quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

A sátira de Saki

A sátira de Saki
Uma visão mordaz da Inglatera do começo do século XX.
Por Maria Cristina Bessa Lima

Primeira década do século XX. A Inglaterra perde em 1901 a Rainha Vitória , que havia reinado durante quase 64 anos, período no qual levou o país à condição de maior Império do mundo e ditou o comportamento e as regras de conduta moral de seus súditos. O final da Era Vitoriana e o começo de uma nova - a Era Eduardiana - estimulam o surgimento de um novo estilo de vida e de uma elite sofisticada, influenciada pela arte e pelas modas da Europa continental.

Nesse mesmo período, um jovem jornalista começa a publicar contos que retratam com irreverência e bom humor o mundo confortável da alta sociedade, com seus fins de semana no campo, salões de chá e partidas de bridge : seu nome é Hector Hugh Munro, ou Saki, pseudônimo provavelmente inspirado pelas leituras do Rubaiyat, de Omar Khayyam.

Munro nasceu em Burma - atual Mianmar- em 1870, quando o país fazia parte do Império Britânico . Seu pai, descendente de escoceses, era inspetor- geral da polícia de Burma. Quando a mãe de Munro morreu - atingida por um boi desgarrado, numa fazenda inglesa - o pai enviou os três filhos para serem educados na Inglaterra. Essa responsabilidade recaiu sobre duas tias e a avó já idosa; a mentalidade vitoriana e as rígidas regras de educação - que incluíam punições físicas - marcaram a infância do futuro escritor, que mais tarde usou as tias como protótipos de uma série de personagens.

Em 1893, com pouco mais de vinte anos, Munro retornou a Burma, onde se alistou na Polícia Militar Colonial; um ano mais tarde, um grave surto de malária o levou de volta a Inglaterra. Munro iniciou, então, sua carreira no jornalismo, escrevendo para diversos jornais, entre eles o The Morning Post e The Westminster Gazette.

Para este último, Munro criou uma série de sátiras políticas, nas quais retratava figuras públicas como personagens Alice no País
das Maravilhas, de Lewis Carrol; a série ficou conhecida como The Westminster Alice. Em 1900, Munro publicou The Rise of the Russian Empire, sua única obra séria de não-ficção. Trabalhou como correspondente estrangeiro em lugares como a Rússia, Paris e os Bálcãs, que serviram de inspiração e cenário para diversas histórias. Em 1904, publicou o primeiro livro de contos (Reginald); o personagem-título desta obra e o outro herói predileto de Saki, Clovis Sangrail, aparecem em várias coletâneas de contos daí em diante. Entre as mais conhecidas estão Reginald in Russia, (1910), The Chronicles of Clovis (1911), Beast and Super-Beasts (1914).

O nome Beast and Super-Beasts satiriza explicitamente a peça teatral Man and Superman (1903), de George Bernard Shaw . É provável que o dramaturgo irlandês não contasse com a simpatia de Saki, que incluiu em seu romance The Unbearable Bassington (1912) a seguinte citação:
"Um zumbido de reconhecimento veio das fileiras da frente, junto com o estalar de pescoços dos que ocupavam os assentos mais desfavorecidos. Era o arauto da chegada de Sherard Blaw, o dramaturgo que havia descoberto a si mesmo, e que tão generosamente havia anunciado sua descoberta para o mundo." Não é preciso ir longe para perceber quem é Sherard Blaw...

Os textos de Saki são marcados pelo humor extravagante, pela fascinação por situações estranhas e bizarras e por um evidente desprezo pela hipocrisia e pela banalidade. Trazendo para o conto as técnicas das comédias de costumes, criou enredos cativantes, com narrativas curtas e desfechos surpreendentes. Muitas vezes seus personagens, por

capricho ou pelo comportamento excêntrico, se envolvem em situações inusitadas, das quais escapam devido à engenhosidade ou esperteza. Influenciado pelos paradoxos inteligentes de Oscar Wilde , Saki expôs a artificialidade da sociedade inglesa através dos comentários cínicos e perspicazes de seus personagens.

