quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Comuna de Paris (1871) - O GOVERNO DE DEFESA NACIONAL


Robert Ponge

O GOVERNO DE DEFESA NACIONAL

Presidido pelo general Trochu e formado, principalmente, por deputados eleitos por Paris ao Corpo Legislativo do II Império, o Governo de Defesa Nacional (GDN) é composto por monarquistas (que controlam a polícia e as forças armadas) e por republicanos burgueses que — Marx não esquecerá de lembrá-lo — haviam ficado, quase todos, traumatizados e chamuscados pelas Jornadas Revolucionárias de Junho de 1848.

Na noite do próprio dia 4 de setembro, uma reunião conjunta da seção parisiense da AIT e da Câmara Federal das Sociedades Operárias define, como linha política, que "o governo provisório não será atacado, devido à existência da guerra e, também, devido ao pequeno grau de preparo das forças populares, ainda inorganizadas", mas que serão reivindicados, "com urgência", a abolição imediata da polícia imperial, a supressão da chefatura governamental de polícia em Paris, a organização da polícia municipal, a revogação de todas as leis contra a imprensa e contra os direitos de reunião e de associação, a eleição imediata da representação municipal — vereadores e prefeito — de Paris (de que a capital francesa está, até então, desprovida), o armamento imediato de todos os franceses e o alistamento em massa para fazer frente à ofensiva das tropas do rei da Prússia, etc.,4 decidem, ainda, impulsionar a constituição de um Comitê Municipal formado por delegados de cada uma das vinte regiões administrativas (arrondissements) de Paris. No dia seguinte, para viabilizar esta última decisão, numa reunião a que comparecem cerca de quinhentas pessoas (sinal dos tempos!), decidem lutar pela constituição de um Comitê Republicano por cada região administrativa; cada Comitê delegará quatro de seus membros para a formação de um Comitê Municipal. Decisões de primeira ordem que incidirão sobremaneira sobre o curso dos acontecimentos, ainda mais a partir do dia 11 de setembro, quando o Comitê Municipal passará a existir, sob o nome de Comitê Central Republicano de Defesa Nacional das Vinte Regiões de Paris.

O GDN não se opõe às reivindicações da reunião do dia 4; alegando que a vanguarda prussiana está se aproximando de Paris, apenas argumenta que "a questão capital é ... a resistência à invasão", 5 pede tempo (chegará a prometer eleições municipais para o dia 28 de setembro e eleições gerais para o 2 de outubro), mas já nomeia os prefeitos (com seus vices) das vinte regiões. Posteriormente, descobrir-se-á que a grande maioria dos homens do governo, a começar pelo seu Presidente, não acreditava nas possibilidades de resistência frente às tropas prussianas.

Em 15 de setembro, através de cartazes afixados nas ruas da capital (o primeiro dos "cartazes vermelhos" que se tornarão o veículo de informação de massas), o Comitê Central Republicano — que havia começado a organizar Comissões para debruçar-se sobre os mais diversos assuntos: polícia, subsistência, alojamento, trabalho, etc. — divulga um manifesto no qual informa a população de sua existência, bem como daquela dos Comitês Regionais ("de Defesa e Vigilância"); dá, ainda, a conhecer a longa lista de medidas, propostas e reivindicações que havia apresentado ao GDN. Este, por sua vez, no mesmo dia, inicia negociações com a Prússia, com o intuito de obter o fim da guerra em condições que não fossem humilhantes; em 19 de setembro, o ministro francês das Relações Exteriores, Jules Favre, chegará a encontrar Bismarck, cuja inflexibilidade impedirá o acordo (Marx observará que o governo prussiano que, inicialmente, apresentara sua postura como "defensiva", passara a adotar uma política de conquistas).

Em 18 de setembro, as tropas da Prússia alcançam Paris; totalmente cercada a partir do dia 19, a cidade está, contudo, relativamente preparada para o sítio: o governo vinha, desde agosto, constituindo provisões de farinha, arroz e trigo planejadas para permitir à capital subsistir 71 dias; ainda conta com trinta mil cabeças de gado e 180 mil carneiros, além das provisões providenciadas por particulares!6 Quanto à tropa e ao armamento, não são desprezíveis, embora de constituição desigual: 128 baterias de artilharia, cerca de 2700 canhões, uma tropa regular de cerca de 75 mil homens e a tropa da Guarda Nacional (inicialmente com cerca de noventa a cem mil homens, sobe para trezentos a 350 mil homens com o alistamento em massa).7 Existe, na cidade de Tours (centro da França), uma Delegação do GDN, incumbida de representar o governo e de reunir tropas encarregadas de desbloquear Paris, atacando os prussianos por trás.

Há uma pequena tentativa parisiense de furar o cerco em 19 de setembro, novamente no dia 29 e ainda no dia seguinte. Os reveses confirmam o general Trochu, presidente do GDN, em sua opinião de que é impossível romper o sítio. Em 23 de setembro, a cidade de Toul capitula diante dos prussianos; no dia 29, será a vez da cidade de Estrasburgo. Em 24 do mesmo mês, o GDN desmarca sine die as prometidas eleições, municipais e gerais. Verificam-se reações imediatas de protesto: do Comitê Central Republicano e, no dia 26, de 140 chefes de batalhões da Guarda Nacional; outras sucedem-se, com reivindicações idênticas (defesa sem tréguas e eleições municipais): em 5 de outubro, são os batalhões do bairro de Belleville; nos dias 6 e 7, os blanquistas das 13ª e 14ª Regiões; no dia 8, o Comitê Central Republicano. Sem resultado nenhum; seu porte desigual e ainda limitado (manifestações de vanguarda) impedem-nas de ser eficientes: o GDN as ignora.

