segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O Mito de Merlin na Idade Média e no Romantismo Alemão

Daniele Gallindo Gonçalves e Souza
Graduanda em Letras/ UFRJ

Figura 1. Burne-Jones - (The Beguiling of Merlin). A Ilusão de Merlin, 1874. Lady Lever Art Gallery, Liverpool, England.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por finalidade apresentar, de forma sucinta, os relatos literários que têm como temática o mito de Merlin. Para tanto começaremos por analisar a aparição do mesmo na literatura medieval e, a posteriori, no Romantismo Alemão.
A fama literária de Merlin foi por muito tempo dependente da literatura arturiana. No entanto, pelas diferentes ressonâncias que desperta, o personagem exerceu atração e adquiriu uma popularidade que lhe permitiram ganhar vida fora do quadro medieval e atingir a condição de mito literário autônomo. De início, foi profeta da revanche bretã, criador da Távola Redonda e inspirador da cavalaria andante. Pela singular maneira como se posiciona entre o bem e mal (era fruto da ligação do diabo com uma virgem) e entre a vida e a morte (devido a sua paradoxal sobrevida na “prisão” de ar ou em seu túmulo), Merlin pode encarar nos tempos modernos o enigma da história e do devir. Finalmente, por sua figura de feiticeiro capaz de realizar e sofrer as mais diversas metamorfoses, de construtor e engenheiro mítico e de bruxo de ocasião, ele permanece como um dos heróis privilegiados do imaginário mágico.
Para tratarmos do papel de Merlin na literatura, torna-se necessário a discussão de alguns conceitos, como o de mito.


I . MITO
A melhor maneira encontrada para definir mito, já que a mesma foi proposta, é de se apropriar das seguintes definições:



“, ... o mito designa, ..., uma “história verdadeira” e, ademais, extremamente preciosa por seu caráter sagrado, exemplar e significativo.” (Eliade: 1998, 7)
“...: o mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do “princípio”. Em outros termos, o mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais., uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição.”(Eliade: 1998, 11)



A partir destas definições podemos depreender o que será o mito na literatura: um relato (ou uma personagem implicada num relato) simbólico que passa a ter valor fascinante (1) (ideal ou repulsivo) e mais ou menos totalizante para uma comunidade humana mais ou menos extensa, à qual ele propõe a explicação de um a situação ou forma de agir.
Na criação literária, o mito intervém na relação do escritor com sua época e seu público: um escritor exprime sua experiência ou suas convicções através das imagens simbólicas que repercutem um mito já ambientado e/ou são reconhecidas pelo público como exprimindo uma imagem fascinante.
O texto literário não é em si um mito: ele pode retomar e reeditar imagens míticas, ele próprio pode adquirir valor e fascínio mítico em certas circunstâncias, para determinado público durante certo tempo.
Apresentaremos, a seguir, algumas informações sobre Dorothea Schlegel, uma das componentes do romantismo alemão e autora de A História de Merlin (1803-1804).



II. DOROTHEA SCHLEGEL (1763 – 1839)


Dorothea Veit, filha do famoso filósofo berlinense Moses Mendelssohn, chega a Paris em 1802 com seu companheiro Friedrich Schlegel. Nesta época encontra-se separada de seu primeiro marido, um banqueiro, a quem abandonara para viver com Schlegel. Para a sociedade da época, o fato se tornara motivo para escândalos. Em 1804, desliga-se da comunidade judaica e adere ao protestantismo, a fim de abrir caminho para seu casamento com Schlegel. Nesta época, o livro Sammlung romantischer Dichtungen des Mittelalters já havia sido publicado como sendo de autoria de Friedrich, embora quase todo ele resulte das aptidões literárias de sua esposa. Sua versão da história de Merlin tem por base o Roman du Saint Graal, de Robert de Boron, composto em fins do século XII ou início do século XIII (2). Seu trabalho não representa uma
tradução filologicamente exata, trata-se de uma recriação quase livre, que procura resgatar, tendo como base o texto original, a modernidade do tema. “Uma versão que revela tanto a visão de mundo e de si própria da primeira geração de românticos, quanto fala da época de Robert de Boron.” (GÜNZEL: 1993, 187). Posteriormente, tornou-se a converter-se, desta vez para o catolicismo, junto com seu marido, em 1808. Após a morte de Friedrich Schlegel, em 1829, vai morar com seu filho Philipp Veit, em Frankfurt, falecendo em 1839.


