Machado ganhava pouco com sua produção literária e precisava de outras fontes de renda para pagar as despesas
1864-1872
Em 1864, aos 25 anos, a venda para a Editora Garnier (foto) dos direitos autorais de Crisálidas, seu primeiro livro de versos, rende a Machado 150 réis por exemplar.
Cinco anos depois, em 1869, novo contrato com a mesma editora, pelos direitos do segundo livro de versos, Falenas, e do primeiro de contos, Contos Fluminenses, prevê um valor só um pouco maior: 200 réis por exemplar. No mesmo ano, a venda dos direitos do primeiro romance, Ressurreição, e de outro livro de contos, Histórias da meia-noite, sempre pela Garnier, é feita de outra forma, num pacote fechado: 400$000 (400 mil-réis) por edição.
A que correspondia essa quantia? Machado acabava de casar-se com Carolina, em novembro de 1869, e o dinheiro de editora serviria para pagar só alguns meses de aluguel da casa, na Rua dos Andradas, 116, centro da cidade. Evidentemente, não dava para viver só da publicação de livros. O escritor tinha que se virar em várias atividades. Naqueles anos, era redator da Semana Illustrada e do Diário do Rio de Janeiro, colaborava com outras revistas, como o Jornal das Famílias, e desde 1867 atuava como ajudante do diretor de publicação do Diário Oficial.
1873-1880
A segurança financeira só seria possível com um emprego estável. E ele veio quando Machado ingressou no funcionalismo público, em 1873. Nomeado primeiro oficial da 2ª Seção da Secretaria de Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, passou a receber um salário de 4:000$000 (4 contos de réis, isto é, 4 milhões de réis) anuais. Não era muita coisa, mas dava para pagar o aluguel e outras despesas com certa folga. Em poucos anos, o casal muda três vezes de residência: primeiro para a Rua Santa Luzia, 54, depois para o segundo andar da Rua da Lapa, 96, e finalmente para a Rua das Laranjeiras, 4, afastando-se progressivamente do centro da cidade.
E se em 1876 a venda dos direitos do novo romance, Helena, não lhe rende mais do que 600 mil-réis, uma promoção torna Machado chefe de seção na mesma Secretaria de Estado. Dois anos depois, novo endereço para Carolina e seu marido: Rua do Catete, 206.
1881-1889
Na década de 1880, período da publicação de Memórias Póstumas e de outras coletâneas de contos, Machado se torna oficial de gabinete do ministro da Agricultura.
O casal pode agora mudar-se para uma casa mais confortável, na Rua Cosme Velho, 18, com um aluguel de 130 mil-réis por mês. Machado colabora com a revista A Estação e com o jornal Gazeta de Notícias, mas o pulo-do-gato acontece de novo dentro do serviço público: em março de 1889, beirando os 50 anos, é promovido a diretor geral da Diretoria do Comércio, com um salário anual de 8 contos de réis. Nada comparável aos vencimentos que a nova República garante ao presidente provisório (120 contos por mês!), mas o suficiente para uma vida tranqüila.
Casa-trabalho, trabalho-casa: todo dia, lá pelas 10 da manhã, Machado vai de bonde para o Ministério, atrás do Largo do Paço, e sai por volta das 16 horas, sem deixar de passar pela Livraria Garnier, na Rua do Ouvidor, para uma conversa com amigos e colegas.
1890-1899
Nestes primeiros anos republicanos, Garnier não altera muito os valores pagos a Machado pelos direitos sobre suas obras: 600 mil-réis pela primeira edição de Quincas Borba; 250 mil-réis pela segunda edição do mesmo livro, para a segunda de Iaiá Garcia e para a terceira edição de Memórias Póstumas.
O verdadeiro ganha-pão do escritor, que a esta altura da vida já é reconhecido e aclamado primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, continua sendo o funcionalismo: no Ministério (que agora se chama da Indústria, Viação e Obras Públicas), ele é diretor geral da Viação.
É dessa época o seu primeiro testamento. Lavrado em 30 de julho de 1898, nele Machado nomeia como sua herdeira a esposa Carolina e lista suas posses pecuniárias. São elas: sete apólices de um empréstimo de 1895, de um conto de réis cada; uma apólice da dívida pública, também de um conto de réis; cinco ações da Gazeta de Notícias, no valor de 200 mil-réis cada; e 3:079$663 na Caixa Econômica, caderneta nº 14.304.
