sábado, 11 de abril de 2009

Primeira Guerra Mundial - Espólios de guerra

Fiel aos norte-americanos, o Brasil saiu-se bem na diplomacia, mas mergulhou numa crise econômica
Rubens Ricupero

Não fosse pelo Brasil, a guerra de 1914 a 1918 não mereceria o nome de “mundial”. Enquanto os outros países da América Latina permaneceram neutros do começo ao fim, o Brasil foi o único a ingressar no conflito. E estabeleceu o padrão que se repetiria, anos mais tarde, na Segunda Guerra Mundial (1939-1945): a posição brasileira acompanhou de perto as decisões dos Estados Unidos, da neutralidade à declaração de guerra, e dela à participação efetiva. A diferença está na importância da participação – decisiva no caso norte-americano, modesta no nosso.

No momento em que estourou a Primeira Guerra, havia chegado ao fim, com a morte do barão do Rio Branco, em fevereiro de 1912, a “era de ouro” da diplomacia brasileira. Durante os mais de nove anos em que o barão ocupou a chefia do Itamaraty, a política internacional resolveu todos os problemas pendentes de fronteira, incorporando milhares de quilômetros quadrados ao território brasileiro, e soube conduzir com êxito as questões surgidas com países estrangeiros. As conquistas deviam-se, em grande parte, à qualidade do chanceler, mas só foram possíveis graças às condições favoráveis que o país viveu durante esses anos. Após o turbulento começo da República, com revoltas militares e crises econômicas, as presidências de Rodrigues Alves (1902-1906) e Afonso Pena (1906-1909) asseguraram paz interna, estabilidade econômica, progresso e realizações materiais que forneceram o quadro ideal para uma diplomacia ativa e prestigiosa.

A partir de 1910, a chegada ao poder do marechal Hermes da Fonseca (1910-1914) anuncia o começo de um longo declínio do regime, sacudido por crises econômicas, sociais e políticas que se acentuariam durante a Depressão após o fim da guerra, que conduziria à derrocada final de 1930. Abalada por esse processo de decadência, a política externa brasileira nunca mais recuperaria o brilho da primeira década do século XX. Lauro Müller, o sucessor de Rio Branco, não possuía nem as qualidades pessoais e profissionais, nem a experiência de seu predecessor. Para piorar, sua ascendência germânica despertava desconfiança na corrente majoritária pró-aliados, que incluía Rui Barbosa, Graça Aranha, Olavo Bilac, José Veríssimo, Barbosa Lima e outras figuras influentes.

A política de colaboração estreita com os Estados Unidos seguia um modelo herdado dos anos do barão. Alguns intérpretes a chamaram de “aliança não-escrita” – um certo exagero, pois a relação era muito mais importante para o Brasil do que para os Estados Unidos. Em todo caso, como o eixo da diplomacia havia sido deslocado de Londres para Washington, não é de surpreender que o país acompanhasse a evolução da postura norte-americana.

Seria errôneo deduzir que a entrada do Brasil na guerra tenha sido conseqüência de pressão ou imposição de Washington. A decisão decorreu da convicção da maioria dos setores dirigentes de que o país não poderia continuar neutro após os ataques alemães contra navios mercantes brasileiros. Esta é outra semelhança com a Segunda Guerra: em ambos os casos, o motivo imediato da entrada no conflito foi o afundamento de navios neutros, embora as perdas tivessem sido muito menores no primeiro do que no segundo episódio.

A neutralidade brasileira foi decretada em 4 de agosto de 1914, no começo da guerra, mesma data da decisão semelhante do presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson (1912-1921). Essa primeira etapa iria até 11 de abril de 1917, quando o Brasil, já governado por Venceslau Brás (1914-1918), rompe relações com a Alemanha devido ao ataque, seis dias antes, ao vapor brasileiro Paraná, torpedeado e afundado por um submarino germânico no litoral norte da França.

Ganhava força no país a agitação em favor dos aliados. Em meados de 1916, Rui Barbosa pronunciara em Buenos Aires uma conferência de enorme repercussão sobre “O Dever dos Neutros”. Mesmo após a ruptura das relações com a Alemanha, torna-se insustentável a situação de Lauro Müller, que renuncia, sendo substituído pelo ex-presidente Nilo Peçanha, amigo e seguidor de Rui Barbosa. Em maio de 1917, dois outros navios comerciais brasileiros, o Tijuca e o Lapa, são torpedeados próximo ao litoral europeu, acarretando a revogação da neutralidade brasileira e a decisão de apreender e utilizar 45 navios mercantes alemães ancorados em portos nacionais.

