André Julião
OLHOS
Ao encarnar Cleópatra, e carregar na pintura, Liz Taylor criou a imagem definitiva dos egípcios
Um dos maiores ícones da história do cinema, Elizabeth Taylor deixou sua marca em clássicos como “Gata em Teto de Zinco Quente” e “Assim Caminha a Humanidade”. Mas nenhum de seus papéis foi tão marcante visualmente quanto o de Cleópatra (1963). Sua personificação da rainha, soberana egípcia entre os anos 51 e 30 a.C., sempre será lembrada, também, graças à maquiagem pesada. Não por acaso, esse tipo de adorno era muito mais do que uma exibição de vaidade no Egito Antigo. Do ponto de vista místico, acreditava- se que os deuses Horus e Ra protegiam de infecções os olhos daqueles que usavam pintura. Agora, um estudo recém-divulgado por pesquisadores franceses detalha como a maquiagem servia de escudo para os olhos de nobres e trabalhadores. Embora já soubessem da presença do chumbo e do uso medicinal da maquiagem, os cientistas não conseguiam explicar como uma tinta que contém um metal tóxico podia fazer bem aos egípcios. Depois de analisar 52 amostras de potes usados para guardar pós e cremes faciais datados de quatro mil anos e preservados no Museu do Louvre, em Paris, eles encontraram quatro diferentes substâncias à base de chumbo, como a laurionita, com a ajuda de microscópios eletrônicos e aparelhos de raio X. Nos testes, esses elementos aumentaram a produção de óxido nítrico em mais de 240% em uma cultura de células de pele, preparada especialmente para o estudo.
Os pesquisadores já conhecem o papel dessa substância no corpo: ativar o sistema imunológico, que combate invasores. “Normalmente, o chumbo é considerado tóxico. Mas ele pode ter efeitos positivos em concentrações muito baixas”, diz o coordenador do estudo, Philippe Walter, do Centro de Pesquisa e Restauração dos Museus de Paris. O químico Christian Amatore, também da equipe de pesquisadores, alerta que a descoberta não abre brechas para que o metal possa ser usado em maquiagens hoje em dia. Numa época sem antibióticos, porém, os benefícios do uso do chumbo compensavam os riscos. Bactérias eram abundantes nas águas paradas que o rio Nilo deixava antes de sua cheia. Por isso, os egípcios usavam seus cosméticos para prevenir ou tratar infecções oculares. Estudos apontam que dois dos quatro derivados do chumbo encontrados não são naturais e, por isso, devem ter sido preparados especialmente para maquiagens. A produção de cosméticos e medicamentos não era, contudo, exclusividade dos egípcios antigos. “Há textos descrevendo receitas para tratar infecções oculares e informações sobre o uso de maquiagem para proteger os olhos nos Papiros Ebers”, diz Walter, citando um dos tratados médicos mais antigos da história, escrito por volta de 1500 a.C. “Autores de Roma e da Grécia Antiga também afirmam que alguns elementos químicos eram usados para tratar infecções nos olhos”, explica. Ele ressalta, porém, que o caso do Egito é o primeiro exemplo conhecido de rodução em larga escala. Em artigo publicado na revista científica “Analytical Chemistry”, os pesquisadores franceses dizem que não é possível afirmar que a laurionita era adicionada à composição das maquiagens por ter alguma propriedade antibacteriana conhecida.
Contudo, pode-se presumir que os egípcios notaram os efeitos eficazes do uso do elemento químico e decidiram sintetizá-lo. “Muitos exemplos de observações tão sutis quanto essa podem ser encontrados na história recente. Basta pensar na origem da penicilina, da aspirina ou do quinino”, afirma Walter. Em seu laboratório no Museu do Louvre, ele faz muito mais do que simplesmente estudar maquiagens antigas: “Pesquisamos como tecnologias ancestrais eram desenvolvidas para aplicação na saúde e na estética.” Walter prossegue: “O mais importante, contudo, é considerar por que certos fármacos ancestrais eram utilizados. Há muitos estudos sobre moléculas orgânicas vindas de plantas e animais. Queremos ter novas ideias a partir do estudo de minerais usados durante milhares de anos.” Com toda sua sabedoria para enfrentar conflitos e complôs, era mesmo de esperar que, mais do que vaidosa, Cleópatra tenha sido uma mulher cuidadosa.
A PRIMEIRA GREVE DA HISTÓRIA
Fonte: Antonio Brancaglion Júnior, egiptólogo do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Revista ISTOÉ
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