domingo, 19 de abril de 2009

Das coxias ao palco


A transformação da praia em um centro de lazer
Roberto Kaz

A praia é vista hoje como um palco de lazer. Não foi sempre assim: no fim do século XIX, o Rio de Janeiro não tinha sistema de esgotos. O mar era um grande depósito de lixo a céu aberto, como apontou, em 1883, o visitante francês Toussaint Samson: “As margens da baía (de Guanabara) não passavam de um vaso infecto, em que toda espécie de detrito apodrece, espalhando emanações nauseabundas. Essa foi a primeira desilusão. As praias, que de longe nos pareciam tão belas e perfumadas, eram os receptáculos das imundícies da cidade”.

Só no século seguinte o mar se tornaria protagonista entre as opções de lazer dos cariocas. Até então, a cidade foi sendo construída como se o litoral fosse um acidente geográfico a ser contornado. Aterraram-se as areias do Centro, da Glória e do Caju. O prefeito Pereira Passos pavimentou as praias do Flamengo e de Botafogo para fazer a Avenida Beira-Mar. O mar era a coxia da cidade.

No século XIX, nosso padrão de beleza ainda era o europeu: quanto mais branco, melhor. Repudiava-se qualquer mancha na pele que pudesse desvirtuá-lo: o sol era absolutamente execrado. Victor Andrade de Melo cita no texto “Mar e Remo no Rio de Janeiro do Século XIX” que “havia um separador que colocava homens e mulheres distantes na praia. As mulheres ‘de respeito’ tomavam banho de madrugada, ainda sem sol, e usavam uma indumentária muito pesada.”

Nessa época, ir à praia implicava vestir-se. Os homens usavam camisetas de manga e calções de lã que iam até abaixo dos joelhos. Já as mulheres, segundo relato de Luiz Vieira de Carvalho, um dos primeiros moradores do bairro do Leme, próximo a Copacabana, “usavam um pesado uniforme de fazenda escura e grossa, casaco que ia até o meio das pernas, com gola de marinheiro. As calças, muito folgadas, eram apertadas nos tornozelos e os sapatos, brancos, eram de lona. Usavam também toucas cobrindo a testa e as orelhas.”

No século XX, o Rio de Janeiro se expandiu em direção a Copacabana. À medida que o bairro foi sendo povoado, a praia passou a ocupar papel primordial na cultura da cidade – e o carioca passou a empetecá-la com apetrechos. Conta-nos o cronista Carlos Eduardo Novaes, em Cem anos de praia, que “a toalha apareceu em 1902, levada pelo barbeiro inglês Wallace Green, que fora fazer a barba de seu patrão, dono da Royal Mail Steam Co., ali onde hoje é o Copacabana Palace.” E completa: “Somente oito anos depois da toalha é que surgiu a barraca. Admite-se que o primeiro modelo não passava de um modesto guarda-chuva. Foi introduzido em Copacabana por Firmino Gurgel, nacionalidade desconhecida, dono de uma fábrica de polainas, que só ia à praia nos dias em que o Serviço de Meteorologia anunciava ‘pancadas esparsas’”.

E assim, cada vez mais, a praia se consolidou como um ponto de lazer – para terror das águas-vivas, dos siris-chita, das marias-farinha e dos tatuís – até então, o grosso da população litorânea.

Roberto Kaz é repórter da Revista de História da Biblioteca Nacional

2 comentários:

Unknown disse...

Residente à praia de Copacabana, acrescento que,a praia de Copácabana desde que comecei a frequentar era tranquila. Uma das mis belas praias do mundo. Com a política demagógica do Brizola, que entendeu que a Baixada deveria descer para frequentar esta praia, nós, moradores pagamos um imposto altíssimo, e não mais podemos frequentá-la. Não discrimino o povo da Baixada, mas os que vem , não trazem o intuito da diversão e sim da balbúrdia.
Assim sendo os maiores contribuidores de IPTU do Rio de Janeiro, viram-se de uma hora para outra impedidos de frequentar a praia, principalmente aos domingos.
Isto é apenas um pequeno detalhe.
Arrastões, brigas, e muito, mas muito mais.

Uma pena!

Abraços

Mirse

Bia Unruh disse...

E lá a História dá as suas voltas...
Do preconceito dos bronzeados, passa a ícone de sol e pouca roupa, e, ironia do destino, logo todos terão de usar muita roupa novamente, pois o sol causticante pode causar câncer de pele...

Bjs
Perséfone