segunda-feira, 6 de abril de 2009

L'EXISTECIALISME EST...". JEAN PAUL SARTRE NO BRASIL

"[...] o que o Sartre ensinou? Que ser existencialista é muito difícil. Por quê? Porque a prática existencialista é uma coisa. A teoria, o sonhar existencialista, é uma outra coisa."

POR PORFÍRIO FIGUEIRA DE AGUIAR NETTO


O francês Jean Paul Sartre (1905- 1980) foi um dos filósofos mais influentes do século XX. Após a Segunda Guerra mundial, encabeçou o movimento existencialista que pregava a liberdade e responsabilidade sobre as próprias ações e considerava a existência anterior à essência. Nos anos 50 e 60 viajou por todo o mundo como militante político. Acima Sartre e Simone de Beavouir em visita ao Brasil, em 1960.


Meu contato com o Sartre foi próximo. Ele deu um curso no Cultura Artística, de uma semana. Ruy Coelho era um professor lá da USP, e eu e mais um outro colega éramos os tradutores da conferência. Um certo dia, o auditório estava mais ou menos vazio e chovia muito – o tempo também era concorrente. A aula dele havia acabado logo e ele estava com receio de ir embora, por causa da chuva. Simone de Beauvoir estava lá e que Deus me perdoe a ausência, mas ela era muito egoísta. Ela, seguramente, foi a mulher mais feia que eu conheci na minha vida. Mas era paixão dele. Eles formavam um casal muito estranho. Ele era baixinho, cabelo na testa, barrigudo e de perninha fi na. Ela era um vara pau de 2 metros de altura. Mas isso é brincadeira, porque a verdade é que o diálogo foi muito bom.

Então fomos eu, o Ruy Coelho e o casal, a um barzinho. E eu falei: “Por favor, aproveito essa ocasião, diga-me o que é o existencialismo”. E ele disse: “Messie Porfírio [imita o sotaque francês], l’existecialisme est...” e explicou ponto a ponto. Então eu sei o existencialismo não pelos livros, mas pelo autor. Isso foi muito bom. Eu era professor do Estado na época, em 1957. Uma das frases que ele disse foi “Deus está morto” [em francês], e explicou que Deus é esse, um Deus construído por nós, um Deus que habita dentro de nós. E outras coisinhas, que dali para frente fi caram bem mais fáceis de entender.

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER
Isso foi narrado pela Simone de Beauvoir: estavam os dois (Sartre e Simone) em seu belo apartamentozinho, na Rue de Lês Miserable, e ela comunicou ao Sartre que tinha um amigo dela, americano, que havia chegado em Paris e que ela iria passar uma semana com ele e depois voltaria. O Sartre estava lendo. Uma semana depois ela voltou, e ele continuava lendo. E ele falou: “Foi tudo bem?”. E ela falou: “Foi ótimo”. Continuou lendo. Então, o que o Sartre ensinou? Que ser existencialista é muito difícil. Por quê? Porque a prática existencialista é uma coisa. A teoria, o sonhar existencialista, é uma outra coisa. O Sartre discutiu muito a questão do pecado. Ele acha o seguinte, e isto me foi dito: o pecado é uma construção social. Se você pensar bem nessa frase dele, é uma coisa gravíssima. Porque será que não é mesmo? Você não pode me narrar que foi assistir um strip-tease, porque você pecou. Agora, você simplesmente foi ver um corpo, e nada mais do que isso. Ou, além disso, tinha o que? Demônios à volta? Não tinha. Então, eu sei que uma pessoa se encaminha para uma boate onde haja strip-tease já com a consciência culpada. Isso o Sartre me disse. Como ele falou “Peche se tin torture”, o pecado é uma tortura. Por exemplo: Você tem uma noiva, insistiu com ela várias semanas para que fossem ao motel e ela nunca se entusiasmou com isso. Então você vai num sábado e ela tem sorte. Fica todo mundo numa sala de espera, esperando esvaziar quartinho. Nesse momento a mãe dela buzina na orelha. E ela diz ‘ai, não estou me sentindo bem’. Sartre outra vez: “O pecado é uma tortura”. Ela estava sentada lá, pensando na mãe. Agora, o que Sartre me disse foi: é fácil ser existencialista? É fácil? Ou é impossível?

SER E FAZER
Se você compra um manual que ensinar a nadar e cair na piscina, você morre. Não adianta, aprender é fazer. O que eu li e conversei sobre o existencialismo eu pus em prática. Por que eu sou de uma família decadente do café, mas eu podia estudar o que eu quisesse. Inclusive minha mãe me disse “Porfírio, você que já não é bom da cabeça vai estudar filosofia!” Acho que ela tinha razão. Mas acredito muito na congenitude, você nasce com aquilo. Então, o existencialismo é isso: exista aquilo que você quer.

