segunda-feira, 5 de outubro de 2009

A Polícia da Corte - Delitos femininos



Ofício de Paulo Fernandes Viana ao ministro de Estado dos Negócios do Brasil, d. Fernando José de Portugal, abordando as ofensas cometidas por Fortunata Claudina ao seu marido, Miguel Francisco Machado, que por não ter conseguido a separação logo após o seu casamento, ofendeu-o publicamente e cometeu o crime de adultério com um homem casado. Este documento permite perceber as regras e tratamentos das relações amorosas no cotidiano da cidade do Rio de Janeiro. Conjunto documental: Registros de avisos, portarias, ordens e ofícios à polícia da corte, editais, provimentos, etc.
Notação: códice 318
Datas-limite: 1808-1809
Título do fundo ou coleção: Polícia da Corte
Código do fundo: ÆE
Argumento de pesquisa: Polícia da Corte
Data do documento: 29 de novembro de 1808
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 123 e 124
“Registro do Ofício expedido ao Ministro de Estado dos Negócios do Brasil.
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor. Conheço muito a Fortunata Claudina e seu marido Miguel Francisco Machado, que morando em uma ilha que comprou junto a Armação das Baleias, onde tem muito bom estabelecimento, ela sendo viuva ali o visitava, e o solicitou para o casamento[1] e depois que o conseguiu não só não é contente de residir ali, mas até tem disso mesmo tirado pretextos para trazer inquieto o marido, que tem por muitos meios procurado reduzi-la a bom caminho, e até há poucos dias em Casa do Vigário Geral, desenganada ela de que nenhuns meios tinha para divorciar-se, brotou em más (sic) razões, e decididamente disse que o não acompanhava, injuriando-o sempre já em público implorar o suplicante que a princípio pela satisfazer-lhe alugou casas que ainda tem na rua das Violas[2], vê com bastante desgosto que ela sempre anda por fora, apoiada por um tal Jozé Domingues casado com outra irmã. A boa ordem das coisas, o interesse destas sociedades e o geral pede que isto se coíba pela Polícia[3], e eu mesmo quis entrar neste negócio obrigando-a a acompanhar o marido, mas como não tenho um só recolhimento de mera inspeção minha onde possa meter estas mulheres teimosas[4], quando desobedecem, desiste de tomar este partido, que sendo ordenado agora por S.A.[5] poderá produzir muito bom efeito, e servirá de exemplo, a outras: O Recolhimento da Misericórdia[6] para onde o marido a quer, é ainda bem acreditado e há exemplo de receber mulheres casadas, nem haveria dúvida nisso, quando até nos conventos das freiras se tem recebido muitos, pagando-se o peso à casa, e sustentando-as os maridos e a tudo se oferece o Suplicante. Deus Guarde a Vossa Excelência. Rio[7], 29 de novembro de 1808. Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor D. Fernando José de Portugal[8]. Paulo Fernandes Viana[9].”


