Deveria ter sido o primeiro e último, mas as duras condições impostas aos derrotados acabaram gerando um segundo conflito, ainda mais devastador
Luis Felipe da Silva Neves
Naquela tarde de 28 de junho de 1914, ninguém desconfiava que os projéteis que haviam acabado de tirar a vida do príncipe herdeiro do trono imperial de Viena, o arquiduque Francisco Ferdinando, e de sua esposa na cidade bósnia de Sarajevo seriam o prólogo do conflito mais terrível ocorrido até então na Europa. Mas bastaria ser um observador arguto para perceber que o continente havia tempo estava assentado sobre um barril de pólvora.
As constantes tentativas dos pequenos reinos balcânicos de se livrar do domínio austro-húngaro, buscando nos russos apoio e proteção, eram um dos fatores responsáveis pelo aumento da pressão na Europa. Havia ainda problemas de fronteira entre Alemanha e França, pois Paris desejava recuperar a região da Alsácia-Lorena, cedida ao império germânico após a derrota na guerra de 1870. Além disso, a corrida expansionista das principais potências na África e na Ásia seria um combustível para a deflagração do conflito.
Todas essas hostilidades levaram à formação de dois blocos: a Tríplice Aliança (Alemanha, Áustria-Hungria e Itália) e a Tríplice Entente (Grã-Bretanha, França e Rússia). Diante do clima belicoso, as potências desenvolveram rapidamente suas indústrias de armamentos: se havia paz, só podia ser – como foi sucessivamente definida – uma “paz armada”.
Foi assim que os tiros dos nacionalistas bósnios acabaram arrastando, em poucas semanas, vários países para o conflito. Acusando o governo da Sérvia de proteger os responsáveis pelo atentado, o Império Austro-Húngaro declara guerra ao país, o que provoca uma resposta da Rússia. Com a mobilização do enorme exército do Império Russo, não restava alternativa para os alemães a não ser lutar. Seu plano bélico, conhecido como “Schlieffen”, elaborado pelo antigo chefe do Estado-Maior do Exército do II Reich, Alfred Von Schlieffen (1833-1913), implicava uma rápida vitória contra os franceses, antes que os russos, mais lentos, pudessem ameaçar suas fronteiras orientais. O ataque alemão à França, passando pela Bélgica, leva também os ingleses à guerra.
O conflito passou a ter de um lado as chamadas potências centrais, os impérios alemão e austro-húngaro, e do outro, os Aliados – anglo-franceses, a Rússia, a Sérvia, a Bélgica, posteriormente também a Itália, que abandona sua antiga aliança em troca da promessa de recuperar da Áustria alguns territórios, e países de menor importância, como Romênia, Portugal e o próprio Brasil. Em abril de 1917, os Estados Unidos, até então com participação fundamental como fornecedor de matérias-primas e acabadas, entram na guerra do lado dos aliados, representando uma inesgotável fonte de recursos humanos, então em grave escassez. As potências centrais seriam reforçadas ainda pela Turquia e pela Bulgária.
No Extremo Oriente, o Japão engrossa as fileiras aliadas, tomando quase que de imediato as colônias alemãs na China. Não faltou também luta na África, no território das colônias. Tratava-se de uma guerra mundial.
No começo da guerra, em agosto de 1914, houve júbilo em várias capitais: filas de voluntários, mulheres colocando rosas nos canos das carabinas e até sinos de igrejas badalando em comemoração. Nos impérios centrais, a palavra de ordem era “a Paris”, enquanto entre os anglo-franceses e russos bradava-se “até Berlim”. Havia a certeza em ambos os lados de que a guerra terminaria antes do fim do ano, resumindo-se a rápidas e decisivas batalhas de cavalaria.
O plano alemão previa um rápido avanço através da neutra Bélgica e a tomada de Paris, para depois cuidar dos russos. Do outro lado, entre a maioria do alto-oficialato aliado, havia a crença vã de que os ataques sempre venceriam as defesas. No entanto, conflitos anteriores deixavam claro que as defesas tendiam a superar os ataques com as novas armas de repetição, posicionadas atrás de arame farpado e de casamatas. A Grande Guerra será a guerra do arame farpado, da pá e da arma de repetição – sem falar nos ratos e piolhos que infestaram as trincheiras.
A primeira fase da guerra é conhecida como “batalhas das fronteiras”, com os alemães avançando, a despeito de inúmeras baixas, e empurrando o grosso do exército francês e também a Força Expedicionária Britânica até as portas de Paris. No início de setembro, porém, os alemães são detidos na batalha do Marne. No episódio, que ficou conhecido como o “milagre do Marne”, todos os táxis parisienses foram requisitados, em medida de emergência, com o objetivo de levar soldados para o front e salvar a capital.
A etapa seguinte seria a “corrida para o mar”, com os dois exércitos avançando paralelamente rumo ao norte, até o Canal da Mancha. A esta altura, quase no fim de 1914, estabeleceu-se uma linha de trincheiras que ia da fronteira suíça até o Mar do Norte. Era o fim da primeira fase da guerra de movimento, que só seria retomada a partir da primavera de 1918, último e mais sangrento ano do conflito.
