sábado, 23 de janeiro de 2010

Grafites revelam como amavam os romanos

Grafites revelam como amavam os romanos

Ana Lucia Azevedo

O amor é imortal. Pode sobreviver a tudo, até mesmo a cataclismos e ao passar dos milênios. Há um lugar em que essa máxima, já tão clichê, se concretiza. É Pompéia, na Itália. A fúria do vulcão Vesúvio selou o destino da cidade há dois mil anos mas também eternizou sob cinzas e lava as paixões de seus habitantes. As histórias de amor dos homens e mulheres de Pompéia são mais que lembranças. Estão gravadas em pedra, imutáveis. A declaração de um certo Marcos à sua amada Espedusa ainda pode ser lida com nitidez. Assim, como o desesperado pedido de Sucesso pelo amor de Híris. Marcos, Espedusa, Híris, Sucesso e tantos outros tiveram suas vidas destruídas pelo vulcão. Mas continuam a ser personagens de romance, cujo estudo dá novas cores à vida diária da Roma antiga.

O amor em Pompéia está em grafites — do latim graphium , um instrumento usado para fazer inscrições em paredes. Há centenas de grafites amorosos por toda cidade, cuja protetora não era outra senão Vênus, a deusa do amor. Longe de qualquer parentesco com as pichações que sujam as cidades modernas, os grafites de Pompéia eram o jornal da cidade. Tinham de tudo, de críticas a políticos a brigas de vizinhos e versos românticos. Foi nesses últimos que a historiadora Lourdes Gazarini Conde Feitosa encontrou informações para sua tese de doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Lourdes investigou as relações amorosas dos moradores de Pompéia para estudar o povo romano. Não a rica elite, mas a miríade anônima de trabalhadores, escravos, libertos e estrangeiros. A maioria das informações sobre a história social da Roma antiga diz respeito às elites, aos ricos e poderosos. Eles escreviam ou eram o tema dos relatos. O povo romano sempre foi um ilustre desconhecido — diz Lourdes, que baseou seu trabalho no “Corpus Inscriptionum Latinarum”, uma compilação dos grafites pompeianos, já que muitos dos grafites foram removidos para serem preservados. O povo se expressava em grafites e em Pompéia a mesma tragédia que arrasou a cidade congelou no tempo dramas e alegrias cotidianas de comerciantes, taberneiros, advogados, soldados e tantos outros. Conquistada por Roma em 80 a.C., Pompéia ainda guardava muito da cultura osca (seu povo original) e era um lugar de passagem de gregos, judeus, árabes e outros povos. Muitos deles exprimiram nas paredes o que lhes dizia o coração. Foi difícil traduzir os grafites porque muitos misturavam o latim vulgar, mais difícil de traduzir, com o osco, a língua original de Pompéia — observa Lourdes, que explica que os grafites datam em sua maioria do período entre os anos 62 e 79, quando a cidade foi sepultada pelo Vesúvio para só ser redescoberta no século XVIII. Imaginamos que os grafites datam do período posterior a 62 porque naquele ano houve um forte terremoto, que destruiu muita coisa — comenta a pesquisadora.

A vida amorosa dos romanos sempre foi estereotipada. Ora é retratada como devassa, ora como casta. Isso podia valer para as elites em determinados momentos de Roma — esclarece Lourdes. Para o povo, verificou ela, a história era outra. E a maior surpresa foi descobrir que em se tratando de amor, os pompeianos não eram diferentes do que hoje consideramos corriqueiro. É complicado fazer esse tipo de comparação porque se tratam de épocas e valores diferentes. Mas, sim, de certa forma, eles amavam como nós — diz.

O estudo, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp), deu às mulheres de Pompéia um lugar menos submisso do que o imaginado para as romanas de sua época. Muitas das mensagens — algumas delas convites sedutores — foram deixadas por mulheres. O estudo sugere que entre o povo havia mais igualdade entre os sexos — frisa Lourdes, que se prepara para dar continuidade à pesquisa. Material não faltará, pois um terço da cidade ainda precisa ser escavado.

UNICAMP

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