Os Estados Unidos já estavam em guerra desde abril daquele ano. Em nosso caso, o reconhecimento do estado de guerra teve de aguardar até 26 de outubro, após o ataque ao cargueiro Macau e o aprisionamento do seu comandante, ocorridos alguns dias antes, ao largo da costa espanhola. Faltava pouco mais de um ano para o fim do conflito, que se daria no armistício de 11 de novembro de 1918.

O Brasil não tinha condições militares ou econômicas para oferecer mais que uma contribuição simbólica nos combates. Dessa vez, não houve fornecimento de bases militares ou de matérias-primas estratégicas, como aconteceria na Segunda Guerra.
Na Conferência de Paz realizada ao término do conflito, a delegação brasileira, chefiada por Epitácio Pessoa, conseguiu solucionar duas questões de interesse direto do país. E também neste caso, valeu-nos muito a intervenção decisiva dos Estados Unidos. A primeira decisão se referia ao café do estado de São Paulo que estava depositado na Europa, e acabou utilizado pelos alemães. Em seu artigo 263, o Tratado de Versalhes, feito em 1919, determinou que a dívida fosse cobrada à parte dos pagamentos de reparações de guerra. O Tratado assegurou também, por meio do artigo 297, que os 70 navios alemães apreendidos em portos nacionais fossem legitimamente reconhecidos como propriedade brasileira. Para completar, devido ao apoio do presidente Wilson, o Brasil foi eleito membro não-permanente do conselho da recém-criada Sociedade das Nações (precursora da ONU, esta criada após a Segunda Guerra).

A principal conseqüência econômica da Primeira Guerra Mundial foi apressar o fim da hegemonia inglesa, substituída pelo domínio americano no comércio e, mais gradualmente, nos investimentos. Em contraste com o capital britânico – em grande parte concentrado em ferrovias, portos e serviços públicos –, os investimentos americanos iriam privilegiar a indústria.

A economia brasileira, por sua vez, sofreu algumas graves perdas durante o conflito. As limitações de transporte marítimo e mercadorias disponíveis provocaram queda acentuada das importações, e com ela uma enorme contração da receita governamental, que dependia muita das tarifas de importação.

Após a guerra, as exportações de países fornecedores de matérias-primas estratégicas – o petróleo mexicano, o cobre peruano, os nitratos chilenos – logo se recuperaram. O Brasil, que dependia do café, teve um dos piores desempenhos do continente. Foi um dos raros países que não conseguiram melhorar sua cota de participação em nenhum artigo, e ainda perdeu espaço em produtos como a borracha, para a Ásia, e o cacau, para as colônias africanas. Perdeu também a oportunidade de expandir as vendas de açúcar e bananas, que cresceram em outros países em função de investimentos americanos – concentrados no Caribe, na América Central e na Colômbia devido aos custos mais baixos e ao tratamento favorável em matéria de impostos.

Em compensação, a indústria, após uma baixa súbita em 1914, cresceu bastante, favorecendo o nascimento de numerosas empresas e o desenvolvimento da indústria química e da produção de ferro-gusa, inclusive com exportações para mercados latino-americanos. Entre 1912 e 1920, o número de trabalhadores na indústria praticamente dobrou.

O lado negativo foi a inflação. Os preços de varejo no Brasil aumentaram 158% entre 1913 e 1918, com média anual de 20,9%. O alto custo de vida corroeu os salários e criou condições para a agitação social que culminaria na greve geral que paralisou São Paulo em 1917 e na onda de greves de 1918.

A Primeira Guerra Mundial marcou o começo do século XX e exerceu um grande impacto na realidade brasileira. O país sairia do conflito com indústria e operariado urbano mais fortes e com as sementes do desassossego social e cultural que desaguariam, anos mais tarde, no Modernismo, no Movimento Tenentista, na fundação do Partido Comunista e, finalmente, na Revolução de 1930.

Rubens Ricupero é diplomata e autor de 'Esperança e Ação' (Paz e Terra, 2002).

Saiba Mais - Bibliografia:

BUENO, Clodoaldo. Política Externa da Primeira República. São Paulo: Paz e Terra, 2003, capítulo: “O Impacto da Primeira Guerra Mundial”.

CARVALHO, Carlos Delgado de. História Diplomática do Brasil, edição fac-similar. Brasília: Senado Federal, Coleção Memória Brasileira, 1998, capítulo 21: “Isolacionismo e Guerras Mundiais”.

GARCIA, Eugênio Vargas. “Entre América e Europa: a política externa brasileira na década de 1920”, Universidade de Brasília, 2001, tese de doutorado.

FRITSCH, Winston. “Apogeu e crise na Primeira República: 1900-1930”, in Marcelo Paiva Abreu (org.), A Ordem do Progresso: cem anos de política econômica republicana, 1889-1989. Rio de Janeiro: Campus, 1989.

Revista de Historia da Biblioteca Nacional

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