segunda-feira, 6 de abril de 2009

Israel - Os momentos decisivos da concretização de um sonho

Arquitetada por Ben-Gurion, a Declaração de Independência de maio de 1948 finalmente cria o Estado judeu e deflagra guerra aberta contra os árabes
por Michel Bar-Zohar
© CORNELL CAPA PHOTO BY ROBERT CAPA © 2001 / MAGNUM PHOTOS

A celebração popular em Telavive, depois do anúncio.14 de maio de 1948

O mandato terminará legalmente à meia-noite e 1 minuto na noite do dia 14 para o dia 15 de maio. Assim sendo, Sua Excelência, o alto-comissário, deixará Jerusalém na data de 14 de maio e embarcará para Haifa no H.M.S. Euryalus, que zarpará à meia-noite. A evacuação de nossas tropas de Jerusalém e das outras regiões da Palestina começará igualmente em 14 de maio.” Esta sucinta mensagem à imprensa do governo inglês, em 12 de maio de 1948, colocava o ponto final nos 30 anos de reinado da Coroa britânica na Palestina. Executava recomendações da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas. No território, frente a frente, ficaram 650 mil judeus e, por toda volta, milhões de árabes.

No final de março, quando o abismo da catástrofe militar se abria sob os pés dos judeus, eram poucos os dirigentes sionistas decididos a proclamar a independência. Mas em 10 de abril, por 40 votos a 10, o poder executivo sionista, reunido na Palestina, aprovou a divisão formal do território e difundiu um apelo patético pedindo aos árabes que cooperassem com o futuro Estado. Para a ONU, a situação estava confusa; as pressões tendiam a anular a decisão de divisão. A delegação americana apresentava inúmeros projetos de cessar fogo e de governo provisório. Os judeus tiveram vitórias militares em abril, mas não definitivas. A estrada de Jerusalém estava interrompida. Mais grave era a entrada na batalha da legião árabe de Abdallah, o maior exército do Oriente Médio. No final do mês, a presidência da ONU propôs um armistício entre judeus e árabes, com a aprovação de eminentes líderes como Moshé Shertok e Eliezer Kaplan, o que significava abandonar projetos da formação do Estado até nova ordem. Os Estados Unidos insistiam: “Não proclamem a independência!”.

Nas reuniões do Estado-Maior dos judeus, entre outras providências, preparava- se a criação de uma força aérea, com a compra de aviões. Os encontros eram no escritório de Ben-Gurion, na “Casa Vermelha”. A criação do Estado estava na ordem do dia. Restava saber se os civis aceitariam os riscos. A maioria dos líderes operários estava reticente ainda no início de maio. Havia quem articulasse no sentido contrário junto a autoridades dos Estados Unidos, onde o ministério das Relações Exteriores insistia no armistício. Os EUA deixavam bem claro que não poderiam oferecer socorro.


JEWISH NATIONAL FUND PHOTO ARCHIVE

Ben-Gurion fala ao povo em Haifa, em 1949

Ben-Gurion trabalhava a favor da Declaração de Independência. Conseguiu a anuência de Moshé Shertok, líder do Mapai, o partido operário. Ao mesmo tempo então, foi informado de que Golda Meyerson, chefe do departamento diplomático da Histradrut, a central dos trabalhadores, recém-chegada de uma missão no exterior, conseguira arrecadar fundos para a Haganá, a resistência armada clandestina. A busca de recursos para a compra de armamentos tornava-se fundamental, pois se exauriam as esperanças de contar com aliados entre os inimigos em potencial. Houve tempo em que pareciam fundadas, no caso da Jordânia e do Marrocos.

Confiante, porém, na vitória, Ben-Gurion se preparava para o momento crítico. Sabia que se desistisse, o sonho de um Estado judeu talvez fosse enterrado. Na noite de 11 de maio convocou a seu gabinete todo o Estado-Maior. Na manhã seguinte, começou a invasão do território judeu pela legião árabe: eram 1.500 homens, apoiados por tanques e canhões. Horas mais tarde um funcionário inglês leu o comunicado anunciando a próxima partida do alto-comissário.

Eram necessários nervos sólidos para resistir ao ataque lançado contra Ben- Gurion durante a sessão extraordinária do Comitê de Defesa convocado naquela manhã. Choviam acusações de totalitarismo e de sabotagem, em razão da disputa em torno do posto-chave da Haganá – ele o desejava e acusou os golpes. Limitou-se a repetir que só aceitaria a pasta da Defesa após ter satisfeito seu objetivo quanto ao exército único. E, enfático: “Sobre certas questões, fazem contra mim uma campanha de chantagem e mentiras. Não vou desmenti-las nem refutá-las; os interesses da Defesa obrigam-me a me calar”.