Apesar de ter escrito contos durante toda a sua carreira, Saki buscou também nos romances e peças teatrais um espaço mais amplo para o desenvolvimento de um personagem ou para o tratamento de determinados assuntos, particularmente os relacionados com a própria sobrevivência da Inglaterra nos novos tempos.
Com a eclosão da 1ª. Guerra Mundial , Munro sentiu-se impelido a participar, e alistou-se como soldado aos 44 anos - apesar já ser considerado oficialmente muito velho para lutar. Nas trincheiras, escreveu um grande número de histórias, e foi promovido a sargento em 1916, um mês antes de morrer.

Após sua morte, sua irmã Ethel Munro, que assim como o irmão nunca se casou, destruiu a maior parte de seus papéis pessoais e escreveu sua própria versão da infância de ambos. Suspeita-se que Ethel tenha tentado preservar a memória do irmão, impedindo que possíveis evidências de sua inclinação homossexual viessem à tona, o que seria insustentável numa Inglaterra que, havia pouco, presenciara o escândalo do julgamento de Oscar Wilde pelo mesmo motivo.
Dada a prematuridade de sua morte, grande parte de suas obras foi publicada postumamente.

Apesar de ser considerado por muitos como misógino, antissemita e reacionário, seu talento e criatividade o tornaram comparável a grandes contistas como O. Henry e Dorothy Parker; sua influência foi reconhecida por vários escritores, entre eles Graham Greene.
No calor do combate em Beaumont, na França, suas últimas palavras, dirigidas a um companheiro de trincheira, segundos antes do tiro fatal, foram: "Apaga esse maldito cigarro!" Na mira certeira do inimigo emboscado, a Inglaterra perdeu um soldado e a literatura inglesa deu adeus ao satírico e bem-humorado escritor que soube, com rara competência, retratar a vida vazia dos ricos e bem-nascidos da alta sociedade inglesa dos tempos do Rei Edward VII.


Saki

A Loba

Leonard Bilsiter era o tipo de pessoa que não achava este mundo atraente ou interessante, e que por isso procurava compensação no "mundo desconhecido", criado a partir de sua própria experiência ou imaginação - ou invenção. Crianças fazem esse tipo de coisa com muita facilidade, mas as crianças se contentam em acreditar, e não usam suas próprias crenças para tentar convencer outras pessoas. As crenças de Leonard Bilsiter só deveriam ser divididas com os "escolhidos"; porém, qualquer um que se dispusesse a ouvi-lo se encaixava nessa categoria.

Suas andanças pelo desconhecido não o teriam levado além das banalidades costumeiras de um visionário de sala de estar se um acidente não houvesse fortalecido seu repertório de conhecimentos místicos. Em companhia de um amigo, que estava interessado numa empresa de mineração nos Urais, viajou para o leste europeu na época em que a greve dos ferroviários russos estava deixando de ser uma ameaça para se tornar realidade. A deflagração da greve surpreendeu-o na viagem de volta, em algum lugar perdido no interior da Rússia. Impedido de prosseguir sua jornada, ele aguardava numa estação interiorana pelo reinício dos serviços ferroviários quando conheceu um comerciante de arreios e panelas. Para espantar o tédio da longa parada, o comerciante aproveitou a oportunidade para iniciar seu companheiro de viagem num fragmentado misticismo folclórico que aprendera com os nativos e viajantes que cruzavam os Bálcãs. Leonard retornou ao seu círculo familiar tagarelando sobre sua experiência na greve dos ferroviários russos, porém mostrava-se opressivamente reticente sobre certos mistérios obscuros, aos quais dava o retumbante título de “Magia Siberiana”.

A reticência durou apenas uma ou duas semanas, pois a falta de interesse foi generalizada; então Leonard começou a fazer alusões mais detalhadas aos enormes poderes que essa nova força esotérica, para usar a sua própria descrição, conferia aos poucos iniciados que tinham o poder de dominála. Sua tia, Cecília Hoops, que amava o sensacionalismo muito mais do que respeitava a verdade, fez a propaganda mais clamorosa que alguém poderia desejar ao espalhar a notícia de que ele havia transformado uma abobrinha num pombo de madeira perante seus olhos.

Como manifestação de poderes sobrenaturais, a história foi recebida com certa reserva por várias pessoas, que conheciam a capacidade imaginativa de Mrs. Hoops.

