravam o jazz, a música erudita e o choro com a mesma habilidade. Fronteiras nacionais e estilísticas estavam ali para serem quebradas.

Mas entre todas essas tendências, foi por meio das invenções de dois jovens amadores, ainda pouco conhecidos nos inferninhos de Copacabana, que a bossa quente encontrou uma expressão própria e uma base para futuras inovações. Durval Ferreira e Maurício Einhorn costumavam se encontrar na Praça São Salvador, em Laranjeiras, para trocar idéias sobre o que acontecia no mundo do bebop e experimentar as primeiras parcerias. Durval era um violonista da Zona Norte do Rio, entusiasta do jazz e com um jeito diferente de tocar samba. Maurício era um gaitista, filho de judeus poloneses imigrantes, apaixonado por George Gershwin, o grande compositor nova-iorquino que mesclou jazz com música erudita, e Charlie Parker, saxofonista criador de uma linguagem densa e tecnicamente desafiadora de bebop. Maurício já tinha participado das rodas de jazz no bar do Plaza Hotel com o pianista Johnny Alf, mas continuava praticamente desconhecido do público. Com uma memória inigualável para os temas do cinema norte-americano, ele os usava como ingredientes para improvisos extraordinários. Tocando de ouvido, inventava melodias inusitadas e sugeria ao amigo Durval os acordes para acompanhá-lo. Entre uma e outra experimentação, em 1958 nasceu “Sambop”.

Para entender a inovação contida nesta canção, vale compará-la com o hino inaugural da bossa nova oficial, “Chega de Saudade”, composto no mesmo ano. A música de Tom e Vinicius tem 84 compassos, uma introdução formal seguida de duas partes e uma mudança de ré menor para ré maior entre elas. É uma pequena obra camerística, cuja melodia e estrutura devem muito ao choro. Já “Sambop” tem 24 compassos e se desenvolve de maneira bem diferente. A canção começa com um verso melódico de quatro compassos. Essa linha é repetida, e depois passamos para uma segunda parte de oito compassos e voltamos, finalmente, para a primeira frase. É o formato conhecido como AABA, numa estrutura relativamente simples, com raízes no jazz-suingue norte-americano. Essa simplicidade é uma espécie de convite para improvisos, como nas melodias de Charlie Parker (1920-1955), inspiradas em harmonias típicas dos anos 1930.

E o convite é aceito já na primeira gravação da música, na voz de Claudete Soares, no disco “Nova Geração em Ritmo de Samba” (1960). Depois de cantar a letra da música, ela passeia por oito compassos em uma linha vocal scat (sem palavras), com ênfase na síncope rítmica, um recurso pouquíssimo usado na música brasileira da época. Em sua gaita, Maurício improvisa com a fluidez e os deslocamentos de ritmo que virariam suas marcas. Assim como em “Chega de Saudade”, o que chega aos ouvidos é a expressão já madura de um novo estilo. É a bossa quente que vem ao mundo.

No meio do caldeirão de tendências da noite carioca da época, o novo estilo só poderia prosperar por obra do acaso: algum grande nome que o ouvisse e o levasse para palcos maiores. Pois foi isso que aconteceu. E logo com Julian “Cannonball” Adderley, um dos sucessores imediatos de Charlie Parker no sax alto, que combinava um improviso elegante com as raízes do blues. Ele soube do histórico concerto no Carnegie Hall, em Nova York, em 1962. No palco, revezaram-se os principais nomes da nova música brasileira, entre eles Tom Jobim, João Gilberto, Luiz Bonfá, Carlos Lyra, Roberto Menescal, Sérgio Ricardo, Milton Banana e Sérgio Mendes. E assim como Stan Getz reconheceu na bossa de João Gilberto uma parceira perfeita para o seu cool jazz, Cannonball viu na banda Bossa Rio Sextet, do jovem Sérgio Mendes, o time ideal para encarar sua aventura pelo lado mais quente da bossa nova. Ao violão, Sérgio era acompanhado por Durval Ferreira. Cannonball não perdeu tempo: semanas depois estava gravando um disco com o grupo brasileiro, e nele incluiu quatro músicas da dupla Maurício/Durval: o clássico “Sambop”, a contagiante “Batida Diferente”, a bela “Clouds” (“Nuvens”) e “Joyce’s Samba”. O disco “Cannonball’s Bossa Nova” não recebeu a mesma atenção que “Getz/Gilberto”, gravado pouco depois. Mas é igualmente antológico.

O destino não foi muito generoso com Maurício e Durval. Existem gravações às pencas de “Batida Diferente” e “Estamos Aí” – também do final dos anos 1950 – tanto no Brasil como no exterior, mas poucos críticos destacam o papel fundamental dos dois na construção da bossa nova. Suas músicas foram mal compreendidas: ao privilegiar a improvisação, eram vistas como mera matéria bruta para o solista. “Estamos Aí” é uma prova de que isso não é verdade. Além de uma melodia inesquecível, esconde em sua estrutura uma mudança de um semitom acima para apenas dois compassos, o quinto e sexto. É o tipo de alteração sutil que Charlie Parker trouxe para o bebop e que Maurício incorporou à bossa quente. Trata-se de um grande desafio para o solista. Muito músico famoso não consegue passar por ele. Mas, quando enfrentado por um talento genial, como o do saxofonista cubano Paquito D’Rivera, que sempre fecha seus shows com essa canção, essa estrutura gera uma sensação de leveza, um sobe-e-desce encantador.

Depois de 1962, Durval e Maurício trilharam caminhos diferentes. Maurício Einhorn tornou-se conhecido do público do jazz internacional. Mentor de muitos gaitistas profissionais, como Gabriel Grossi, José Staneck e Guta Menezes, e idolatrado por artistas do mundo inteiro, no Brasil não obteve reconhecimento como compositor inovador.

Mas os ventos parecem estar mudando. Maurício e Durval começam a receber mais espaço na mídia. “Batida Diferente”, disco solo irretocável que o segundo lançou em 2004, trouxe o músico e compositor de volta à pauta e ao público – lamentavelmente, só por um breve período, pois Durval Ferreira morreu no ano passado. Maurício, depois de décadas de participações breves em discos de colegas e admiradores, lançou três CDs nos últimos quatro anos. O belíssimo “Travessuras”, de 2007, merece atenção especial, recheado de composições inéditas tão boas quanto “Sambop” e com o estilo de sempre.

Moral da história? A bossa nova foi muito mais diversa do que as pessoas costumam pensar. Em tempos de celebrações pelos 50 anos do gênero, vale recordar que ela foi feita de muitos caminhos. Precisamos voltar a eles.

Bryan Mccann é professor de História da América Latina e coordenador do Programa de Estudos Brasileiros da Universidade de Georgetown (EUA), autor do livro Hello, Hello Brazil: Popular Music in the Making of Modern Brazil (Duke University Press, 2004).

Saiba Mais - Bibliografia:

CHEDIAK, Almir. Songbook Bossa Nova, 4, Lumiar Editora, 1994.

GAVA, José Estevam. A Linguagem Harmônica da Bossa Nova. Unesp, 2002.

Saiba Mais - Discos:

Adderley, Cannonball. “Cannonball’s Bossa Nova”, Capitol Jazz, 1962.

Einhorn, Maurício. “ME”, Clam/Continental 1980.

Einhorn, Maurício. “Travessuras”, Delira, 2007.

Ferreira, Durval. “Batida Diferente”, Guanabara, 2004.

Powell, Baden. “Tempo Feliz”, Companhia Brasileira de Discos, 1966.

Vários Artistas. “Nova Geração em Ritmo de Samba”, Copacabana, 1960.