Mesmo, porém, as questões internas de relevância foram riscadas da ordem do dia, mais adiante decidida em reunião do Conselho dos Treze, o governo provisório em plena vigência. Tratava-se de aprovar ou rejeitar de vez o projeto de proclamar o Estado em 72 horas, ao final do mandato britânico. A cúpula discutiu durante mais de 12 horas. Ponto por ponto, em sua alma e consciência, cada um dos membros do Executivo iria se pronunciar e passar ao voto. Informações alarmantes davam conta de uma ameaça americana de bloquear os fundos sionistas. A ONU, a França, os Estados Unidos e a Inglaterra propuseram soluções de última hora, como o armistício.

Ben-Gurion apresentou suas conclusões: “Se chegarmos a aumentar nossos efetivos graças à intensificação da mobilização e à contribuição da imigração, se nós acelerarmos o treinamento de nossas forças e completarmos nosso armamento, teremos condição de resistir e até de vencer”. Não sem perdas, admitiu: “Nossa comunidade não pode esperar resolver o problema sem sacrifícios”. Exortou à destruição das tropas inimigas, quando havia grande temor diante da força do exército de elite oponente. Ele impressionou seu auditório. Por 6 votos contra 4 (três dos membros do Conselho estavam ausentes), o armistício foi repudiado. A decisão de criar o Estado aconteceu graças àquela diferença de 2 votos a favor.

Ato contínuo, deliberaram sobre a forma de apresentar a declaração e o nome do Estado. Antes de eleger Israel, alguns sugeriram Judéia, outros Sion. Novo debate apaixonado eclodiu a propósito do traçado das fronteiras. Ben-Gurion foi contra definir esses limites, na Declaração: “Os árabes entram em guerra conosco. Se conseguirmos vencê-los, a Galiléia ocidental e o território dos dois lados da estrada de Jerusalém se tornarão parte do Estado”. Venceu, por 5 votos a 4. Tarde da noite, a reunião terminou para que um comitê restrito redigisse a Declaração de Independência. Em 13 de maio de 1948, operários e outros partidos cerraram fileiras com a decisão do Executivo.

Finalmente, chegou o 14 de maio, quando o Estado foi criado, com antecipação de um dia face ao planejado, porque o 15 de maio era um sábado, e o Sabbath é sagrado para a maioria dos judeus. Na madrugada, enquanto dava os últimos retoques no documento que viria a público, Ben-Gurion foi informado, por telefone, de que os habitantes de Kfar Etzion, que tinham hasteado uma bandeira branca, haviam sido degolados pelos árabes. Às primeiras horas da manhã, os ingleses começaram a partir, em comboios, de vários lugares. Ben-Gurion levantou-se às 7 horas da manhã, tomou seu café e seguiu para a “Casa Vermelha”. Houve muito o que fazer, em termos de mobilização de tropas: no norte, ocorreram combates sangrentos; perto de Jerusalém, os árabes repeliram um ataque judeu, e o único canhão da Haganá caiu nas mãos deles.

À 1 hora da tarde, o Conselho se reuniu. Às 4 horas, Ben-Gurion subiu, correndo, as escadas do Museu de Telavive. As tropas e a polícia, que chegaram às pressas, continham, com dificuldade, a multidão que misteriosamente ficara sabendo onde seria a reunião. Duzentos notáveis, jornalistas e fotógrafos se espremiam numa sala do museu. Na tribuna, atrás de uma longa mesa, os Treze estavam em seus lugares. Acima de suas cabeças, o retrato de Theodore Herzl – autor do livro O Estado judeu, que defendeu, pela primeira vez, essa idéia, no século XIX – estava pendurado sobre o fundo azul e branco de duas grandes bandeiras. A orquestra fi larmônica de Telavive estava espremida no balcão. Os operários, que trabalharam até o último minuto, não tiveram tempo de arrancar os quadros das paredes do museu. A proclamação se realizou na presença da tela Judeu segurando as Tábuas da Lei, de Chagall. Ben-Gurion se levantou e começou a ler a Declaração de Independência. Trinta e sete assinaturas num canto de um documento: a consagração do Estado de Israel. O rabino Fishman deu sua bênção, a orquestra tocou o hino nacional. Em Nova York, o Comitê da ONU continuava suas deliberações sobre a Palestina, ignorando que esta não existia mais e que o Estado de Israel acabava de nascer. Na manhã seguinte, a guerra começou. Os exércitos árabes atravessaram as fronteiras. Os aviões árabes bombardearam Telavive. Ninguém podia prever, naquele momento, se seria a vitória ou o desastre. No entanto, para o bem ou para o mal, Ben-Gurion, naquela tarde ensolarada, entrou na galeria dos imortais da história. (Tradução de Celina Olga de Souza)

CRONOLOGIA


© BETTMANN / CORBIS – STOCK PHOTOS

A cúpula do Estado de Israel acompanha a leitura da Declaração de Independência pelo primeiro-ministro Ben-Gurion