Ainda que as opiniões estivessem divididas em relação ao status de Leonard como milagreiro ou charlatão, ele certamente chegou à festa de Mary Hampton com uma reputação indiscutível em uma ou em outra profissão, e não estava disposto a desperdiçar tal publicidade, mas sim tirar proveito dela. Forças esotéricas e poderes desconhecidos figuravam invariavelmente em todas as conversas nas quais ele ou sua tia participavam, e suas proezas, passadas ou potenciais, eram objeto de insinuações misteriosas e confissões sombrias.

- Eu gostaria que você me transformasse em um lobo, Mr. Bilsiter, disse sua

anfitriã, durante o almoço, no dia seguinte à sua chegada.
- Minha querida Mary, aparteou o Coronel Hampton, eu nunca soube que essa fosse a sua inclinação.
- Uma loba, é lógico, continuou Mrs. Hampton, pois seria confuso demais trocar na mesma hora de sexo e de espécie.
- Não creio que se deva brincar com esse tipo de assunto, disse Leonard.
- Mas não estou brincando, estou falando sério, eu lhe asseguro. Só não faça isso hoje; nós temos apenas oito pessoas disponíveis para o jogo de bridge, e não quero prejudicar um dos quartetos. Amanhã reuniremos um grande grupo. Amanhã à noite, depois do jantar...
- Devido ao nosso atual conhecimento imperfeito dessas forças ocultas, acho que as pessoas deveriam abordá-las com humildade, e não escárnio, observou Leonard, com tal severidade que o assunto foi temporariamente esquecido.
Clovis Sangrail havia permanecido excepcionalmente calado durante as discussões sobre as possibilidades da Magia Siberiana; depois do almoço, procurou Lord Pabham no relativo isolamento do salão de bilhar e perguntou:


- O senhor tem por acaso uma loba em sua coleção de animais selvagens? Uma loba com um temperamento razoável?
Lord Pabham pensou. - Tem a Louisa, ele disse, um belo espécime de lobo cinzento. Eu a recebi dois anos atrás, numa troca por algumas raposas-do-Ártico. A maioria dos meus animais já está bastante domesticada antes de chegar até mim; acredito que Louisa tenha um temperamento angelical, como as lobas costumam ter. Por que está perguntando?
- Eu queria saber se o senhor poderia me emprestar Louisa amanhã à noite, disse Clovis, com a mesma solicitude descuidada com que alguém pede emprestada uma raquete de tênis.
- Amanhã, à noite?
- Sim. Como lobos são animais noturnos, o fato de ser tarde da noite não vai incomodá-la, respondeu Clovis, com ar pensativo. Um de seus empregados pode trazer a loba de Pabham Park depois do anoitecer, e com um pouco de ajuda fazê-la entrar clandestinamente na estufa enquanto Mary Hampton sai discretamente do local.

Lord Pabham encarou Clovis durante alguns segundos, absolutamente surpreso; depois, sua face se transformou e ele explodiu em gargalhadas.
- Ah, é essa a idéia, não é? Você vai fazer uma pequena mágica siberiana por conta própria! E Mary Hampton já concordou em fazer parte da trama?
- Mary concorda em participar da farsa se o senhor garantir que a loba é domesticada.
- Eu respondo pelo comportamento de Louisa, afirmou Lord Pabham.

No dia seguinte, com a chegada de um enorme contingente de convidados, o salão estava absolutamente repleto. O instinto de Bilsiter para a autopropaganda cresceu proporcionalmente ao aumento da audiência. No jantar daquela noite, ele monopolizou as atenções discursando sobre forças desconhecidas e poderes incontestáveis; o impressionante fluxo de sua eloquência continuou inabalável enquanto o café era servido na sala de estar, antes que os convivas migrassem para o salão de jogos para o bridge habitual. Sua tia havia assegurado um número razoável de ouvidos para sua elocução, porém sua alma sedenta de sensações ansiava por alguma coisa mais dramática do que apenas meras demonstrações verbais.

