quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Longas orelhas, prósperos negócios


Longas orelhas, prósperos negócios
No lombo de mulas, a Colônia e o Império brasileiros sustentaram seu desenvolvimento econômico durante mais de um século
Carlos Eduardo Suprinyak

Governar é abrir estradas... para as mulas passarem. Desde que os portugueses descobriram ouro no Brasil, tanto o escoamento da produção colonial quanto o abastecimento das regiões produtoras foram feitos no lombo dos animais de carga. Porém, mais do que apenas viabilizar o transporte das riquezas no interior da Colônia, os animais que circulavam pelos caminhos das tropas significavam, eles próprios, intensa atividade econômica. Entre os séculos XVIII e XIX, o comércio de animais de carga gerou imensa prosperidade, foi alvo de pesados impostos e fortaleceu a economia das regiões Sul e Centro-Sul do Brasil.

Entre as diferentes espécies de animais de carga, as mulas levavam ampla vantagem sobre os cavalos, realizando em grande número a travessia que partia do extremo Sul, onde eram criados, na região do Rio da Prata, rumo a São Paulo e Minas Gerais. No auge do negócio, em 1856, foram transportados mais de 70 mil animais. Destes, 61 mil eram mulas.

Antes do surto minerador, a criação de bestas de carga no extremo Sul direcionava-se às minas de prata de Potosí, na América espanhola (atual Bolívia). No século XVIII, a intensificação da extração aurífera nas áreas centrais do Brasil trouxe aumento da demanda por transporte de carga. As mulas eram necessárias tanto para escoar o produto das minas quanto para abastecer a crescente população da região com gêneros trazidos de outras localidades. E as bestas de carga platinas mostraram-se especialmente aptas a realizar estas tarefas em meio à geografia acidentada de Minas Gerais.

Nada disso seria possível se não existissem estradas ligando o Sul ao Centro-Sul. E em 1727, elas de fato não existiam. Naquele ano, a Coroa encarregou o sargento-mor Francisco de Souza Faria de chefiar uma missão com o objetivo de abrir aquele que ficaria conhecido como Caminho das Tropas, ou Caminho do Viamão. Por dois anos Francisco liderou a difícil empreitada, contando depois com a decisiva intervenção de Cristóvão Pereira de Abreu (1680-1755), considerado “o primeiro tropeiro por excelência”. Fidalgo português, Cristóvão fazia fortuna desde 1690, quando ainda atuava no Rio de Janeiro. Ele foi arrematante do contrato de arrecadação dos quintos sobre o couro – muito lucrativo – desde 1702. Em 1731, os dois inauguravam o caminho ligando Viamão (na atual Grande Porto Alegre) a Sorocaba, passando por Lages (atual Santa Catarina) e pelos campos de Curitiba. Como retribuição pelos serviços prestados, Cristóvão Pereira de Abreu foi agraciado pela Coroa portuguesa com nova concessão: durante doze anos, teve direito à metade do valor obtido pela cobrança de impostos sobre os animais que transitavam no Caminho das Tropas. (...)

Revista de História da Biblioteca Nacional

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