III. ORIGENS DE MERLIN NA LITERATURA MEDIEVAL

Assim como a existência de Artur não é comprovada historicamente, o mesmo se pode dizer de Merlin. Porém, se ambos existiram, Artur viveu antes de Merlin cerca de sessenta anos.
Merlin, cujo nome galês é Myrddin, está associado na literatura a duas figuras: o Merlin Selvagem e o Merlin Ambrósio. O primeiro é baseado na figura de um rei proveniente do norte da Bretanha e que lutou pelos bretões contra os saxões no século VI. Este teria enlouquecido após uma batalha e passara a vagar pela floresta, em contato apenas com os animais, onde teria adquirido poderes sobrenaturais. Há dados históricolendários que podem ligá-lo ao rei Lailoken, da Escócia.
Já Merlin Ambrósio aparece nas narrativas como o filho de um íncubo e uma donzela, capaz de fazer profecias e é apresentado nas fontes latinas pela primeira vez na Historia Regum Britanniae, mas baseado num outro personagem da Historia Brittonum (c. 800), de Nennius, Aurélio Ambrósio. Nesta narrativa, onde Artur aparece como dux bellorum (guerreiro invencível), os dois personagens não travam contato. O rei bretão usurpador Vortigern tenta construir sem sucesso uma fortaleza que desmorona sempre após a sua conclusão. Os sábios do rei o aconselham a matar um menino sem pai e aspergir seu sangue no solo para acabar com a maldição.
O menino Ambrósio (na verdade, Aurelius Ambrosius) é encontrado, desmascara os sábios na presença do rei e explica sobre a existência de duas serpentes, branca e vermelha, debaixo do solo. A seguir, profetiza sobre o destino da Bretanha (A História dos Bretões, http://www.ricardocosta.com/nennius.htm, cap. 40-42).
O mesmo tema é retomado na Historia Regum Britanniae (1135-1138) de Geoffrey de Monmouth quando as serpentes são substituídas por dragões e Merlin (Ambrosius Merlinus) prevê que a Bretanha será derrotada pelos saxões.
Em algumas narrativas célticas é citada a figura de Merlin partindo com seus nove bardos num barco de cristal. É também visto as vezes como um rei solar cultuado em Stonehenge, motivo talvez pelo qual na Historia Regum ele traga essas pedras, por meio de mágica, da Irlanda à Inglaterra.
O Merlin Selvagem aparece principalmente em outra obra de Geoffrey de Monmouth, a Vita Merlini (1148), a qual por sua vez baseava-se na obra inacabada do mesmo autor Prophetiae Merlini (1134), que sofrera influência de narrativas célticas.
Merlin é associado a Artur já na Historia Regum Britanniae, quando é o responsável pelo nascimento daquele. Nesta narrativa, o mago produz a poção que faz o rei Uther adotar as feições de Gorlois, marido da duquesa Ingerna. Assim, enquanto Gorlois já estava morto, Artur é concebido sem que a duquesa soubesse do disfarce.
Porém, a ligação entre o mago e o rei Artur termina neste ponto, sendo mencionado mais uma vez apenas as profecias de Merlin sobre a conquista da Bretanha e o incerto retorno de Artur. Será somente com Robert de Boron, obra na qual se baseou Dorothea Schlegel, que Merlin conduz Artur para ser criado por Antor e depois do episódio da retirada da espada na bigorna torna-se seu conselheiro.
Nas versões anteriores de Geoffrey de Monmouth e Robert Wace, Artur é criado pelos pais e torna-se rei legítimo aos 15 anos após a morte de Uther (3).
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Revista Brathair

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