- Você não poderia realizar algo para convencê-los de seus poderes, Leonard? sugeriu Mrs. Hoops. Transforme alguma coisa. Ele consegue, de verdade, se quiser, ela informou aos convidados.
- Oh, por favor, transforme alguma coisa, pediu Mary Pellington com seriedade, e seu pedido foi ecoado por quase todos os presentes. Mesmo os completamente céticos achavam interessante uma exibição de façanhas sobrenaturais, ainda que amadoras. Leonard pressentiu que esperavam algo tangível como demonstração de sua capacidade.
- Alguém aqui possui uma moedinha de cinco centavos ou algum pertence de pequeno valor...? ele perguntou.
- Mas você certamente não vai fazer uma moedinha desaparecer, nem qualquer bobagem primitiva desse tipo, não é? - inquiriu Clovis, desdenhosamente.
- Acho muito indelicado de sua parte negar-se a aceitar meu pedido de transformar-me numa loba, interpôs Mary Hampton, enquanto atravessava o salão para depositar no prato de suas araras as sobras da sobremesa, como era seu costume.
- Já a alertei anteriormente do perigo que existe em desrespeitar esses poderes com chacotas, respondeu Leonard, solenemente.

- Não acredito que você tenha esses poderes, riu Mary provocativamente, enquanto se dirigia para a estufa. Eu desafio você a me transformar, se puder. Eu duvido que possa me transformar numa loba.
Enquanto falava, Mary desapareceu da vista dos presentes, escondida por uma moita de azaleias.
- Mrs. Hampton..., começou Leonard com uma expressão compenetrada, mas logo em seguida parou. Uma lufada de ar gelado varreu o salão enquanto as aterrorizadas araras iniciavam um coro de gritos ensurdecedores.
- Por todos os deuses, o que está acontecendo com esses pássaros, Mary? - exclamou o Coronel Hampton. Nesse exato momento, o grito ainda mais assustador de Mavis Pellington arrancou o grupo inteiro de seus assentos. Com as mais diferentes reações de desamparado terror ou defesa instintiva eles encararam o animal cinzento, de olhar maligno, que os observava por entre os frágeis galhos das azaleias.
Mrs. Hoops foi a primeira a se recuperar do caos generalizado de pavor e espanto.

- Leonard! ela gritou desafinada, desfaça o encantamento de Mrs. Hampton imediatamente! Esse animal pode nos atacar a qualquer momento! Traga-a de volta!
- Eu... eu não sei como, gaguejou Leonard, muito mais surpreso e horrorizado do que qualquer outra pessoa.
- O que! berrou o Coronel Hampton. Você tomou a abominável liberdade de transformar minha mulher numa loba, e agora fica aí parado calmamente dizendo que não sabe como trazê-la de volta!
Para fazer justiça a Leonard, calma era o último dos sentimentos que ele demonstrava naquele momento.
- Eu juro que não transformei Mrs. Hampton numa loba; nunca tive essa intenção, ele protestou.
- Então onde está ela, e como é que este animal apareceu aqui? inquiriu o Coronel.
- Certamente devemos acreditar quando afirma que não transformou Mrs. Hampton numa loba, disse Clovis, com polidez, mas deve concordar que as aparências estão todas contra você.
- Temos que ficar ouvindo todas essas recriminações enquanto há um animal ali parado, prestes a atirar-se sobre nós e nos fazer em pedaços? lamentou-se Mavis, com justa indignação.
- Lord Pabham, o senhor sabe um bocado sobre animais selvagens... sugeriu o Coronel Hampton.
- Os animais selvagens aos quais estou acostumado, disse Lord Pabham, foram trazidos até mim por comerciantes conhecidos, ou então nasceram em minhas propriedades. Nunca, até agora, encontrei um animal que fosse resultado de uma transformação.Tanto quanto posso julgar pelas características físicas, ele continuou, este animal parece ser uma fêmea adulta de lobo cinzento norte-americano, uma variedade comum da espécie canis lupus.

- Não se preocupe com o nome em latim, berrou Mavis, enquanto o animal dava um passo ou dois em direção ao centro da sala. Você não pode tirá-la daqui usando um pouco de comida, e prendê-la em algum lugar onde ela não possa nos fazer mal?
- Se ela for realmente Mrs. Hampton, que acabou de comer uma bela refeição, não acredito que comida possa realmente atraí-la para fora, observou Clovis.
- Leonard, implorou Mrs. Hoops, em lágrimas, mesmo que isso não seja obra sua, não poderia usar seus enormes poderes e transformar esta besta assustadora em algo inofensivo - talvez um coelhinho ou algo no gênero - antes que ela arranque um pedaço de um de nós?
- Não creio que o Coronel Hampton concorde que sua esposa seja transformada numa sucessão de diferentes animais, como se estivéssemos brincando com ela, interpôs Clovis.
- Eu proíbo terminantemente que tal coisa seja feita! trovejou o Coronel.
- Muitos lobos que conheci, afirmou Lord Pahbam, apreciavam açúcar de maneira especial. Se quiser, posso tentar o mesmo com este animal.