Tentando justificar sua existência, a delegação do GDN em Tours manda três colunas atacar em Toury; os prussianos contra-atacam; derrota francesa em Orléans (10 de outubro). Em 11 de outubro, o enérgico ministro Gambetta escapa de Paris, de balão, para reforçar e dinamizar a delegação governamental; em quatro curtos meses, conseguirá alistar, armar e equipar cerca de seiscentos mil homens, com 1.400 canhões.

Novas tentativas, limitadas, de romper o cerco à Paris ocorrem localizadamente, redundando em fracasso. No dia 30 de setembro, correm boatos de que o GDN estaria começando negociações de paz; ao mesmo tempo, chega a Paris a notícia da capitulação do marechal Bazaine, sitiado em Metz, que entregara, com a posição, em torno de 150 mil soldados, cerca de cinco mil oficiais e cinqüenta generais! Paris é então percorrida por ondas de perplexidade, descontentamento e revolta, que resultam em várias manifestações, porém ainda de volume limitado (a massa popular está ausente), desorganizadas, desconexas. Há uma malsucedida tentativa blanquista de derrubar o governo,8 no entanto, sob a pressão, o GDN marca a eleição municipal parisiense para os dias 5 e 7 de novembro, fazendo-as, habilmente, anteceder de um plebiscito, no dia 3: "O Povo de Paris confia no Governo de Defesa Nacional?". Como esperado, acontece uma esmagadora vitória do sim. Porém, os resultados da eleição municipal revelam um relativo equilíbrio entre os eleitos favoráveis ao governo e aqueles que o criticam e já começam a contestá-lo.

Novembro registra um decréscimo da atividade de massas em Paris; sitiada, a cidade está como que concentrando todas as suas forças em simplesmente manter-se inexpugnável e esperar que as tropas de Gambetta a libertem. Desde Tours, este esforça-se para, não sem dificuldades, lançar ofensivas visando furar o cerco prussiano à capital. No final do mês (29/11/1870), Paris tenta uma saída maciça com uma tropa de cem mil homens; sem sucesso. Persistente, Gambetta elabora novos planos, colocando em ação três exércitos (o do norte, o do leste e o do rio Loire) durante o mês de dezembro e parte de janeiro; novamente, sem êxito. Estoicamente, a população parisiense agüenta o sítio, o frio, a falta de combustíveis, de comida, a fome (o racionamento foi imposto tardiamente; os ratos são vendidos a 2 francos-ouro a peça) e os bombardeios, iniciados em 5 de janeiro de 1871 pelo comando prussiano, para acelerar a rendição da cidade. Na noite do 5 para o 6, a delegação das vinte regiões administrativas afixa um cartaz vermelho denunciando a incapacidade do GDN: "A política, a estratégia, a administração de 4 de setembro, na continuidade do Império, estão julgadas. Lugar ao povo, lugar à Comuna!".

Em 18 de janeiro de 1871, o rei da Prússia é proclamado Imperador da Alemanha, em Versalhes: escolha extrema e provocadoramente simbólica!

Em 19 de janeiro, só para constar, o GDN lança uma tropa de noventa mil homens na enésima tentativa de furo do cerco; é a sangrenta Batalha de Buzenval. Nova derrota; resultado que Trochu devia esperar: servia como uma luva para justificar a tão desejada rendição. O fracasso de Buzenval provoca nova manifestação da vanguarda militante de Paris e um esboço de levante, frustrado por falta de apoio popular.

No dia seguinte, 23 de janeiro, enquanto o governo inicia a repressão contra seus oposicionistas (fechamento dos clubes políticos, proibição dos jornais, prisões, etc.), o ministro Jules Favre desloca-se para Versalhes para negociar com Bismarck. Em 28 de janeiro de 1871, é assinado um draconiano armistício: cessação das hostilidades em praticamente todas as frentes, rendição de Paris, que ficará desarmada (com exceção de uma tropa de 12 mil homens e da Guarda Nacional), pagamento de um tributo de duzentos milhões de francos; como a Alemanha só aceita negociar a paz com um governo legitimamente eleito, o armistício é previsto para um prazo de três semanas, necessárias para a eleição de uma Assembléia Nacional que decidirá se aceita as condições de paz ou não. O governo — que não é mais de "Defesa Nacional" — marca as eleições para o dia 8 de fevereiro.

Não faltam os protestos parisienses. Sem resultados. O que alimenta a frustração popular que, posteriormente, transformar-se-á em ira.

A votação do dia 8 tem um duplo sentido: a favor ou contra a paz, mas também contra ou a favor da República vigente. Durante a campanha eleitoral, a seção francesa da AIT, a Câmara Federal das Sociedades Operárias e o Comitê das Vinte Regiões Administrativas lançam um manifesto posicionando-se "pelo advento político dos trabalhadores, pela queda da oligarquia governamental e do feudo industrial".9 Tendo a França rural e interiorana votado maciçamente pela paz, resulta do pleito uma Assembléia conservadora: 360 monarquistas, uns 15 bonapartistas e 150 republicanos convictos (entre os quais apenas quarenta favoráveis à continuação da guerra); Paris, porém, votou maciçamente pela república e contra o armistício; as demais grandes cidades também votaram majoritariamente pela república.

Revista O Olho da História

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