Negrito
ABC dos ritmos

Blues: Com raízes na música negra do sul dos Estados Unidos, o blues serviu de base para a maioria dos estilos de jazz e também para o rock and roll. Sua estrutura clássica – que admite infinitas variações – tem doze compassos, em formato AAB, privilegiando a sétima dominante, a quinta bemol e a terceira diminuta nas melodias e harmonias.

Bebop: Linguagem de improvisação jazzística, que exige do solista a habilidade de usar os acordes da harmonia como base para a invenção simultânea de arpeggios e frases advindos de acordes relacionados, com ênfase na síncope rítmica, tocado muitas vezes em tempos galopantes.

Cool Jazz: Variação mais suave do bebop, usando os mesmos recursos do improviso, mas com timbres mais melífluos, e geralmente tocado em tempos mais relaxados.

Jazz-suingue: Estilo aprimorado pelas big bands dos anos 1930, privilegiando a síncope rítmica e uma apresentação de vários solistas improvisando sobre harmonias e estruturas advindas do cancioneiro da música popular americana.

Revista de História da Biblioteca Nacional

quarta-feira, 20 de abril de 2011

BOSSA ESSENCIAL - 12 músicas fundamentais ( e suas histórias )


Chega de Saudade - É o marco zero do movimento. Saiu primeiro em maio de 1958, na voz de Elizeth Cardoso, com João Gilberto no violão, num disco todo feito de parcerias entre Tom Jobim e Vinicius de Moraes, o famoso 'Canção do Amor Demais'. Foi a primeira vez que se ouviu a tal batida da bossa nova: o violão único de João, que todo os jovens músicos da época tentaram imitar.

Mas o próprio João Gilberto, que não saiu nos créditos do disco da Elizeth, teimava - ainda bem - em fazer a sua própria versão de 'Chega de Saudade', Com a ajuda de Tom Jobim, acabou gravando um histórico compacto em 1958, que trazia 'Chega de Saudade' de um lado, e do outro 'Bim Bom' (uma rara composição do próprio João). Foi a primeira vez que se ouviu a tal da batida casada à interpretação única de João Gilberto - e que depois todo mundo quis imitar também. Depois desse compacto, pode-se dizer que a bossa nova estava de fato inaugurada.

A gravação do compacto foi uma verdadeira epopéia. João Gilberto ainda não era famoso, mas já era o perfeccionista até hoje capaz de enlouquecer técnicos e orquestra. Houve brigas com os músicos, com os técnicos e também com Tom Jobim, como narra Ruy Castro. Houve até um motim, quando os músicos se recusaram a continuar a gravação. Depois foram acalmados, mas aí foi a vez de João se recusar a cantar... Ou seja, 'Chega de Saudade', de quebra, inaugura também parte do vasto folclore que cerca João Gilberto, síntese maior da bossa nova.

Garota de Ipanema - Estreou em 1962, no histórico show do Bon Gourmet, no Rio, que reuniu Tom Jobim, Vinicius de Moraes e João Gilberto. O impacto da música foi tamanho que, conta Ruy Castro em 'Chega de Saudade', ninguém lembra que na mesma noite também estrearam outros clássicos absolutos: 'Só Danço Samba', 'Samba do Avião' e 'Samba da Bênção'.

Não, a música não foi composta no bar Veloso, depois rebatizado Garota de Ipanema, esquina da Prudente de Moraes com Montenegro (depois rebatizada Rua Vinicius de Moraes). Castro conta que Tom fez a melodia em sua própria casa para uma comédia muscial que nunca saiu do papel. Vinicius pôs a letra em Petrópolis.

Mas é fato que foi no Veloso que a dupla viu a menina passar, várias vezes, nem sempre a caminho do mar. Aliás, era este o título original: 'Menina que Passa'. A menina, como se sabe, era a Helô Pinheiro, então com 19 anos. Morava na Montenegro e costumava passar pelo Veloso para comprar cigarro para a mãe.

