Os Passeios Públicos eram uma diversão reservada e nobre
Janaína Lacerda Furtado
No fim do século XIX, a alta sociedade carioca foi tomada pela “febre” das reuniões, dos bailes, das festas e dos passeios ao ar livre. Em pouco tempo a cidade viu a inauguração de cafés, bares e do primeiro aquário público de água salgada. No século seguinte surgiram o Teatro Cassino (onde ainda funcionava uma casa de jogos) e o Cassino Beira-Mar – atrativos que davam à cidade um ar “civilizado”, como pregava a reforma urbana e sanitária em voga naquele momento.
Mas no século XVIII o ideal de diversão era outro, e bem mais reservado e tranqüilo. Os espaços para passeios ao ar livre eram os preferidos da população. Por ordem do vice-rei D. Luís de Vasconcellos, o Passeio Público do Rio de Janeiro – primeiro jardim público do país – foi projetado em 1773 por Mestre Valentim. A inauguração ocorreu dez anos depois, valorizando uma área para onde a cidade se expandia, em direção à atual Zona Sul, região nobre.
O Passeio Público deveria dar à capital do Império um ar moderno, mostrando que ela, assim como as cidades européias, vivenciava uma expansão cultural. O projeto foi baseado nos jardins franceses, com linhas retas, muros altos e grades de ferro. Ironicamente, apesar de se chamar Passeio Público, durante anos o acesso foi restrito à alta sociedade. Somente em 1793 o parque se tornaria um passeio público de fato.
Em 1862, o local foi reformado pela primeira vez, segundo projeto do francês Auguste François Marie Glaziou, principal paisagista do Império. Nessa época, o Rio de Janeiro passava por uma série de mudanças, sobretudo nos hábitos sociais da elite. A capital deveria espelhar a grande nação que era o Brasil (ou que estava em vias de ser, pensavam); era preciso torná-la salubre, bela, harmoniosa e cosmopolita. Inspirado nos jardins ingleses do início do século XIX, o novo desenho do parque substituiu as linhas retas por curvas, acrescentando lagos e plantas exóticas. O projeto incluía ainda a construção de bares e cafés. Assim, no final do século XIX, o Passeio era um local aonde as famílias da alta sociedade iam no fim da tarde. Ali também, os poetas, artistas e escritores buscavam inspiração na linda vista da baía. Cavalheiros podiam ser encontrados nos cafés e bares debatendo os assuntos em voga na Europa e na capital do Império.
O Passeio Público carioca agradou tanto que inspirou projetos semelhantes em outras cidades, como Curitiba. O parque da cidade paranaense seria criado em 1866 por Alfredo D`Escragnolle Taunay para servir de ponto de encontro e de lazer familiar. Também baseado nos jardins franceses, seu portão com grade de ferro, como o carioca, é inspirado no Cemitério de Cães de Paris.
O século XX trouxe mudanças nos hábitos de lazer do carioca, que passou gradativamente a eleger outros locais para descanso e recreação. As opções de diversão “privada”, como playgrounds, quadras e piscinas – geralmente dentro de prédios – aumentaram, parques como o Passeio Público já não representam mais o ideal de lazer das elites. Hoje, ficaram praticamente restritos aos subúrbios, onde são mais comuns.
Janaína Lacerda Furtado é pesquisadora do Museu de Astronomia
Revista de Historia da Biblioteca Nacional
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