De novembro de 1914 até março de 1918, a maior parte da guerra foi um grande impasse de trincheiras, ao custo de milhões de vidas, principalmente dos aliados, que forçaram mais ataques do que os alemães. Estes dominavam boa parte do território francês, incluindo as terras mais altas, melhores para serem defendidas e ótimas para observação.
Do lado inglês, as autoridades estavam divididas. Alguns líderes, como Winston Churchill (1874-1965) e David Lloyd George (1863-1945), eram favoráveis a ataques contra o inimigo para abrir outras frontes de batalha, principalmente na Europa Oriental. Chamados por isso de “orientalistas”, eles procuravam evitar a chacina sem resultados no front ocidental. A decisão, porém, resultou no fiasco dos Dardanelos em 1915, quando forças navais e terrestres tentaram sem êxito algum conquistar os estreitos turcos. Nessa ocasião foram fartamente usadas tropas da Austrália e da Nova Zelândia. Em 1916 houve outra fracassada experiência dos orientalistas na tentativa de invasão de Salonica. Com isso, os “ocidentalistas” venceram o debate interno e a carnificina no front ocidental não só continuou como tomou proporções gigantescas.
Na frente oriental, os russos tiveram, logo no início, derrotas acachapantes, como em Tannenberg (1914) e nos Lagos Masurianos (1915), ficando em desvantagem crescente diante dos melhores, mais bem treinados e equipados exércitos alemães.
O ano de 1916 é chamado de o ano das batalhas. O ataque a Verdun, na França, foi uma tentativa alemã de “fazer a França sangrar”, como se dizia em Berlim. Mas os alemães sangrariam tanto quanto os franceses – o confronto deixou um saldo de um milhão de soldados mortos.
A batalha do Somme representou o auge da insensatez. O ataque planejado pelo comandante da Força Expedicionária Britânica, sir Douglas Haig (1861-1928), foi precedido de um dos maiores fogos de artilharia vistos na guerra. De nada adiantou, pois os alemães tinham um bom sistema de abrigos subterrâneos, escapando quase incólumes. Uma vez findo o canhonaço, o exército germânico retomou suas posições de defesa, e somente na manhã do primeiro dia da batalha infligiram aos britânicos mais de 50 mil baixas, 20 mil delas fatais. Foi uma carnificina raramente igualada e talvez a maior derrota sofrida pela Inglaterra.
No mar, ainda em 1916 ocorreria a maior batalha da guerra, a da Jutlândia, ao largo do litoral da Dinamarca. Desde o final do século XIX o Império Alemão havia decidido construir uma frota de alto-mar para rivalizar com a dos ingleses, que havia muito era a maior armada do mundo. Durante a guerra, os ingleses mantiveram uma superioridade de mais ou menos 28 contra 20 navios couraçados. A iniciativa do ataque alemão foi do almirante Von Tirpitz (1849-1930). O oficial concebeu a “Riskeflotte” (frota de risco), isto é, uma frota não tão poderosa quanto a inglesa, mas suficientemente forte para, num ataque em larga escala, mesmo se destruída, infligir tamanhas perdas aos britânicos que estes deixariam de ter a supremacia naval. O resultado da batalha foi que a Alemanha chegou a afundar mais navios, mas os ingleses acabaram ficando donos do campo de batalha e escorraçaram os inimigos até os seus portos.
Os submarinos alemães foram armas muito importantes de ataque contra os aliados. A implementação do sistema de comboios, porém, com a escolta de navios de guerra, conseguiu evitar que a frota de navios comerciais ingleses fosse aniquilada pelos torpedos inimigos.
Usados inicialmente como meios de reconhecimento, os aviões logo receberam metralhadoras. Nos primeiros embates aéreos, ficaria claro que a melhor forma de se atingir um avião adversário era o fogo direto, para frente. Mas como atirar para frente se havia uma hélice diante das armas? O piloto francês Roland Garros (1888-1918) inventaria um sistema rudimentar, colocando placas de aço nas hélices para desviar os projéteis. Era um paliativo.
Quando os alemães aprisionaram um desses aviões inimigos, o holandês Anthony Fokker (1890-1939), a serviço dos germânicos, desenvolveu um aparelho de sincronização, permitindo que o fogo das metralhadoras parasse no momento em que a hélice passava. Foi uma verdadeira revolução na guerra aérea. Com os Fokker E, criados em 1915, os alemães conquistaram a supremacia aérea de tal maneira que os ingleses apelidaram seus próprios aparelhos de “Fokker Fodder” – literalmente, “ração de Fokker”. Com o passar dos anos, os aliados equipararam e superaram o poderio aéreo inimigo, sobretudo pelo número maior de aeronaves.
Outros instrumentos aéreos usados principalmente pelos alemães eram os dirigíveis, enormes e lentos navios do ar. Mesmo ultrapassados, foram eles que lançaram as primeiras bombas sobre Londres, causando poucos danos, mas provocando ondas de pânico na população.
