MATAR O PAI
A essa nova moralidade acrescentam-se argumentos tirados da velha moral, cívica e zelosa do patrimônio; razões que ao longo dos séculos do Império farão nascer uma nova ideia, a da maioridade. A passagem à idade de homem já não será um fato físico conhecido por um direito habitual, e sim uma ficção jurídica: de impúbere passa-se a menor legal. Civismo: um jovem que abusou da indulgência em relação a seus prazeres terá perdido a oportunidade — que não encontrará mais — de temperar o caráter; o severo imperador Tibério, ainda por cima estoico, rapidamente mandou seu sobrinho Druso comandar um regimento "porque ele gostava demais dos prazeres da capital"; casar cedo equivalia também a um certificado de juventude não depravada. Os juristas sempre se preocuparam mais com patrimônio que com moral; ora, se a herança paterna demora, um púbere de catorze anos pedirá empréstimos a juros para seus prazeres, pois tem capacidade jurídica para tanto, e acabará devorando de antemão seu patrimônio: os usurários (ou seja, em Roma, todo mundo) "procurarão créditos de jovens que acabam de vestir a toga viril mas ainda vivem sob a rude autoridade do pai". Leis várias vezes renovadas decidiram en- [pág. 37]
tão que aqueles que emprestassem dinheiro a filhos de família perderiam o direito de exigir seus créditos, mesmo após o falecimento do pai; ninguém poderia pedir empréstimos antes de completar 25 anos. Havia outras soluções ocasionais: um avô ou um tio paterno podia manter à força um órfão púbere sob a autoridade de seu pedagogo, se soubesse demonstrar autoridade. Permanecia, no entanto, o princípio de que todo menino púbere órfão de pai se tornava senhor de si mesmo; Quintiliano conta, sem grande espanto, que um nobre de dezoito anos teve tempo de fazer da amante sua herdeira antes de morrer na flor da idade.
Chegamos a um ponto que parece importante e talvez o seja: uma particularidade do direito romano que surpreendia os gregos era que, púbere ou não, casado ou não, um menino permanecia sob a autoridade paterna e só se tornava inteiramente romano, "pai de família", após a morte do pai; ainda mais: este era seu juiz natural e podia condená-lo à morte por sentença privada. Ademais, a capacidade de testador era quase infinita e o pai podia deserdar os filhos. Consequência: um jovem de dezoito anos e órfão institui a amante como herdeira, enquanto um homem de idade madura não pode realizar nenhum ato jurídico com sua própria autoridade se ainda tem pai vivo: "Tratando-se de um filho de família", escreve um jurista, "as dignidades públicas nada contam: ainda que ele seja cônsul, não terá o direito de pedir dinheiro emprestado". Essa é a teoria. E a prática? A prática é moralmente pior.
Juridicamente, sem dúvida, o poder paterno atenuava-se. Não é todo mundo que deserda os filhos, e para isso é necessário primeiro não morrer intestado; o filho privado da sucessão pode tentar anular o testamento nos tribunais; de qualquer modo, só pode ser deserdado em três quartas partes. Quanto à morte do filho por sentença paterna, que desempenha um grande papel na imaginação romana, os últimos exemplos datam de Augusto e indignaram a opinião pública. Continua verdadeiro que uma criança não tem fortuna própria e que tudo que ganha ou recebe em herança pertence ao pai. Mas o pai pode lhe con- [pág. 38]
ceder certo capital, o "pecúlio", do qual disporá como quiser. E depois o pai pode simplesmente decidir emancipá-lo. O filho, portanto, tinha razões para esperar e meios para agir. Tais meios, porém, não passam de expedientes, e essas esperanças constituem outros tantos riscos; psicologicamente a situação de um adulto com pai vivo é insuportável. Ele não pode fazer um gesto sem o pai: concluir um contrato, libertar um escravo, elaborar seu testamento. Tudo que possui, a título precário, é seu pecúlio, exatamente como um escravo. A essas humilhações acrescenta-se o risco de ser deserdado, que é real.
