A Comuna de Paris (1871)
Robert Ponge
A data propicia uma ocasião para debruçar-se — mesmo que rapidamente — e refletir sobre algumas das divergências de interpretação que ainda agitam o mundo dos historiadores e demais estudiosos das ciências sociais acerca da insurreição parisiense. Não é porém inútil relembrar, inicial e brevemente, a história daquele evento.
Os fatos: o que provocou o "assalto ao céu" (Karl Marx) do povo parisiense (18 de março a 28 de maio de 1871)?
CRISE E QUEDA DO II IMPÉRIO
Instituído através do golpe de Estado de 2 de dezembro de 1851 (e "legalizado", com amplo apoio, através de plebiscito, em 21/12/1851), o regime, de tipo bonapartista, de Napoleão III veio para, externamente, garantir a paz e, internamente, assegurar a autoridade, a ordem, a tranqüilidade contra a instabilidade demonstrada pela II República (1848-51) e contra o perigo da revolução social — operária, comunista — que, pela primeira vez, se manifestou, de forma concreta e ameaçadora, nas Jornadas de Junho de 1848.
A partir do final dos anos 50 e início dos anos 60, entre as bases de apoio de Napoleão, começam a surgir queixas, questionamentos a sua política (mas não ao regime); estes desacordos nas cúpulas facilitam o renascimento de oposições, tanto republicanas como socialistas, que o Imperador procura esvaziar com algumas semi-medidas de cunho liberalizante. No decorrer dos anos 60, as dificuldades crescem no terreno econômico. Na política externa e militar, acontecem reveses (Itália, México); o Império já deixou de ser o regime da paz. Primeira grande onda de greves em 1864, ano de outras semi-medidas liberalizantes (entre as quais, o reconhecimento do direito de coalizão; o direito de reunião será reconhecido apenas em 1868). Cresce sobremaneira a oposição liberal e republicana; cresce também, mas em outro compasso, menos impetuoso, mais cauteloso, a organização do movimento operário, apoiando-se, inclusive, embora limitadamente, na Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT, também conhecida como "Internacional"), fundada em 1864, em Londres. Em 1867, nova grande onda de greves, que se repete em 1869-70. Nas eleições de 1869 (24 de maio), as oposições conseguem granjear mais de 40% dos votos: uma autêntica vitória, celebrada com manifestações em Paris. Novas medidas liberalizantes de Napoleão III (em 6 de setembro, são aumentados os poderes das duas Assembléias), que também negocia a formação de um novo governo, dirigido pelo ex-oposicionista moderado Émile Ollivier; este assume em 2 de janeiro de 1870. Em 10 de janeiro, Victor Noir, jornalista do La Marseillaise, o periódico dos republicanos mais radicais, é assassinado pelo príncipe Pierre Bonaparte, primo do Imperador; uma multidão de cem, quiçá duzentas, mil pessoas comparece a seu enterro: uma imponente manifestação política.
Procurando retomar a iniciativa, Napoleão III decide antecipar-se. Em 21 de março de 1870, anuncia uma profunda reforma constitucional; concedida em 20 de abril, esta transforma o regime numa espécie de monarquia parlamentar. O novo curso liberalizante do regime não o impede, entretanto, de recorrer à repressão: em 30 de abril, sob o pretexto de controlar supostos "complôs", o governo manda prender e processar todos os membros da Internacional na França. Em 8 de maio, as reformas são submetidas a um plebiscito; como não podia deixar de ser, são maciçamente aprovadas (sim: 7.350.000; não: 1.538.000), embora Paris, oposicionista, tenha votado contra. As oposições ficam desnorteadas.
É quando, na política interna, intervém o fator da política externa. Desde 1864, vinham se deteriorando as relações entre os governos da Prússia e da França, em decorrência da política de unidade alemã desenvolvida por Bismarck e das mal sucedidas tentativas de Napoleão III de obter dele algumas vantagens territoriais (política das "gorjetas"). Finalmente, por ocasião da sucessão ao trono da Espanha, Bismarck monta uma armadilha, na qual Napoleão apressa-se em cair: apesar dos alertas de vários setores, burgueses e operários,1 o governo francês declara, "de coração leve",2 guerra à Prússia, em 19 de julho de 1870. Apoiada pela imprensa, cujo lema é "a Berlim!", a decisão recebe um amplo apoio da opinião pública, provoca cenas entusiásticas de chauvinismo popular, inclusive de setores do movimento operário.
Em 2 de agosto, os embates começam. A superioridade do armamento, do treinamento e do comando da tropa prussiana não demora para comprovar-se. Os erros franceses encadeiam-se numa sucessão de derrotas, que leva à derrubada de Ollivier e de seu ministério, sacrificados como bodes expiatórios. Em 1º de setembro, começa a Batalha de Sedan que, no dia 2, termina em capitulação francesa, incondicional; as cifras do desastre: três mil mortos, 14 mil feridos, mais de oitenta mil prisioneiros, entre os quais 39 generais e o próprio Imperador. Outrossim, a derrota de Sedan "implicava, cedo ou tarde, a perda do exército [refugiado] em Metz e o sítio de Paris".3
A notícia do desastre de Sedan levanta a população de Paris que, no dia 4, invade a Câmara, exigindo a queda do regime; sob a pressão popular, o Império é derrubado, a República proclamada e formado um Governo de Defesa Nacional. A guerra, poderosa incubadora e acelerador social, deu cria à revolução, época em que os prazos e ritmos políticos e sociais precipitam-se violentamente.
