domingo, 21 de fevereiro de 2010

AS CIDADES NA CHINA ANTIGA - Parte 2


AS CIDADES NA CHINA ANTIGA
André Bueno.


Este novo modelo de cidade aparece em um momento de transformação da China: antes, um país que vivia da pobreza do campo, "salvo" por seus rituais antigos, e depois, uma civlização em expansão que lutava para se expandir e, ao mesmo tempo, manter uma estrutura que respondeu a todos os seus questionamentos anteriores...mas como dar o próximo passo? Como ir contra a razão de sua própria grandeza?
Nestas condições, a idéia de recorrer à tradição terminou por permear o pensamento chinês em todos os sentidos. Nenhuma resposta era encontrada fora do ritual, e se este mudava, era por que assim os deuses queriam. Logo, sacralizar este tipo de cidade também era importante, já que no momento em que se domina o seu modo de construção, e que este se encontra abençoado pelo céu, os homens passam a operacionalizar sua existência, controlando-o e o expandindo segundo sua vontade.
Desta forma, podemos concluir que a ritualização da pratica de construção das cidades na China Antiga manifesta-se como parte integrante do desenvolvimento das ciências chinesas, onde o conhecimento , quando funcional, e demonstrando respostas satisfatórias as questões materiais, é logo associado ( ou ainda, interpretado) á luz da ascendência mítica que a vontade celeste e o culto as tradições antigas impunham ao sistema representativo e simbólico do pensamento chinês.
Apesar do aparente imobilismo que se insere na cultura chinesa justamente pela formação dessa estrutura de pensamento, completamente voltada para um passado mítico glorioso, devemos notar que a materialização de algumas respostas no campo material, mesmo que pautadas nesse pensamento, representam avanços respeitáveis; afinal, em Chang An, capital da dinastia Han ( século III AC a III DC) o nível de domínio da natureza permitiu as técnicos de "feng shui" construírem um porão de pedra onde era guardado gelo para servir uma espécie de "sorvete" ao imperador no verão.... Esse é apenas um detalhe no complexo sistema de pensamento chinês onde a construção das cidades nada mais é do que uma manifestação em grande escala de uma estrutura cultural onde a questão ritual domina todos os sentidos e áreas produtivas da civilização...
NOTAS
(1) Entendemos aqui o conceito de ritual dentro da perspectiva Funcionalista de Robertson Smith (1889), que afirmava que os rituais não surgiam para "satisfazer uma necessidade teórica ou técnica, mas por uma necessidade "prática" (V.V. Rito Enciclopédia Einaudi. Lisboa, Imprensa Nacional, 1994 v.30 p.328.) A partir de uma determinada problemática material, a civilização chinesa desenvolvia uma série de respostas que, se comprovadas em eficácia, eram fixadas sob forma mecanizada e posteriormente ritualística, quando sua função original se perdia e a atribuição de elementos místicos a integrava no contexto geral dos conhecimentos culturais.
(2) A Noção de modelo aqui apresentada refere-se a conceituação de FREITAS, G. Vocabulário da História, Lisboa, Plátano, 1996. P.184 . ao definir Modelo, ele emprega três interpretações dos quais duas nos são pertinentes; 1. "Instrumento de trabalho mental que consiste em reproduzir qualquer realidade complexa duma maneira simbólica e simplificada, em ordem a permitir verificar seu comportamento
no caso de uma modificação de qualquer uma de suas variáveis" e 2. "padrão que se destina à ser copiado ou reproduzido". Embora seja necessário avaliar, ao longo do texto, as modificações que surgem do desenvolvimento dos modelos de cidades chinesas, empregamos o termo aqui em sua segunda significação.
(3) No livro O Pensamento Chinês, GRANET nos dá uma elucidação abrangente sobre o desenvolvimento da maneira de pensar da civilização chinesa. Em linhas gerais, ela se caracteriza pelo "quase imobilismo" causado pela fixação das práticas operacionais sob forma ritual, o que dificultava o desenvolvimento de novas respostas técnicas às crescentes demandas materiais em virtudes das mesma "confrontarem" o sagrado. O modo de pensar chinês chinês tendia a não diferenciar sob qualquer forma ao avanços técnicos do estudo da natureza, da religiosidade e do misticismo. Assim, o desenvolvimento técnico , muito vezes embasados no próprio arcabouço cultural chinês, era visto sob a ótica de uma "ciência-ritual", ao qual as respostas obtidas eram tidas como "abençoadas" ou derivadas do divino. Um exemplo bem claro está na produção dos cereais, citado na p.245 (v.1) do livro Civilização Chinesa , do mesmo autor, onde a descoberta do cultivo do painço é conscientemente entendido com prática humana, mas atribuída, por sua eficácia, ao Deus Heou Tsi, ou "príncipe painço". Para compreender mais sobre os avanços técnicos, recomendamos também a consulta do grande trabalho de NEEDHAM, Joseph; Science and civilization in China, Cambridge, Cambridge Univer. Press, 1976,
(4) Nos remetemos novamente a idéia de modelo aqui apresentada, como um padrão à ser copiado. Ela resulta do conjunto de práticas pelo qual o esquema de construção de uma cidade, em todas as suas características, atinge potencialidade, reconhecimento, sendo por fim sacralizado.
(5) GRANET (1979) conceitua de forma singular a questão do "lugar-santo". Anteriormente, acreditávamos que a formação dos campos sagrados estava ligada diretamente aos cemitérios, quando na verdade, sua origem é mais antiga: nas páginas 293-294 (vol.1)do seu livro Civilização Chinesa , ele concebe uma nova significação do termo: os "lugares santos" seriam inicialmente lugares de orgias sagradas ou cultos anímicos que conquistaram gradativamente dentro das comunidades sua importância ritual, atraindo então a prática das crenças religiosas. Assim, a construção de cemitérios próximos à esse locais foi uma derivação do culto aos antepassados ( advindo do culto as eras passadas, ou da tradição de uma "antigüidade" mais próxima dos deuses), objetivando a aproximação dos mortos com um centro de energia ou "poder". No entanto, segundo afirmação do autor , não devemos restringir o "lugar santo" à um local pré-determinado: ele pode ser um lugar na natureza, ou mesmo um rio. Mas em todos os casos, sem exceção, a presença desse espaços fora dos perímetros urbanos está fundamentada justamente em seu processo de formação espontânea além do perímetro urbano, onde seus aspectos práticos ( fosse a prática do sexo longe dos olhares da comunidade, fosse a execução de um ato religioso em particular de contato com a natureza, etc.) exigiam certa distância da cidade.
(6) O termo feudalização ,aqui, é empregado em sentido bem próximo ao ocidental, embora temporalmente distante. O processo ao qual aludimos se refere, na China, a concentração das terras por senhores e barões locais, em troca de proteção contra estrangeiros e invasores, economicamente vinculados em contratos de arrendamento e politicamente organizados segundo práticas de servidão e vassalidade, estabelecidas poe meio de juramentos de fidelidade ao senhor maior. No livro Civilização Chinesa vol. 1, p.121, GRANET utiliza o termo por compreendê-lo como conveniente.
(7) Feng Shui, (pronuncia-se Fon shue) é a arte ou técnica de domínio do espaço, empregada na estética e na arquitetura chinesa. Sua descoberta foi atribuída ao místico Duque Chou, ou por vezes ao lendário primeiro imperador, Shi Huang Ti. Controvérsias à parte, sua efetividade foi provada diversas vezes ao longo do desenvolvimento da arquitetura chinesa e sua inserção nas práticas culturais chinesas foi plena. Para saber um pouco mais sobre o assunto, dois bons manuais são o Livro do Feng Shui, do mestre Lam Kan Chuen, São Paulo, Manole, 1998 e Feng Shui- arte milenar chinesa da organização do espaço, de Richard Craze, São paulo, Campus, 1998.

