terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Império Romano - O FIM DA JUVENTUDE


O FIM DA JUVENTUDE

Enquanto "dá a Sila o conselho de abdicar a ditadura" ou delibera sobre o que a jovem violentada deve escolher, o pequeno romano torna-se púbere. Começam os anos de indulgência. [pág. 34]
Todos sabem: mal colocam pela primeira vez as vestes viris, já vão tratando de comprar os favores de uma serva ou correm para o Suburra, o bairro devasso de Roma; a menos que uma dama da alta sociedade ponha os olhos neles e tenha o capricho de torná-los menos inocentes (a liberdade de costumes da aristocracia romana equiparava-se à do nosso século XVIII). Para os médicos, Celso ou Rufo de Éfeso, a epilepsia é uma doença que se cura sozinha na puberdade, ou seja, no momento em que as meninas têm a primeira menstruação e os meninos fazem amor pela primeira vez; o que significa que puberdade e iniciação sexual são sinônimos para os meninos — a virgindade das meninas continua sacrossanta. Entre a puberdade e o casamento os meninos gozavam, portanto, um período em que a indulgência dos pais era admissível; Cícero, Juvenal, moralistas severos, e o Imperador Cláudio, em suas funções de censor, admitiam que se devia conceder alguma coisa ao calor da juventude. Durante cinco ou dez anos, o jovem frequentava prostitutas, tomava amantes; com um grupo de adolescentes, forçava a porta de uma mulher da vida para uma violação coletiva.
A isso se acrescenta um fato folclórico semioficial: a organização dos jovens numa instituição que lhes é particular. Bem conhecidas na parte grega do Império, as associações de jovens (collegia juvenum) existiam também na metade latina, embora seu papel exato continue obscuro, sem dúvida porque era múltiplo e ultrapassava (já que a juventude tem o sangue quente) as atividades às quais se pretendia limitá-las. Esses moços praticavam esporte, esgrima, caça; sua associação ocorria no anfiteatro para caçar feras, causando grande admiração aos compatriotas. Infelizmente não se atinham a essas louváveis atividades físicas, trasladadas da educação esportiva cara à civilização grega: abusavam de seu nome e de sua posição oficial para promover desordens públicas. Em Roma sempre se reconheceu como um privilégio dos rapazes ricos percorrer as ruas aos bandos, à noite, para espancar ou maltratar os burgueses e destruir um pouco as lojas (o jovem Nero não faltou a tal costume, tanto que quase foi arrebentado por um senador que o bando agrediu e que não re- [pág. 35]
conheceu o imperador entre seus agressores); as associações de jovens pareciam ter reivindicado esse direito folclórico. "Volta de teu jantar o mais cedo possível, pois um grupo muito excitado de moços das melhores famílias saqueia a cidade", lê-se num romance latino. Os mesmos jovens serviam de claque e torcida para as equipes de gladiadores e cocheiros entre as quais se dividiam as preferências do público, cuja paixão esportiva ia até as batalhas organizadas. "Alguns, que usualmente se denominam os Jovens", escreve um jurista, "em certas cidades se tornam torcedores das aclamações turbulentas do público; se sua falta se limitar a isso, primeiro o governador deverá admoestá-los e, se reincidirem, deverão ser açoitados e soltos."
São privilégios da juventude e também privilégios do grupo constituído de jovens. Na hora do casamento, acabam-se as amantes, acabam-se as relações com os favoritos: ao menos é o que afirmam os poetas que compõem os epitalâmios e, nesses cantos nupciais, não têm o menor prurido de evocar as desordens passadas do jovem esposo, garantindo que por ser a noiva tão bela tudo isso terminou.
Tal foi ao menos a primeira moral romana. Mas, ao longo do século II de nossa era, pouco a pouco se difunde a nova moral, que teoricamente pôs fim à outra; fortalecida por lendas médicas (não esqueçamos que a medicina antiga tem mais ou menos a mesma seriedade científica da medicina na época de Molière), essa moral trata de confinar a sexualidade ao casamento, até para os rapazes, e de incitar os pais a conservá-los virgens até o dia das núpcias. O sexo certamente não é um pecado, mas um prazer; só que os prazeres constituem um perigo, assim como o álcool. Portanto, pela saúde, é necessário limitar seu uso e, ainda mais prudente, abster-se por completo. Não se trata de puritanismo, e sim de higiene. Já os prazeres conjugais são outra coisa: confundem-se com a instituição cívica e natural do casamento e consequentemente constituem um dever. Os germanos, que Tácito descreve como Bons Selvagens, "só conhecem o amor tardiamente, tanto que as forças de sua juventude não se esgotam", como ocorre entre nós. Os filósofos, racionalistas [pág. 36]
por vocação, apoiam o movimento, e um deles escreve: "No que concerne aos prazeres do amor, é preciso, tanto quanto possível mardar-se puro até o casamento"; Marco Aurélio, imperador também filósofo, se felicitará por "haver salvaguardado a flor de sua juventude, por não ter feito cedo demais ato de virilidade e ter até mesmo passado do tempo" por não ter tocado nem em seu escravo Teódoto nem em sua serva Benedira, embora sentisse vontade. Os médicos prescrevem a ginástica e estudos filosóficos para tirar dos jovens a energia venérea. Deve-se evitar a masturbação: não que ela propriamente tire as forças, mas faz amadurecer muito cedo uma puberdade que será um fruto imperfeito porque precoce.
História da vida privada, 1: do Império Romano ao ano mil / organização Paul Veyne ; tradução Hildegard Feist; consultoria editorial Jonatas Batista Neto. — São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

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