É óbvio que o próprio Sartre, e não só ele, Menelau Ponti também sabiam disso. Mas vou falar uma coisa que o próprio Sartre fala: a melhor coisa que uma pessoa pode fazer é ter na casa dela um porão. Tenha suas coisas, receba as pessoas de quem você gosta. Mas no porão. Saiu do porão caiu na instituição. Na instituição, você se representa. No porão, você é. Agora, pode-se argüir. É impossível ser um existencialista institucional. O Sartre podia se dar ao luxo de ser existencialista, mas nós estamos condenados às instituições.

Vamos falar e viver Sartre aqui mesmo: tinha um casal sartriano, muito meu amigo. Ele era presidente de um grupo. Ele me disse o seguinte: ‘eu não vou casar com ela. Nós vamos morar juntos, etc., etc.’. Falei ‘beleza’. Mas eu soube que eles iam casar em um domingo. Ele de terno azul marinho e ela de noivinha. Me olhavam com olhares de ódio enquanto eu fotografava. Hoje têm três fi lhos, ela está de saia preta toda suja de farinha, com uma blusinha branca toda meio rasgadinha, e faz três meses que não cuida do cabelo. Precisa Sartre me falar isso?É bonito você dar uma aula sobre Sartre. É bonito ser Sartre. É uma coisa linda. Agora, na cultura brasileira, você vai carregar uma cruz.

LÉVI-STRAUSS, USP E SÃO PAULO
“O Lévi-Strauss foi praticamente o professor que fundamentou aqui em São Paulo (SP) a necessidade de um estudo antropológico-histórico. Meu relacionamento com ele era de aluno-professor. A presença dele, não só na USP, mas em outros centros educacionais aqui de São Paulo (SP) fi cou claro que era necessário, São Paulo sendo um cadinho de raças, como sempre foi, que algum professor introduzisse pelo menos uma metodologia, uma teorização de uma antropologia cultural. Para que se pudesse entender melhor as condições habitacionais e demográfi cas de São Paulo. Porque sempre aparecia uma pergunta no âmbito histórico: por que cidades do interior de São Paulo são vazias? E por que razão São Paulo está com 24 milhões de habitantes? Sendo que desta porcentagem, grande parte, eu arriscaria dizer uns 60%, são originários de famílias estrangeiras, japonesas, italianas, portuguesas, etc. Nessa época, a USP estava sendo fundada. Ela foi fundada pelo Armando de Salles Oliveira em 1937. Até que é uma faculdade, digamos, muito nova para que se possa exigir alguma coisa dela. E foi Strauss que introduziu o interesse pelo estudo das raças, das culturas. Porque é evidente o choque cultural que houve em São Paulo, e no Brasil inteiro. Foi muito grande. Ele não foi inclusive um choque cultural produzido por preconceitos. Não. Tenho absoluta certeza de que em 1945 um pai admitisse que seu fi lho se casasse com uma italiana. E com uma japonesa nem se fala. Era algo estranho. E era evidente o surto demográfi co, que a cidade ia crescer muito, em função da presença estrangeira.

Na época, a matéria introduzida por Lévi-Strauss chamava-se estudos culturais. Ele era uma pessoa altamente acessível. Ele percebeu o que não perceberam outros professores franceses que vieram. Por exemplo, nós não tínhamos professores formados. Havia um professor de lógica na USP em 1957 chamado Giles-Gaston Granger que era a lógica francesa ambulante. Não dava acesso a ninguém. Ele resolveu dar a aula dele em francês, para nós coitados. Na segunda aula, um colega meu chamado Cláudio, muito pobrinho, que vendia gilete na Praça do Correio [tradicional ponto de comércio ambulante na cidade de São Paulo], levantou-se e falou: “Eu não aceito a sua aula. O senhor está no Brasil e deve falar português”. Então a cultura francesa se arrepiou e ele respondeu, “vou chamar o diretor”. E foi uma discussão, da qual eu inclusive participei. Mas o senhor Giles- Gaston Granger, grande nome da lógica francesa, foi obrigado a dar aula em português. Só um detalhe: ele falava português melhor que nós.



PORFÍRIO FIGUEIRA DE AGUIAR NETTO


Fez filosofia e psicologia na USP, pós-graduação e doutoramento também na USP. Na PUC fez especialização em educação especial. Esteve em Paris e na Bélgica para fazer diversos cursos. E na volta, fez o curso que considera o melhor de todos, que foi uma especialização em fi losofi a contemporânea, em 1958 depois. “Mas não acho que há necessidade de tanta coisa. Eu sempre fui muito curioso” Se lembra da inauguração do Pacaembu em 19 de julho de 1946, onde “viu” o populismo acontecer. “Estavam lá 20 mil operários, numa algazarra medonha”. Getúlio mandou todos pegarem suas carteiras profi ssionais no dia seguinte, com direito a férias e salário mínimo. “Acabou. Acabou de tanto aplauso”. Ele considera que o populismo continua “enterrado solertemente” no Brasil. Em 27 de novembro, faz 81 anos.


Revista Leituras da Historia

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