DOCUMENTAÇÃO TEXTUAL
TUCÍDIDES . História da Guerra do Peloponeso tradução Mário da Gama Kury.
Brasília, editora UNB 1999
HIPPOCRATES,Nature of Man translation by Jones Loeb classical Library, Harvard
University Press, 1995
HIPPOCRATES. Prognosis, translation by Jones Loeb Classical Llibrary. Harvard
University Press, 1995
HOMERO/ A Iliada, tradução de Fernando C de Araújo. Rio de Janeiro: Ediouro,
1997

DICIONÁRIOS
CHEVALIER. Dicionário dos Símbolos 12a ed. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1998
AURELIO, Mini Dicionário da Língua Potuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985
BIBLIOGRAFIA GERAL
CHAUNI, M. Introdução a história da FIilosofia vol 1. São Paulo: Editora Brasiliense, 1995
DETTIENE, M. Dionisio a Céu Aberto. Rio de Janeiro Jorge Zahar, 1988
ENTRALGO, P.L. La medicina hipocrática. Madrid: Alianza Editorial, 1970
GINZBURG, C A Micro História e Outros Ensaios. Rio de Janeiro: Difel, 1989
HAVELOCH. A Revolução da Escrita na Grécia. São Paulo: Unesp 1996
JONES, P. O Mundo de Atenas. São Paulo: Martins Fontes, 1997
RICHARD SENNET Carne e Pedra o corpo e a cidade na civilização ocidental São
Paulo: Record, 1994
SNELL, B. A descoberta do Espirito. Rio de Janeiro: Editora 70, 1997
VERMANT, J.P. . O Homem Grego. Lisboa: Presença, 1994.

Revista Gaialhia - UFRJ

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