Os eventos em 1948
10 de abril
O poder executivo sionista aprovou a divisão do território entre judeus e palestinos; na ONU, as pressões eram contrárias

11 de maio
Ben-Gurion convocou o Estado-Maior a seu gabinete para aceitar ou rejeitar a proposta de em 72 horas proclamar a independência, prazo em seguida reduzido para evitar que coincidisse com o Sabbath, dia-santo para a maioria do povo

12 de maio
A legião árabe começou a invadir o território judeu; o governo inglês anunciou que se retiraria de Jerusalém no primeiro minuto do dia 15 seguinte

14 de maio
Às 16 horas Ben-Gurion chegou ao Museu de Telavive, juntando-se à cúpula executiva para ler a Declaração de Independência


A PRIMEIRA VITÓRIA


DIVULGAÇÃO

Reunião do Conselho de Segurança da ONU em que líderes sionistas – entre eles Golda Meir – defendem a fundação do Estado de Israel. Fevereiro de 1948

Por Édoua rd Zambeaux

Tradução de Marly N. Peres

“Colinas da Judéia na noite de 23 para 24 de março de 1948. Jerusalém tinha sido sitiada pelos partidários do chefe árabe Abdel-kader El Husseini. Os 100 mil judeus que viviam no perímetro da Cidade Santa viam-se ameaçados de morrer de fome e de sede. Para salvá-los, David Ben-Gurion mandou reunir todos os caminhões encontrados no país. Completamente carregados de farinha, legumes secos, açúcar e tonéis de água, 300 veículos reunidos num imenso comboio tentaram forçar o bloqueio. O líder sabia que se os judeus de Jerusalém fossem exterminados, o Estado de Israel corria o risco de ser decapitado antes de nascer. Os 300 caminhões caíram naquela noite numa emboscada. Os motoristas foram todos massacrados, os carregamentos saqueados, os veículos incendiados.” O relato é do escritor Dominique Lapierre, co-autor, com Larry Collins, do best-seller Oh Jerusalém, referência fundamental sobre a história do nascimento daquele Estado. A pesquisa, que durou quatro anos, começou na luxuosa residência de Miles e Gila Sherover, que sempre recebiam a alta sociedade de Israel. Ali, os escritores conheceram protagonistas como Golda Meir, Moshe Dayan, que havia tomado em 1948 duas grandes cidades palestinas, e Ehud Avriel, um dos pais fundadores do Estado de Israel.

No dia seguinte à votação pelos representantes das Nações Unidas, por 33 votos contra 13 e 10 abstenções, da divisão da Palestina em um Estado árabe e um Estado judeu, em 29 de novembro de 1947, um velho Ford cinza estacionou na frente da casinha do kibutz da Alta Galiléia, onde morava Avriel. Três horas depois, o veículo o deixou diante do prédio da Agência Judia de Jerusalém. David Ben-Gurion aguardava o visitante, para alertar que a guerra com os árabes começaria em menos de seis meses, tão logo fosse declarado o nascimentodo Estado de Israel: “Cinco exércitos regulares árabes vão nos invadir no próximo dia 15 de maio, assim que o último soldado britânico for embora. Se não conseguirmos obter armas com a máxima urgência, nosso Estado será aniquilado no próprio dia em que nascer. Você vai comprar armas na Europa. Esta é a lista das necessidades imediatas: 10 mil fuzis, 1 milhão de balas, mil submetralhadoras, 1.500 metralhadoras”. Dois dias depois, Ehud Avriel decolou, com destino a Genebra e Paris.

Os países que entraram em guerra contra Israel estavam divididos quanto a objetivos e estratégia. No dia 10 de junho de 1948, ao aceitar o cessar-fogo, os árabes, segundo afirmou Ben-Gurion, cometeram um erro fatal. Os judeus se aproveitaram dessa trégua para recompor seus arsenais, reabastecer Jerusalém e alinhar 60 mil soldados. Pela primeira vez, superaram os árabes em número e em armas. Diria Ben-Gurion: “Eu sabia que tínhamos ganhado. Dali por diante, já não nos poderiam vencer”.

Édouard Zambeaux é jornalista

GLOSSÁRIO
Haganá: força formada pelos judeus, em 1920, para autodefesa, composta inicialmente por unidades operantes em diferentes vilas e cidades da Palestina; foi clandestina até 1948; depois da Declaração de Independência, transformou-se em exército regular; um de seus fundadores e organizadores foi Eliayahu Golomb, um dos integrantes do conselho de comando original.

Sionismo: movimento iniciado no final do século XIX e espalhado pelas comunidades judias da Europa para volta à Terra Prometida, na Palestina – cerca de 25 mil pessoas o fizeram, entre 1882 e 1903, erguendo vilas de madrugada; entre seus líderes mais conhecidos estão Theodor Herzl e Chaim Weizmann; aos poucos esse regresso foi acontecendo.

Michel Bar-Zohar é escritor e biógrafo.

Revista Historia Viva

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