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[1] A regulamentação eclesiástica do casamento deu-se a partir do Concílio de Trento (1545-1563) e consistia em um contrato de fidelidade carnal entre um homem e uma mulher para “fins de propagação”. A cerimônia no início do século XIX, deveria ser feita por escritura pública, lavrada por um tabelião e assinada por testemunhas. Isto demonstra que a troca de votos verbais, perante uma autoridade já se tornara insuficiente, necessitando de um documento legal para se obter controle das responsabilidades estabelecidas no contrato matrimonial. Este acordo constituía uma das formas de alianças, freqüentemente motivadas por interesses políticos e econômicos
[2] Atualmente rua Teófilo Otoni, era uma movimentada rua do centro da cidade do Rio de Janeiro, onde funcionava o júri. Tornou-se nacionalmente conhecida pela citação de Machado de Assis na obra “D. Casmurro”, por ser o endereço de Cosme, tio do protagonista do romance.
[3] A intendência geral da Polícia e do Estado do Brasil foi criada pelo príncipe regente d. João, através do Alvará de 10 de maio de 1808. A competência jurisdicional da colônia foi delegada a esta instituição, assim como a incumbência de organizar uma polícia eficiente e capaz de prevenir as ações consideradas “perniciosas” e subversivas. Foi a estrutura básica da atividade policial no Brasil.
[4] A condição das mulheres das camadas mais abastadas no Brasil colonial foi, de uma maneira geral, de subserviência ao poder patriarcal. Cerceada de seus direitos jurídicos, a mulher estava quase sempre à mercê de um tutor, que era, em geral, responsável e condutor de suas atividades na esfera pública. Estas mulheres, detinham um controle sobre o chamado governo doméstico e a assistência moral da família, e deveriam ser filhas, mães e esposas exemplares, uma vez que, seu bom comportamento refletia a qualidade do controle de seu tutor. Às mulheres consideradas “teimosas”, ou seja, que não se adequavam as regras de “bom comportamento” restavam as punições. Estas tendiam também, serem exemplares, como a privação de quaisquer contatos social através do recolhimento em instituições, e por vezes, o aconselhamento dos órgãos públicos de seu degredo e até mesmo prisão, para as que não se arrependessem de seus modos, ou que por ventura, tivessem ferido as leis penais.
[5] Trata-se de d. João VI (1767-1826), segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, que se tornou herdeiro da Coroa com a morte do primogênito José em 1788. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada louca. Foi sob o governo do então Príncipe Regente d. João, que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência da invasão francesa em Portugal, a família real e corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão: a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da biblioteca pública nacional; criação de escolas e academias, e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, Rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, d.João VI, retornou com a corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente. Deu-se, ainda, sob o seu governo o reconhecimento da independência do Brasil no ano de 1825.
[6] Era uma espécie de claustro para reclusão de mulheres que, embora não se consagrassem freiras, desejavam viver tal como em um convento. Foi bastante utilizado como órgão de recolhimento das chamadas “mulheres teimosas”, ou infratoras da ordem pública, como forma de punição exemplar. O recolhimento da Misericórdia está ligado a Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Atribui-se a sua criação ao padre José de Anchieta, da companhia de Jesus, por volta de 1582. Em misericórdia à frota espanhola de Diogo Flores Valdez, atacada por enfermidades, obteve autorização para erigir um galpão na rua Santa Luzia, para o tratamento dos enfermos. Anchieta teria, dessa maneira, dado origem à Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro e ao primeiro hospital da cidade.
[7] Fundada em 1565, por Estácio de Sá, a cidade do Rio de Janeiro tornou-se sede do governo colonial em 1763, adquirindo grande importância no cenário sócio-político do Brasil. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos da Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro das Capitanias. As lavouras tradicionais da região eram o açúcar, o algodão e o tabaco. Com a chegada da Corte, em 1808, a cidade do Rio de Janeiro e regiões próximas sofreram inúmeras transformações, com vários melhoramentos urbanos, tornando-se referência para as demais regiões. Entre as mudanças figuram: a transferências dos órgãos da Administração Pública e da Justiça e a criação de academias, hospitais e quartéis. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos, aos milhares, em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes. O Rio de Janeiro foi um dos principais portos negreiros e de comércio do país.
[8] Primeiro conde e segundo marquês de Aguiar, d. Fernando José de Portugal e Castro (1752-1817) foi governador e capitão-general da Bahia durante quatorze anos. Entre 1804 e 1806, exerceu o cargo de Vice-rei do Brasil, ao final do qual retornou a Portugal, regressando ao Brasil junto com a corte portuguesa em 1808. Entre as funções que exerceu destacam-se: a presidência do Conselho Ultramarino, o cargo de conselheiro de Estado e ministro do reino, presidente do erário real, membro do conselho da Fazenda e da Junta do comércio e provedor das obras da casa real.
[9] Desembargador e ouvidor da Corte, foi nomeado pelo alvará de 10 de maio de 1808 a intendente geral da polícia da corte. De acordo com o alvará, o Intendente Geral de Polícia da Corte do Brasil, possuía jurisdição ampla e ilimitada, estando a ele submetido os ministros criminais e cíveis. Exercendo este cargo durante doze anos, atuou como uma espécie de ministro da segurança pública. Tinha sob seu domínio todos os órgãos policiais do Brasil, inclusive ouvidores gerais, alcaides maiores e menores, corregedores, inquiridores, meirinhos e capitães de estradas e assaltos. Entre seus feitos, destaca-se a organização da Guarda Real da polícia da corte.
Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
œ No eixo temático sobre a “História das relações sociais da cultura e do trabalho”
œ No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”
Ao tratar dos seguintes conteúdos:
œ Práticas e costumes coloniais
œ A manutenção do sistema colonial
œ Estrutura administrativa colonial

Arquivo Nacional

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