Ele pegou um torrão de açúcar de sua xícara de café e atirou-o para a expectante Louisa, que o apanhou no ar. Um suspiro de alívio partiu do grupo ali reunido; o fato de a loba preferir saborear o torrão de açúcar em lugar de se distrair despedaçando as araras conseguiu afastar alguns de seus terrores. O suspiro se transformou num murmúrio de agradecimento quando Lord Pabham atraiu o animal para fora da sala usando o açucareiro. Todos correram imediatamente para a estufa, agora vazia. Não havia sinal de Mrs. Hampton, com exceção do prato que continha as sobras de comida para as araras.

- A porta está trancada por dentro! exclamou Clovis, que tinha na verdade girado as chaves disfarçadamente, enquanto fingia abrir a porta.
Todos se voltaram para Bilsiter.
- Se você não transformou minha esposa em loba, disse o Coronel Hampton, poderia então fazer a gentileza de explicar como ela desapareceu, já que obviamente não poderia ter saído por uma porta fechada? Não vou pressionar você para que explique como um lobo cinzento norte americano apareceu repentinamente na estufa; mas acredito ter o direito de perguntar o que aconteceu com Mrs. Hampton.
A negação reiterada de Bilsiter foi recebida com um murmúrio generalizado de impaciente descrença.
- Recuso-me a permanecer mais uma hora sob este teto, declarou Mavis Pellington.
- Se Mrs. Hampton realmente perdeu sua forma humana, disse Mrs. Hoops, nenhum convidado poderá permanecer aqui. Eu me recuso peremptoriamente a ter uma besta selvagem como anfitriã!
- Não é uma besta selvagem, é uma loba, afirmou Clovis apaziguadoramente.
A etiqueta correta a ser observada em circunstâncias incomuns como essa nem chegou a ser discutida. A entrada repentina de Mary Hampton esvaziou a interessante discussão de imediato.

- Alguém me hipnotizou, exclamou ela, profundamente irritada. - Voltei a mim na despensa, com Lord Pabham atirando torrões de açúcar em minha direção! Eu detesto ser hipnotizada e, além do mais, meu médico me proibiu de comer açúcar.
Os convidados tentaram explicar o que havia acontecido, mas nenhuma explicação parecia fazer sentido.
- Quer dizer então que você realmente me transformou numa loba, Mr. Bilsiter? exclamou Mrs. Hampton, com ar incrédulo.
Infelizmente, Leonard tinha queimado o único barco no qual poderia, naquele momento, embarcar num mar de glória. Ele só conseguia abanar negativamente a cabeça, com ar constrangido.
- Fui eu quem tomou essa liberdade, disse Clovis. Não sei se sabem, mas vivi alguns anos no norte da Rússia, onde tive um contato muito mais profundo com as artes mágicas do que um turista poderia ter. Esses conhecimentos devem ser cuidadosamente guardados; porém, ouvindo tanta tolice e nonsense, é difícil não ser tentado a demonstrar o que a Magia Siberiana pode realizar nas mãos de quem realmente a compreende. Eu cedi a essa tentação. Alguém poderia me dar um conhaque? O esforço sinceramente me deixou meio cansado.
Se Leonard Bilsiter pudesse nesse momento ter transformado Clovis numa barata e depois pisado nela, ele teria prazerosamente realizado as duas operações.

Beasts and Super-Beasts (1914). Tradução e adaptação de Maria Cristina Bessa Lima*.
*Maria Cristina Bessa Lima é tradutora e professora de Literaturas Inglesa e Norte Americana

Complementar:

Rainha Vitória
(1819-1901) – seu longo reinado (1937-1901) testemunhou a consolidação da Revolução Industrial e a expansão do Império Britânico, assim como reformas políticas e transformações sociais em todo o continente europeu. Seu estilo de vida e comportamento moralista influenciaram a sociedade inglesa, dando nome a uma época – a Era Vitoriana.