A Grande Guerra foi a primeira guerra total da História, com engajamento dos civis, inclusive das mulheres, na produção bélica. Elas passariam também a desempenhar papéis até então considerados masculinos, como dirigir bondes, ônibus e trens.
Em 1917, os exércitos anglo-franceses foram novamente rechaçados quando tentaram romper as sólidas linhas de defesa alemãs. Os fracassos serviriam de mote para greves dos soldados, que se negavam a fazer ataques fadados ao insucesso. Eles, porém, não abandonaram suas trincheiras e se mantiveram de prontidão para um ataque alemão. Philippe Pétain (1856-1951), o general francês vencedor de Verdun, assumiu o comando, e à custa de umas dezenas de fuzilamentos, restaurou a ordem em suas tropas. Mas estas já não estavam mais preparadas para um ataque de peso.
Sono, cigarros, comida, bebida e mulheres: estas eram, pela ordem, as prioridades dos soldados nas trincheiras. Para isso havia os “estaminets” – mistura de bar, restaurante e bordel. A vida nas trincheiras, no entanto, era realmente infernal. Dormia-se, ou melhor, tentava-se dormir de dia, pois qualquer movimento acima do topo dos abrigos podia representar morte repentina pelos franco-atiradores. Os ratos, do tamanho de gatos – pois para eles não faltava carne humana fresca–, atazanavam a vida dos soldados. Outra praga eram os piolhos. Dizia-se que, ao chegar de uma estação sanitária de eliminação de piolhos, bastava alguém se deitar no terreno para ficar infectado novamente.
Quanto às armas mais usadas, elas eram o canhão, responsável por 68% do total de baixas, a metralhadora e o instrumento básico do soldado, o fuzil de repetição. O gás, apresentado por muitos autores como uma arma terrível, mortal, foi responsável somente por cerca de 3% das baixas, a maioria passível de tratamento, como foi o caso do próprio Adolf Hitler (1889-1945).
Em 1917, na Rússia, o império do czar foi derrubado pela revolução de fevereiro, à qual se seguiu, em outubro, a vitória do partido bolchevique. Alguns meses depois, a paz foi assinada a contragosto por Leon Trotski (1879-1940), a mando de Lenin (1870-1924), em Brest-Litovsk, no início de 1918.
Esse fato liberou dezenas de divisões alemãs para o front ocidental, e em março começou o que é chamado de “Ofensivas da Primavera”, última tentativa da Alemanha para vencer a guerra. Em pouco tempo, o número sempre crescente de soldados americanos que chegavam à França tornaria inevitável a vitória aliada.
Com o passar dos meses, as ofensivas germânicas cederam a ponto de um general alemão prever a derrota quando suas tropas pararam o ataque para saquear os bem nutridos depósitos britânicos capturados. O alemão tinha fome, pois sofria um severo bloqueio econômico. A guerra era dos ricos aliados.
Apoiadas pelos americanos, as forças anglo-francesas romperam as linhas inimigas, e as tropas alemãs se renderam em grande número. No começo de novembro, as monarquias austro-húngara e alemã já não existiam mais. Com o kaiser Guilherme II (1859-1941) em fuga, o governo republicano provisório assina o armistício com os aliados. Era o dia 11 de novembro de 1918, a Grande Guerra acabava deixando um rastro de cerca de dez milhões de mortos.
A herança do conflito resultou num terremoto político: se em 1914 havia quase vinte impérios e reinos e somente três repúblicas, em 1918 o quadro quase se inverteu. Os tratados de paz impuseram condições muito duras para os Estados derrotados, particularmente para a Alemanha. Esta seria uma das causas da guerra ainda mais devastadora que vinte anos depois incendiaria o mundo.
Luis Felipe da Silva Neves é professor de História da Universidade Federal Fluminense e autor da dissertação “A FEB – Força Expedicionária Brasileira – uma perspectiva histórica” (UFRJ,1992).
Tanque Furado – Apresentado por alguns como arma decisiva, o tanque, por diversos fatores, não o foi. Era ainda precário mecanicamente, não ia longe, e desde a sua primeira utilização no Somme pelos ingleses, em 1916, não conseguiu o que dele se esperava: destruir as trincheiras alemãs. Logo produzido em bom número pelos franceses, foi praticamente ignorado pelos alemães, que só construíram 20 monstros com uma tripulação de 18 soldados. O que se pode dizer de mais importante da nova arma é que deixou sementes para que os nazistas a usassem com sucesso na blitzkrieg (guerra-relâmpago) do segundo conflito mundial.
Saiba Mais - Bibliografia:
FERRO, Marc. História da Primeira Guerra Mundial. Lisboa: Ed. 70, s/d.
KEEGAN, John. História Ilustrada da Primeira Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
KEEGAN, John. Agosto de 1914. Rio de Janeiro: Renes, 1978.
Revista de Historia da Biblioteca Nacional
Um comentário:
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Bjoos
Thaís Brito
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