No emprego, as coisas desandaram no início de 1898. Por conta de uma reforma “técnica” do Ministério, foi posto em disponibilidade. Como não era engenheiro, perdeu o cargo e ficou encostado em casa, recebendo sem trabalhar. Mas não durou muito essa injustiça com o funcionário-padrão. Em outubro, o novo ministro, Severino Vieira, o chama para ser seu secretário. E ele permaneceria no cargo com os ministros seguintes.
Em 1899 publica Dom Casmurro. Mas sua grande negociação com a Garnier é a venda da “propriedade inteira e perfeita” de toda a sua obra, pela quantia de 8 contos de réis. Era o valor de duas passagens de navio para a Europa. Mas Machado não gastava o dinheiro com viagens, preferindo as apólices da dívida pública.
1900-1908
Em 1902, Machado volta para a sua antiga repartição, desta vez com o cargo de diretor geral de Contabilidade. Comparados com o salário fixo e garantido pela máquina pública, os rendimentos que suas obras lhe proporcionam continuam escassos: 1 conto e meio por Esaú e Jacó e outro tanto para os contos de Relíquias de casa velha. Fica viúvo em 1904, e o aluguel da casa sobe de 150 para 200 mil-réis. Um bom terno custava na época 80 mil-réis; um quilo de queijo, 6 mil, e o de manteiga, 3.500 réis.
No dia 12 de outubro de 1905, inutiliza o testamento anterior e declara sua herdeira Laura, filha de sua sobrinha e comadre Sara Braga da Costa. No segundo testamento, Machado declara possuir doze apólices gerais da dívida pública, de um conto de réis cada, depositadas no London and Brazilian Bank Ltd., além de “algum dinheiro numa conta corrente do mesmo banco” e “certa quantia” em caderneta da Caixa Econômica.
Após sua morte, será esse dinheiro que o inventariante – o compadre major Bonifácio, pai de Laura – usará para fechar as contas que o escritor deixara penduradas em armazéns, açougues e farmácias: devia 19 mil-réis pelo consumo de dois meses de gás, 43 mil de leite no Grande Estábulo das Vacas, 30 mil em remédios da Pharmacia Laranjeiras e 18 mil em biscoitos e água de Vichy no Armazém de Molhados da Rua do Ouvidor. Sem esquecer os salários de suas duas empregadas, Jovita e Carolina: 110 mil- réis cada, correspondentes aos últimos dois meses de trabalho.
Revista de Historia da Biblioteca Nacional
1864-1872
Em 1864, aos 25 anos, a venda para a Editora Garnier (foto) dos direitos autorais de Crisálidas, seu primeiro livro de versos, rende a Machado 150 réis por exemplar.
Cinco anos depois, em 1869, novo contrato com a mesma editora, pelos direitos do segundo livro de versos, Falenas, e do primeiro de contos, Contos Fluminenses, prevê um valor só um pouco maior: 200 réis por exemplar. No mesmo ano, a venda dos direitos do primeiro romance, Ressurreição, e de outro livro de contos, Histórias da meia-noite, sempre pela Garnier, é feita de outra forma, num pacote fechado: 400$000 (400 mil-réis) por edição.
A que correspondia essa quantia? Machado acabava de casar-se com Carolina, em novembro de 1869, e o dinheiro de editora serviria para pagar só alguns meses de aluguel da casa, na Rua dos Andradas, 116, centro da cidade. Evidentemente, não dava para viver só da publicação de livros. O escritor tinha que se virar em várias atividades. Naqueles anos, era redator da Semana Illustrada e do Diário do Rio de Janeiro, colaborava com outras revistas, como o Jornal das Famílias, e desde 1867 atuava como ajudante do diretor de publicação do Diário Oficial.
1873-1880
A segurança financeira só seria possível com um emprego estável. E ele veio quando Machado ingressou no funcionalismo público, em 1873. Nomeado primeiro oficial da 2ª Seção da Secretaria de Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, passou a receber um salário de 4:000$000 (4 contos de réis, isto é, 4 milhões de réis) anuais. Não era muita coisa, mas dava para pagar o aluguel e outras despesas com certa folga. Em poucos anos, o casal muda três vezes de residência: primeiro para a Rua Santa Luzia, 54, depois para o segundo andar da Rua da Lapa, 96, e finalmente para a Rua das Laranjeiras, 4, afastando-se progressivamente do centro da cidade.
E se em 1876 a venda dos direitos do novo romance, Helena, não lhe rende mais do que 600 mil-réis, uma promoção torna Machado chefe de seção na mesma Secretaria de Estado. Dois anos depois, novo endereço para Carolina e seu marido: Rua do Catete, 206.
