Por que o brasileiro paga impostos sem chiar?
O senso comum diz que eles são muito altos e mal aplicados. Mas o povo não se revolta. Do economista ao vendedor informal, cada um tem uma teoria para explicar isso
“Parar de pagar pode gerar uma chateação ainda maior.”
Lúcia Luiz Pinto
Socióloga
Porque o povo não entende a quantidade de impostos que paga. Nem tem conhecimento pleno de que, quando compra cachaça, roupa, comida, esses produtos estão lotados de impostos. Ao contrário do que se diz, não existe uma população à margem da economia. Mesmo o mendigo, a criança de rua, compram seus cigarros, sua comida, e, portanto, pagam impostos.
Já nós, da classe média, os mais afetados pela carga de impostos, temos consciência disso. Mas acho que não reagimos porque não sabemos onde nem como reclamar. Que medida se pode tomar? Parar de pagar? Isto pode gerar uma chateação ainda maior.
Outra questão é que há impostos demais. Em alguns países funciona o imposto único. Aqui você não sabe quanto paga, no meio de tantas taxas e contribuições. Nem para onde vai o dinheiro. O IPTU poderia ter seus efeitos percebidos; afinal, a municipalidade está mais perto do cidadão. Por que toda a turma do Leme, no Rio de Janeiro, não se juntou e decidiu parar de pagar os 1.500 reais anuais de IPTU quando ficou impedida de sair de casa por causa de confrontos no Morro da Babilônia, vizinho ao bairro?
Acho que o problema é mesmo o desconhecimento e a impressão de que as coisas são assim mesmo, de que não adianta reagir.
“Os argentinos vão para a rua bater lata, quebrar tudo.”
Tande
Atleta e empresário
A gente paga protestando, mas não se une para protestar. Os impostos são altos demais e o dinheiro não chega onde tem que chegar. Imposto deveria significar retorno, e a gente não tem nenhum. É revoltante ver as manchetes dos jornais sobre tantos roubos na política, desvio de dinheiro público e falta de punição dos culpados. Você começa a não acreditar mais no país. Como empresário, posso dizer que remamos contra tudo: uma carga de impostos gigante e as dificuldades de cumprir os direitos trabalhistas, até contra empregados mal-intencionados, que sempre ganham na Justiça. Por isso você vê essa quantidade de empresas falindo. Não têm como se manter.
A indignação deveria nos unir para reivindicar, cobrar do governo na devida proporção. Mas há um certo comodismo, “eu cuido do meu, você cuida do seu”. Os argentinos, por muito menos, vão para a rua bater lata, quebrar tudo. Não digo que a saída seja pela violência, mas com isso eles conquistam o respeito de quem está comandando. O governo tem que ter respeito pelo povo, que paga os salários dele e trabalha para que a máquina gire.
“Os tributos das empresas são pagos pelo consumidor”
José Marcos Quintella
Procurador da Fazenda Nacional
Porque ele não sabe o quanto paga. Há uma variedade enorme de incidências tributárias, tanto na produção como no consumo, que passam despercebidas ao cidadão comum. Os tributos pagos pelas empresas representam um custo que é repassado ao preço dos bens, e acaba sendo pago pelo consumidor final.
A organização tributária no Brasil é muito complexa. E não só aqui. Até nos países ditos desenvolvidos é assim. A sociedade contemporânea, de massa, é complexa, e isto se reflete na tributação. Existe um emaranhado de normas de diferentes hierarquias, emanadas por todas as esferas estatais. Quanto mais complicado o sistema, mais difícil é para o cidadão comum entender quanto paga, para quem paga e por que paga.
Mas há um movimento crescente na sociedade para tornar mais transparente a questão tributária. É o caso do “De Olho no Imposto” [www.deolhonoimposto.com.br/], que defende a discriminação de todos os tributos na nota fiscal. Eles recolheram assinaturas e encaminharam um projeto de lei ao Congresso sobre isso. Saber o quanto paga e para quem vai aquela quantia pode melhorar a percepção do contribuinte quanto ao destino do dinheiro quando manipulado pelas autoridades governamentais. A informação também quebrará a idéia de que somente os ricos ou remediados pagam tributos (Imposto de Renda, IPTU, IPVA). Grande parte da arrecadação incide sobre o consumo e recai de maneira idêntica sobre ricos e pobres. Isto é injusto, considerando a enorme diferença na capacidade contributiva de cada grupo.
“Os políticos têm a gente na mão.”
Antônio Carlos do Espírito Santo
Vendedor ambulante
Por falta de conhecimento daquilo que está pagando. Às vezes o brasileiro vai comprar uma televisão numa loja, está pagando um absurdo de imposto e não sabe. Eu mesmo sou um. Pago vários impostos, com certeza, e não tenho conhecimento.
Imposto só serve para encher o bolso dos políticos. Não deveria ser assim. Os impostos pagos ao Detran, Duda e IPVA, eram para ser colocados nas estradas. Você vê algo sendo feito nas estradas? Os políticos têm a gente na mão. Você vê que eles são detidos e um dia depois estão na rua, fazendo a mesma coisa. Exemplo disso é o Collor, que alguns anos atrás roubou pra caramba o dinheiro de muitos, e hoje foi reeleito. Era para estar preso.
E o brasileiro não reage porque é um povo acomodado em tudo. Até na hora de ir buscar algo que vai trazer benefício para ele, se acomoda. É da cultura. Para mudar isso, só estudando. Eu me reuniria com algumas pessoas que têm o mesmo pensamento que eu, nós íamos estudar algo que pudesse ser feito. Mas hoje, se alguém me chamasse para fazer alguma coisa contra os impostos, ele ia ter que fazer sozinho. Porque eu não sei o que fazer.
“O esperneio é silencioso e eficaz.”
Gustavo Franco
Economista
Não concordo: é preciso apenas atentar para a natureza do esperneio, que é silencioso e eficaz, e toma a forma da informalidade.
Esta “malandragem” tem raízes muito antigas, que remontam ao ato patriótico de enganar o colonizador. Nossa independência, como feita, não redefiniu a relação estado – sociedade tal como vista do ângulo dos impostos. Contrariamente ao que se deu nos Estados Unidos, a independência não foi uma revolta contra impostos, mas apenas um acordo através do qual as lideranças locais cobrariam os mesmos impostos e ainda pagariam uma indenização para Portugal. A malandragem tinha todos os motivos para continuar, pois os impostos continuaram opressivos e o Estado inchado, cada vez mais inchado.
O Estado nasce maior que a Nação, e assim permanece ainda por muito tempo. Talvez a hiperinflação tenha sido a crise do impasse, e só agora estejamos experimentando essas questões referentes ao tamanho do Estado dos impostos. Demorou um bocado para chegarmos no ponto de organizarmos fóruns como este...
Revista de História da Biblioteca Nacional
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