Revista O Olho da História
Robert Ponge
A data propicia uma ocasião para debruçar-se — mesmo que rapidamente — e refletir sobre algumas das divergências de interpretação que ainda agitam o mundo dos historiadores e demais estudiosos das ciências sociais acerca da insurreição parisiense. Não é porém inútil relembrar, inicial e brevemente, a história daquele evento.
Os fatos: o que provocou o "assalto ao céu" (Karl Marx) do povo parisiense (18 de março a 28 de maio de 1871)?
CRISE E QUEDA DO II IMPÉRIO
Instituído através do golpe de Estado de 2 de dezembro de 1851 (e "legalizado", com amplo apoio, através de plebiscito, em 21/12/1851), o regime, de tipo bonapartista, de Napoleão III veio para, externamente, garantir a paz e, internamente, assegurar a autoridade, a ordem, a tranqüilidade contra a instabilidade demonstrada pela II República (1848-51) e contra o perigo da revolução social — operária, comunista — que, pela primeira vez, se manifestou, de forma concreta e ameaçadora, nas Jornadas de Junho de 1848.
A partir do final dos anos 50 e início dos anos 60, entre as bases de apoio de Napoleão, começam a surgir queixas, questionamentos a sua política (mas não ao regime); estes desacordos nas cúpulas facilitam o renascimento de oposições, tanto republicanas como socialistas, que o Imperador procura esvaziar com algumas semi-medidas de cunho liberalizante. No decorrer dos anos 60, as dificuldades crescem no terreno econômico. Na política externa e militar, acontecem reveses (Itália, México); o Império já deixou de ser o regime da paz. Primeira grande onda de greves em 1864, ano de outras semi-medidas liberalizantes (entre as quais, o reconhecimento do direito de coalizão; o direito de reunião será reconhecido apenas em 1868). Cresce sobremaneira a oposição liberal e republicana; cresce também, mas em outro compasso, menos impetuoso, mais cauteloso, a organização do movimento operário, apoiando-se, inclusive, embora limitadamente, na Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT, também conhecida como "Internacional"), fundada em 1864, em Londres. Em 1867, nova grande onda de greves, que se repete em 1869-70. Nas eleições de 1869 (24 de maio), as oposições conseguem granjear mais de 40% dos votos: uma autêntica vitória, celebrada com manifestações em Paris. Novas medidas liberalizantes de Napoleão III (em 6 de setembro, são aumentados os poderes das duas Assembléias), que também negocia a formação de um novo governo, dirigido pelo ex-oposicionista moderado Émile Ollivier; este assume em 2 de janeiro de 1870. Em 10 de janeiro, Victor Noir, jornalista do La Marseillaise, o periódico dos republicanos mais radicais, é assassinado pelo príncipe Pierre Bonaparte, primo do Imperador; uma multidão de cem, quiçá duzentas, mil pessoas comparece a seu enterro: uma imponente manifestação política.
Procurando retomar a iniciativa, Napoleão III decide antecipar-se. Em 21 de março de 1870, anuncia uma profunda reforma constitucional; concedida em 20 de abril, esta transforma o regime numa espécie de monarquia parlamentar. O novo curso liberalizante do regime não o impede, entretanto, de recorrer à repressão: em 30 de abril, sob o pretexto de controlar supostos "complôs", o governo manda prender e processar todos os membros da Internacional na França. Em 8 de maio, as reformas são submetidas a um plebiscito; como não podia deixar de ser, são maciçamente aprovadas (sim: 7.350.000; não: 1.538.000), embora Paris, oposicionista, tenha votado contra. As oposições ficam desnorteadas.
É quando, na política interna, intervém o fator da política externa. Desde 1864, vinham se deteriorando as relações entre os governos da Prússia e da França, em decorrência da política de unidade alemã desenvolvida por Bismarck e das mal sucedidas tentativas de Napoleão III de obter dele algumas vantagens territoriais (política das "gorjetas"). Finalmente, por ocasião da sucessão ao trono da Espanha, Bismarck monta uma armadilha, na qual Napoleão apressa-se em cair: apesar dos alertas de vários setores, burgueses e operários,1 o governo francês declara, "de coração leve",2 guerra à Prússia, em 19 de julho de 1870. Apoiada pela imprensa, cujo lema é "a Berlim!", a decisão recebe um amplo apoio da opinião pública, provoca cenas entusiásticas de chauvinismo popular, inclusive de setores do movimento operário.
Em 2 de agosto, os embates começam. A superioridade do armamento, do treinamento e do comando da tropa prussiana não demora para comprovar-se. Os erros franceses encadeiam-se numa sucessão de derrotas, que leva à derrubada de Ollivier e de seu ministério, sacrificados como bodes expiatórios. Em 1º de setembro, começa a Batalha de Sedan que, no dia 2, termina em capitulação francesa, incondicional; as cifras do desastre: três mil mortos, 14 mil feridos, mais de oitenta mil prisioneiros, entre os quais 39 generais e o próprio Imperador. Outrossim, a derrota de Sedan "implicava, cedo ou tarde, a perda do exército [refugiado] em Metz e o sítio de Paris".3
A notícia do desastre de Sedan levanta a população de Paris que, no dia 4, invade a Câmara, exigindo a queda do regime; sob a pressão popular, o Império é derrubado, a República proclamada e formado um Governo de Defesa Nacional. A guerra, poderosa incubadora e acelerador social, deu cria à revolução, época em que os prazos e ritmos políticos e sociais precipitam-se violentamente.
Revista O Olho da História
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