Vamos folhear a correspondência de Plínio: "Fulano instituiu o irmão como seu herdeiro universal, em detrimento da própria filha"; "Sicrana deserdou o filho"; "Beltrano, deserdado pelo pai"… A opinião pública, tão poderosa sobre os espíritos da classe alta, veremos, não censurava automaticamente: julgava. "Tua mãe teve uma razão para te deserdar que era legítima", escreve o mesmo Plínio. Sabemos qual é a demografia de toda sociedade antes de Pasteur: a mortalidade multiplica os viúvos, as viúvas, as mulheres mortas de parto e os novos casamentos; e, como o pai tem liberdade quase total de testar, os filhos do primeiro leito temem uma madrasta.
Servidão final: o filho não pode fazer carreira sem o consentimento do pai; sempre poderá ser nomeado senador, se for nobre, e, sendo um simples notável, senador do Conselho de sua cidade. Mas como pagar as consideráveis despesas que tais honras exigiam numa época em que todo homem público fazia carreira pelo pão e pelo circo? Assim, ele só tratará de se tornar senador ou conselheiro com ordem do pai, que arcará com as despesas necessárias usando o patrimônio da família. Em muito edifício público da África romana, construído à custa dos conselheiros a título de suas honras, lê-se uma inscrição informando que o pai despendeu o dinheiro pelo filho. A consequência disso era que o pai decidia soberanamente entre os filhos; o número de postos no Senado e nos Conselhos das cidades era limitado, e poucas famílias podiam pretender que mais de um de seus filhos neles ingressassem; além do mais, a [pág. 39]
despesa era considerável. O filho que teria a custosa honra de fazer carreira era aquele que o pai escolhesse; não se deixava de exaltar o sacrifício dos outros, felizes por cederem lugar ao irmão. Cabe esclarecer que o direito de primogenitura não existia; em contrapartida, o costume ensinava os mais novos a se curvarem à anterioridade dos mais velhos.
A essa nova moralidade acrescentam-se argumentos tirados da velha moral, cívica e zelosa do patrimônio; razões que ao longo dos séculos do Império farão nascer uma nova ideia, a da maioridade. A passagem à idade de homem já não será um fato físico conhecido por um direito habitual, e sim uma ficção jurídica: de impúbere passa-se a menor legal. Civismo: um jovem que abusou da indulgência em relação a seus prazeres terá perdido a oportunidade — que não encontrará mais — de temperar o caráter; o severo imperador Tibério, ainda por cima estoico, rapidamente mandou seu sobrinho Druso comandar um regimento "porque ele gostava demais dos prazeres da capital"; casar cedo equivalia também a um certificado de juventude não depravada. Os juristas sempre se preocuparam mais com patrimônio que com moral; ora, se a herança paterna demora, um púbere de catorze anos pedirá empréstimos a juros para seus prazeres, pois tem capacidade jurídica para tanto, e acabará devorando de antemão seu patrimônio: os usurários (ou seja, em Roma, todo mundo) "procurarão créditos de jovens que acabam de vestir a toga viril mas ainda vivem sob a rude autoridade do pai". Leis várias vezes renovadas decidiram en- [pág. 37]
tão que aqueles que emprestassem dinheiro a filhos de família perderiam o direito de exigir seus créditos, mesmo após o falecimento do pai; ninguém poderia pedir empréstimos antes de completar 25 anos. Havia outras soluções ocasionais: um avô ou um tio paterno podia manter à força um órfão púbere sob a autoridade de seu pedagogo, se soubesse demonstrar autoridade. Permanecia, no entanto, o princípio de que todo menino púbere órfão de pai se tornava senhor de si mesmo; Quintiliano conta, sem grande espanto, que um nobre de dezoito anos teve tempo de fazer da amante sua herdeira antes de morrer na flor da idade.