1881-1889
Na década de 1880, período da publicação de Memórias Póstumas e de outras coletâneas de contos, Machado se torna oficial de gabinete do ministro da Agricultura.
O casal pode agora mudar-se para uma casa mais confortável, na Rua Cosme Velho, 18, com um aluguel de 130 mil-réis por mês. Machado colabora com a revista A Estação e com o jornal Gazeta de Notícias, mas o pulo-do-gato acontece de novo dentro do serviço público: em março de 1889, beirando os 50 anos, é promovido a diretor geral da Diretoria do Comércio, com um salário anual de 8 contos de réis. Nada comparável aos vencimentos que a nova República garante ao presidente provisório (120 contos por mês!), mas o suficiente para uma vida tranqüila.
Casa-trabalho, trabalho-casa: todo dia, lá pelas 10 da manhã, Machado vai de bonde para o Ministério, atrás do Largo do Paço, e sai por volta das 16 horas, sem deixar de passar pela Livraria Garnier, na Rua do Ouvidor, para uma conversa com amigos e colegas.
1890-1899
Nestes primeiros anos republicanos, Garnier não altera muito os valores pagos a Machado pelos direitos sobre suas obras: 600 mil-réis pela primeira edição de Quincas Borba; 250 mil-réis pela segunda edição do mesmo livro, para a segunda de Iaiá Garcia e para a terceira edição de Memórias Póstumas.
O verdadeiro ganha-pão do escritor, que a esta altura da vida já é reconhecido e aclamado primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, continua sendo o funcionalismo: no Ministério (que agora se chama da Indústria, Viação e Obras Públicas), ele é diretor geral da Viação.
É dessa época o seu primeiro testamento. Lavrado em 30 de julho de 1898, nele Machado nomeia como sua herdeira a esposa Carolina e lista suas posses pecuniárias. São elas: sete apólices de um empréstimo de 1895, de um conto de réis cada; uma apólice da dívida pública, também de um conto de réis; cinco ações da Gazeta de Notícias, no valor de 200 mil-réis cada; e 3:079$663 na Caixa Econômica, caderneta nº 14.304.
No emprego, as coisas desandaram no início de 1898. Por conta de uma reforma “técnica” do Ministério, foi posto em disponibilidade. Como não era engenheiro, perdeu o cargo e ficou encostado em casa, recebendo sem trabalhar. Mas não durou muito essa injustiça com o funcionário-padrão. Em outubro, o novo ministro, Severino Vieira, o chama para ser seu secretário. E ele permaneceria no cargo com os ministros seguintes.
Em 1899 publica Dom Casmurro. Mas sua grande negociação com a Garnier é a venda da “propriedade inteira e perfeita” de toda a sua obra, pela quantia de 8 contos de réis. Era o valor de duas passagens de navio para a Europa. Mas Machado não gastava o dinheiro com viagens, preferindo as apólices da dívida pública.
1900-1908
Em 1902, Machado volta para a sua antiga repartição, desta vez com o cargo de diretor geral de Contabilidade. Comparados com o salário fixo e garantido pela máquina pública, os rendimentos que suas obras lhe proporcionam continuam escassos: 1 conto e meio por Esaú e Jacó e outro tanto para os contos de Relíquias de casa velha. Fica viúvo em 1904, e o aluguel da casa sobe de 150 para 200 mil-réis. Um bom terno custava na época 80 mil-réis; um quilo de queijo, 6 mil, e o de manteiga, 3.500 réis.
No dia 12 de outubro de 1905, inutiliza o testamento anterior e declara sua herdeira Laura, filha de sua sobrinha e comadre Sara Braga da Costa. No segundo testamento, Machado declara possuir doze apólices gerais da dívida pública, de um conto de réis cada, depositadas no London and Brazilian Bank Ltd., além de “algum dinheiro numa conta corrente do mesmo banco” e “certa quantia” em caderneta da Caixa Econômica.
Após sua morte, será esse dinheiro que o inventariante – o compadre major Bonifácio, pai de Laura – usará para fechar as contas que o escritor deixara penduradas em armazéns, açougues e farmácias: devia 19 mil-réis pelo consumo de dois meses de gás, 43 mil de leite no Grande Estábulo das Vacas, 30 mil em remédios da Pharmacia Laranjeiras e 18 mil em biscoitos e água de Vichy no Armazém de Molhados da Rua do Ouvidor. Sem esquecer os salários de suas duas empregadas, Jovita e Carolina: 110 mil- réis cada, correspondentes aos últimos dois meses de trabalho.
Revista de Historia da Biblioteca Nacional
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