Isso hoje é notório. Mas em 1962 poucos sabiam quem era a musa inspiradora da canção. Só em 1965 Tom e Vinicius revelaram tratar-se de Helô, já com 22 anos.

'Garota de Ipanema' foi um estouro: no Brasil, depois nos Estados Unidos, depois no mundo todo. Teve mais de 40 gravações nos dois primeiros anos, segundo Ruy Castro. Virou uma espécie de Monalisa da música brasileira. Com 'Yesterday', dos Beatles, disputa o posto de música mais tocada no mundo. Ganhou um sem número de interpretações e versões. O estadao.com.br apresenta aqui trechos de 98 versões compiladas pela própria garota de Ipanema .


Águas de Março - A bossa nova já era coisa do passado quando saiu o 'Disco de Bolso - O Tom de Antonio Carlos Jobim e o Tal de Joao Bosco', encartado numa edição do semanário 'Pasquim' de 1972. Continha de um lado 'Águas de Março', cantada pelo próprio Tom, do outro 'Agnus Sei', do estreante João Bosco. Mas a versão definitiva de 'Águas de Março' é o dueto que consta do antológico 'Elis e Tom', de 1974, recentemente remasterizado. Música e álbum são constantemente citados entre os melhores de toda a música, e, eventualmente, os melhores.


Influência do Jazz - Diz a letra: 'Que o samba balança de um lado pro outro / O jazz é diferente pra frente, pra trás / E o samba meio morto, ficou meio torto / Influência do Jazz'. É uma resposta - que acaba irônica - à polêmica sem fim que credita a bossa nova à música americana e ignora a importância do samba para sua gênese. Mas para além da ironia, 'Influência do Jazz', como parte do ótimo terceiro disco de Carlinhos Lyra, 'Depois do Carnaval', de 1963, ilustra também uma guinada para alguns dos mais nomes notórios da bossa nova: do asfalto ao morro, do idílio ao engajamento político. 'Conheci Cartola, Zé Keti, Nelson Cavaquinho, Elton Medeiros e João do Vale e aproximei a música do morro e a música rural da música da classe média', diz Lyra, em texto auto-biográfico, disponível em seu site. Nara Leão, musa do movimento, também acabou deixando 'o amor, o sorriso e a flor' para trás e, no ano seguinte, estreava em disco com 'Opinião de Nara', cantando os sambas de Zé Kéti e João do Vale.


Corcovado - No original, seu primeiro verso quase pôs a música toda a se perder: 'Um cigarro, um violão...'. Até que João Gilberto, incomodado, propôs a Tom Jobim reformulá-la. 'Um cantinho, um violão/este amor, uma canção' acabou tornando-se um dos versos mais conhecidos do repertório nacional. Foi com 'Corcovado', em português e em inglês ('quiet nights of quiet stars'), que Tom Jobim cativou a pláteia norte-americana no histórico show do Carnegie Hall, que em 1962 projetou a turma da bossa nova no exterior.


O Barquinho - Roberto Menescal e turma chamavam de 'samba canseira' a música brasileira que antecedeu a bossa nova. 'Era tudo feito com palavras sofridas e não batia com uma geração feito a nossa, que vinha com a cabeça voltada para a natureza, para o dia, para o sol', diz, , na autobiografia que leva seu nome, da coleção 'Gente'. 'Nós (...) trouxemos o sal, o sol e o sul (...). E foi uma festa', lembra Roberto Menescal. 'O Barquinho', dele e Ronaldo Bôscoli, é sua música-síntese. Um dos maiores sucessos da bossa nova, 'O Barquinho' também ilustra certa predileção do movimento pelos diminutivos: a tardinha, o barquinho, o cantinho, o sambinha, o beijinho, o banquinho, etc.

Ah, sim. O barquinho em questão existiu mesmo. Era uma traineira (Tiago II) que Menescal, grande mergulhador, costumava alugar em Cabo Frio. Mas a música não foi composta em alto-mar, não. É uma das tantas que saíram dos encontros realizados no apartamento de Nara Leão, na Avenida Atlântica, Ipanema.