Chegamos a um ponto que parece importante e talvez o seja: uma particularidade do direito romano que surpreendia os gregos era que, púbere ou não, casado ou não, um menino permanecia sob a autoridade paterna e só se tornava inteiramente romano, "pai de família", após a morte do pai; ainda mais: este era seu juiz natural e podia condená-lo à morte por sentença privada. Ademais, a capacidade de testador era quase infinita e o pai podia deserdar os filhos. Consequência: um jovem de dezoito anos e órfão institui a amante como herdeira, enquanto um homem de idade madura não pode realizar nenhum ato jurídico com sua própria autoridade se ainda tem pai vivo: "Tratando-se de um filho de família", escreve um jurista, "as dignidades públicas nada contam: ainda que ele seja cônsul, não terá o direito de pedir dinheiro emprestado". Essa é a teoria. E a prática? A prática é moralmente pior.
Juridicamente, sem dúvida, o poder paterno atenuava-se. Não é todo mundo que deserda os filhos, e para isso é necessário primeiro não morrer intestado; o filho privado da sucessão pode tentar anular o testamento nos tribunais; de qualquer modo, só pode ser deserdado em três quartas partes. Quanto à morte do filho por sentença paterna, que desempenha um grande papel na imaginação romana, os últimos exemplos datam de Augusto e indignaram a opinião pública. Continua verdadeiro que uma criança não tem fortuna própria e que tudo que ganha ou recebe em herança pertence ao pai. Mas o pai pode lhe con- [pág. 38]
ceder certo capital, o "pecúlio", do qual disporá como quiser. E depois o pai pode simplesmente decidir emancipá-lo. O filho, portanto, tinha razões para esperar e meios para agir. Tais meios, porém, não passam de expedientes, e essas esperanças constituem outros tantos riscos; psicologicamente a situação de um adulto com pai vivo é insuportável. Ele não pode fazer um gesto sem o pai: concluir um contrato, libertar um escravo, elaborar seu testamento. Tudo que possui, a título precário, é seu pecúlio, exatamente como um escravo. A essas humilhações acrescenta-se o risco de ser deserdado, que é real.
Vamos folhear a correspondência de Plínio: "Fulano instituiu o irmão como seu herdeiro universal, em detrimento da própria filha"; "Sicrana deserdou o filho"; "Beltrano, deserdado pelo pai"… A opinião pública, tão poderosa sobre os espíritos da classe alta, veremos, não censurava automaticamente: julgava. "Tua mãe teve uma razão para te deserdar que era legítima", escreve o mesmo Plínio. Sabemos qual é a demografia de toda sociedade antes de Pasteur: a mortalidade multiplica os viúvos, as viúvas, as mulheres mortas de parto e os novos casamentos; e, como o pai tem liberdade quase total de testar, os filhos do primeiro leito temem uma madrasta.
Servidão final: o filho não pode fazer carreira sem o consentimento do pai; sempre poderá ser nomeado senador, se for nobre, e, sendo um simples notável, senador do Conselho de sua cidade. Mas como pagar as consideráveis despesas que tais honras exigiam numa época em que todo homem público fazia carreira pelo pão e pelo circo? Assim, ele só tratará de se tornar senador ou conselheiro com ordem do pai, que arcará com as despesas necessárias usando o patrimônio da família. Em muito edifício público da África romana, construído à custa dos conselheiros a título de suas honras, lê-se uma inscrição informando que o pai despendeu o dinheiro pelo filho. A consequência disso era que o pai decidia soberanamente entre os filhos; o número de postos no Senado e nos Conselhos das cidades era limitado, e poucas famílias podiam pretender que mais de um de seus filhos neles ingressassem; além do mais, a [pág. 39]
despesa era considerável. O filho que teria a custosa honra de fazer carreira era aquele que o pai escolhesse; não se deixava de exaltar o sacrifício dos outros, felizes por cederem lugar ao irmão. Cabe esclarecer que o direito de primogenitura não existia; em contrapartida, o costume ensinava os mais novos a se curvarem à anterioridade dos mais velhos.
História da vida privada, 1: do Império Romano ao ano mil / organização Paul Veyne ; tradução Hildegard Feist; consultoria editorial Jonatas Batista Neto. — São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
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