Era Eduardiana
Período que corresponde ao curto reinado de Edward VII (1901-1910), que precedeu a moderna Casa de Windsor na Inglaterra. De modo geral, a Era Eduardiana se estendeu até 1919, e foi marcada por movimentos sociais, alterações nos costumes, no comportamento e nas expectativas da sociedade. Foi também um momento de imenso crescimento tecnológico, industrialização e produção de bens, levando ao progresso, opulência e excessos que caracterizam esse período. Abrange o período conhecido como Belle Époque, designando o clima intelectual e artístico e o surgimento de novas formas de arte como o Impressionismo e a Art Noveau.

Bridge
Jogo de cartas no qual é usado um baralho comum (sem coringa), com quatro jogadores, dois contra dois. Os naipes obedecem a uma hierarquia: espadas é o maior e paus, o menor. Com relação às cartas, o “ás” tem o maior valor, enquanto o “dois” possui o menor. É um jogo que exige atenção e raciocínio de seus participantes.

The Rubaiayt, de Omar Khayyam
Nome dado à coletânea de quase mil poemas, originalmente escritos na língua persa, atribuídos ao poeta, matemático e astrônomo persa Omar Khayyam (1048-1123).

Mianmar ou Myanmar
Nome atual de Burma (Birmânia, em português), país localizado ao sul da Ásia continental. Antiga colônia inglesa, tornou-se independente em 1948, adotando o nome de União da Birmânia. Em 1989, o regime militar birmanês instituiu a denominação União de Mianmar.

Império Britânico
A denominação passou a ser usada quando a Rainha Vitória foi coroada Imperatriz da Índia. Até meados do século XX, o Império Britânico possuía colônias em todos os continentes, sendo considerado o mais extenso da História.


Oscar Wilde
(1854-1900) - poeta, novelista, contista e dramaturgo irlandês, cuja personalidade e comportamentos polêmicos chocaram a moralista sociedade vitoriana. Dentre suas obras mais lembradas está O Retrato de Dorian Gray (1891). Envolveu-se sentimentalmente com um jovem da sociedade inglesa, e foi levado pelo pai do rapaz à corte, sob a acusação de sodomia. Considerado culpado, foi preso; após cumprir sua pena, transferiu-se para Paris, onde morreu de meningite.

1ª. Guerra Mundial
(1914-1918) - conflito desencadeado após o assassinato do Arquiduque Ferdinando, da Aústria. Confrontaram-se os países que compunham a Tríplice Entente (liderada pelo Império Britânico, França, Império Russo (até 1917) e Estados Unidos (a partir de 1917) e os da Tríplice Aliança (liderada pelo Império Alemão, Império Austro-Húngaro e Império Turco-Otomano), que foram derrotados. Resultou na morte de mais de 19 milhões de pessoas, dos quais 5% eram civis.


O. Henry
Pseudônimo do escritor norte-americano William Sydney Porter (1862- 1910). Seus contos apresentam como características criatividade, jogos de palavras, abordagem humana e finais suspreendentes; é considerado um dos mais importantes contistas norte-americanos da primeira metade do século XX.


Dorothy Parker
(1893-1967) – novelista, poeta, crítica literária e roteirista norte-americana, conhecida por seus comentários caústicos, gracejos contundentes e pela observação aguda das fraquezas dos habitantes dos grandes centros urbanos da primeira metade do século XX.


Graham Greene
(1904-1991) - crítico literário, escritor e dramaturgo inglês. Suas obras, que exploram principalmente os problemas morais e políticos do mundo moderno, incluem romances com temas religiosos (católicos), de política internacional e de espionagem.

Revista Literatura

Um comentário:

Gerardo Cailloma disse...

Tuve oportunidad de leer uno de sus cuentos más agudos y críticos de la sociedad inglesa: TOBERMORY, un gato con el privilegio de hablara, pero que carecía del tino de no hablar más de la cuenta; o sea, hablar la verdad derrumbando las delicadas relaciones sociales mantenidas por las apariencias. Es genial, mordaz, como esos grandes escritores ingleses que retrataron la rígida moral victoriana como Oscar Wilde.