Meditação - É de 'Meditação' o verso que batiza o segundo álbum de João Gilberto, 'O Amor, o Sorriso e a Flor'. Diz que: 'Quem acreditou / No amor, no sorriso, na flor / Então sonhou, sonhou...'. O disco todo é como um marco da maioridade da bossa nova. Além de 'Meditação', aparecem mais duas parcerias dos amigos de infância Tom Jobim e Newton Mendonça ('Samba de uma Nota Só' e 'Discussão'), três só de Tom Jobim ('Corcovado', 'Outra Vez', 'Só em Teus Braços'), uma de Carlinhos Lyra e Ronaldo Bôscoli ('Se é Tarde Me Perdoa'), uma rara composição do próprio João Gilberto em homenagem ao amigo Luiz Bonfá ('Um Abraço no Bonfá') e ainda: 'O Pato' (Jayme Silva - Neusa Teixeira), 'Amor Certinho' (Roberto Guimarães), 'Trevo de Quatro Folhas' (M.Dixon - H.Woods) e 'Doralice' (Antônio Almeida - Dorival Caymmi).



Bim-Bom - João Gilberto, o intérprete, é figura central da bossa nova. Seu violão é a marca registrada do gênero, e ele mesmo tornou-se o ídolo de quase todos os ídolos do período. Já seu trabalho como compositor é uma espécie de lado B. Ele gravou apenas seis músicas de sua autoria: 'Hô-bá-lá-lá', 'Bim-Bom', 'Um Abraço no Bonfá', 'Undiú', 'João Marcello', 'Acapulco' e 'Valsa'. Vendeu os direitos das três primeiras a preço de banana: 307 dólares (em 1961), conta Ruy Castro.


Samba de Uma Nota Só - Clássico instantâneo da bossa nova e espécie de carta de intenções. Diz que bossa nova é samba (ou 'sambinha') e decreta que 'a base é uma só'. Mais uma da dupla Tom Jobim/Newton Mendonça.



Se todos fossem iguais a você - 'Se todos fossem iguais a você' antecipa a bossa nova. É de 1956, dois anos antes, portanto, da 'fundação' do gênero. Foi a primeira criação de uma das mais brilhantes e frutíferas parcerias do gênero: Tom e Vinicius. Foi feita no famoso sobrado da Nascimento Silva 107, e, Ipanema, onde, quatro depois, como cantado em 'Carta ao Tom 74', a dupla ensinaria a Elizeth Cardoso as canções da ' Canção do Amor Demais' - aí sim, inaugurando oficialmente a bossa nova.

'Se Todos Fossem Iguais a Você' foi composta para musical 'Orfeu da Conceição', que fez enorme sucesso logo na estréia, no Teatro Municipal, com Haroldo Costa e Dirce Paiva no elenco, e cenário de Oscar Niemeyer.



O Pato - João Gilberto já cantava 'O Pato' com os Garotos da Lua, muito antes da bossa nova, mas foi só no final dos anos 50 que a música tornou-se uma verdadeira obsessão. Passava horas seguidas tocando e cantando 'O Pato'. Vem daí a lenda de que seu gato, que morreu após cair do parapeito do apartamento, teria na verdade cometido suicídio porque não suportava mais escutar 'O Pato'. A música é um dos sucessos do segundo disco de João Gilberto, 'O Amor, O Sorriso e A Flor'.



Desafinado - Nasceu como uma brincadeira cruel dos parceiros Tom Jobim e Newton Mendonça: compor uma apologia dos cantores desafinados (que eles conheciam da noite) numa base musical complexa o bastante para embaraçá-los. Ficou praticamente pronta em uma só noite e consagrou a expressão que já era moda entre os jovens compositores: 'Isto é bossa nova, isto é muito natural'.