terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Império Romano - O Casamento


O Casamento


Na Itália romana, um século antes ou depois de nossa era, 5 ou 6 milhões de homens e mulheres são livres e cidadãos; vivem em centenas de territórios rurais (civitas) que têm como centro uma cidade (urbs) com seus monumentos e casas ou domus. Contam-se ainda 1 ou 2 milhões de escravos, que são ou domésticos, ou trabalhadores agrícolas. Sobre seus costumes sabemos apenas que a instituição privada do casamento lhes era proibida e como tal permanecerá até o século III. Consta que essa gente vivia em estado de promiscuidade sexual, com a exceção de um punhado de escravos de confiança que administravam a casa do senhor ou que, servindo ao próprio imperador, eram os funcionários da época. Esses privilegiados tomavam por longo tempo uma concubina exclusiva ou a recebiam das mãos do senhor

COMO SABER SE ALGUÉM É CASADO?


Voltemos pois aos homens livres. Entre eles alguns nasceram livres das justas núpcias de um cidadão e uma cidadã; outros são bastardos nascidos de uma cidadã; outros ainda nasceram escravos mas foram libertados: nenhum deles é menos cidadão e todos podem recorrer à instituição cívica do casamento. Tal instituição é paradoxal a nossos olhos: o casamento romano é um ato privado, um fato que nenhum poder público deve sancionar: ninguém passa diante do equivalente a um juiz ou a um padre; é um ato não escrito (não existe contrato de casa-mento, mas apenas um contrato de dote… supondo que a prometida possua um dote) e até informal: nenhum gesto simbólico, por mais que se diga, era obrigatório. Em suma, o casamento era [pág. 43]
um fato privado, como entre nós o noivado. Então, como um juiz, em caso de litígio por uma herança, podia decidir se um homem e uma mulher eram legitimamente casados? Na falta de gesto ou escrito formais, decidia pelos indícios, como um tribunal para estabelecer um fato. Que indícios? Por exemplo: atos inequívocos, tais como uma constituição de dote, ou gestos que provavam a intenção de ser esposo: o suposto marido sempre havia qualificado de esposa a mulher com quem vivia; ou ainda testemunhas podiam atestar que haviam assistido a uma pequena cerimônia de evidente caráter nupcial. Em última instância, somente os cônjuges podiam saber se, em seu pensamento, estavam casados.
Era fundamental determinar se os cônjuges estavam unidos em justas núpcias; pois o casamento, instituição privada, não escrita e até não solene, era uma situação de fato que criava efeitos de direito: os filhos de tais núpcias são legítimos; tomam o nome do pai e continuam a linhagem; com a morte do pai, sucedem-no na propriedade do patrimônio… se não foram deserdados. Resta precisar ainda uma coisa, para encerrar as regras do jogo: o divórcio. Do ponto de vista do direito, é tão fácil para a mulher como para o marido, e tão informal quanto o casamento: basta que o marido ou a mulher se afaste com a intenção de se divorciar. Às vezes os juristas hesitavam legitimamente: simples desavença ou verdadeira separação? Não era sequer estritamente necessário prevenir o ex-cônjuge, e havia em Roma maridos divorciados de sua única esposa sem o saberem. Quanto à mulher, quer tome a iniciativa do divórcio, quer seja repudiada, deixa o lar conjugal levando seu dote, caso o tenha. Em contrapartida, os filhos, se existem, parece que sempre ficam com o pai.
A cerimônia nupcial implicava a presença de testemunhas, úteis em caso de contestação. Existia o costume dos presentes de casamento. A noite de núpcias desenrolava-se como uma violação legal, da qual a esposa saía "ofendida contra o marido" (que, habituado a usar suas escravas, não percebia bem a iniciativa da violação); comumente ocorria que na primeira noite o [pág. 44]
recém-casado se abstinha de deflorar a mulher, em consideração à sua timidez; nesse caso, porém, tinha a compensação de… sodomizá-la: Marcial e Sêneca pai o dizem proverbialmente e a Casina o confirma. A China também conhecia esse estranho derivativo. Estando grávida, a esposa abstém-se do amplexo conjugal durante toda a gravidez; Eliano e o Pseudo-Quintiliano consideravam natural esse pudor, pois os animais também o têm. Sendo legítimos os prazeres conjugais, os convidados têm o direito e até o dever de enaltecê-los alegremente no dia das bodas. Um poeta chega a prometer em seu epitalâmio uma tarde de amor ao novo esposo: ousadia perdoável no dia seguinte às núpcias; do contrário, fazer amor sem ser à noite constituiria descarada libertinagem.
Por que as pessoas se casavam? Para esposar um dote (era um dos meios honrosos de enriquecer) e para ter, em justas bodas, rebentos que, sendo legítimos, recolheriam a sucessão; e perpetuariam o corpo cívico, o núcleo dos cidadãos. Os políticos não falavam exatamente em natalismo, futura mão-de-obra, mas em sustento do núcleo de cidadãos que fazia a cidade perdurar, exercendo a "função de cidadão" ou devendo exercê-la. Um senador tão pomposo quanto qualquer outro, Plínio, o Jovem, acrescentava na ocasião que havia um segundo modo de fortalecer o núcleo cívico: libertar os escravos que o merecessem e, assim, transformá-los em cidadãos. Imaginemos hoje um ministério da natalidade que naturalizasse os imigrantes…


História da vida privada, 1: do Império Romano ao ano mil / organização Paul Veyne ; tradução Hildegard Feist; consultoria editorial Jonatas Batista Neto. — São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

Um comentário:

Anônimo disse...

[b]Ai eu não gostei muito desse texto não nem ajudou!!!!!!