quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Guerra - A locomotiva européia

Guerra suspende uma era de ouro dos europeus – Últimas décadas
foram marcadas por paz e por inovações tecnológicas –
Grã-Bretanha e Alemanha disputam a supremacia civil e militar

Tempos modernos: a tela 'Metropolis', de Hugo Krayn, mostra uma Berlim industrial e dinâmica - e também caótica e sombria

Desde o biênio 1870-71, quando franceses e germânicos digladiaram-se à morte na Guerra Franco-Prussiana, a Europa não se via diante de um conflito entre os gigantes – protagonizado, desta vez, logo pelas quatro maiores potências do continente. O resultado das hostilidades ainda está longe de ser conhecido, mas o que se pode garantir, de antemão, é que a guerra de ontem será bem diferente da guerra de hoje. As quatro décadas que separaram a humilhante capitulação dos gauleses até o início das batalhas desta nova "Grande Guerra" transformaram por completo o Velho Continente e suas nações. Se, por um lado, o aumento populacional e a explosão da industrialização que caracterizaram a Europa nos últimos anos viabilizaram o fortalecimento do poder central das potências, o que originou um período de paz e relativa calmaria no continente, por outro também desencadearam uma corrida armamentista e a ferrenha militarização dos estados nacionais. Com mais soldados e novos armamentos, o cenário que se vislumbra para o futuro próximo europeu é nada menos que devastador.

Transformações em marcha: um família retratada pelo holandês Van Gogh

As inovações advindas com a Revolução Industrial, como a indústria têxtil, de ferro e de energia a vapor, estão solidificadas ao longo de quase toda a Europa Ocidental, e já não servem mais para determinar quem está na cabine, quem é passageiro ou mesmo quem perdeu o bonde da história. Agora, são as indústrias químicas e de precisão que causam desejo e inveja nos líderes, com seu potencial criador de incríveis substâncias e produtos, aplicados em uma verdadeira plêiade de empreendimentos. Aliadas à proliferação do uso de outras tecnologias recentes, como o motor a combustão interna e a eletricidade, já têm gerado notáveis avanços. A rede de bondes elétricos que cruzam a cidade alemã de Frankfurt, construída em 1884, é uma das obras que receberam aplausos entusiasmados, assim como a gigantesca ferrovia Berlim-Bagdá, cujas obras iniciaram-se em 1888 e só neste ano chegam a seu ponto final. Aliás, os dois exemplos acima citados não são mera coincidência: a Alemanha é a nação que mais desponta nesse processo de evolução científica e tecnológica, com investimentos pesados em ambiciosas pesquisas e modernos laboratórios.

• • •

Rivalidade - Não à toa, desde o início do século os germânicos vêm travando um intenso duelo com a Grã-Bretanha, cuja reputação como vanguarda continental a precede. Ousada, Berlim surpreendeu os insulares ao incluir-se em uma corrida pela supremacia naval, até então detida por Londres sem contestação. Estaleiros alemães trabalham com capacidade máxima desde o início do século; como resultado, a Marinha do país já possui 29 navios de combate. A Grã-Bretanha dispõe de 49, incluindo o monstruoso Dreadnought, construído em tempo recorde – 14 meses entre 1905 e 1906 – justamente para provar aos rivais que o jugo nos mares não está em negociação.

São Petersburgo: as multidões urbanas

Além da relativa tranqüilidade vivenciada com o período de paz, a população europeia teve outros motivos para comemorar neste início de século. Melhorias em legislações nacionais, visando aumentar a rede de bem-estar social; no sistema educacional, reduzindo os índices de analfabetismo; e na agricultura, gerando enorme incremento na produção de alimentos – tudo isso colaborou decisivamente para a explosão populacional que se verificou no continente, em todos os países à exceção da França. A Alemanha registrou aumento de 50% em sua população, de pouco mais de 40 milhões em 1875 para quase 70 milhões em 1913. No mesmo período, a Rússia saltou de 80 milhões de habitantes para 170 milhões. Com populações cada vez maiores, as nações lograram promover um aumento sem precedentes de recrutas em suas fileiras. Como o serviço militar obrigatório entrou em vigor desde o final do século passado, os gigantes contam com toda uma geração preparada para o combate e imbuída com os ideais patrióticos e militares. É esse enorme contingente que, com máquinas, aparelhos e armamentos de poder de destruição nunca antes vistos na História, mobiliza-se para tomar parte nas diversas frentes da pugna continental. As vitórias deverão ser cada vez mais comemoradas – mas com custos cada vez maiores.

Revista Veja História

Nenhum comentário: