sexta-feira, 30 de outubro de 2009

África


África
Henrique Raposo


J. Clark Leith, Why Botswana Prospered
Montreal, McGill-Queen’s University Press, 2005, 150 pp.


Dado que é uma das poucas democracias consolidadas e – relativamente – prósperas de África, o Botswana (1,8 milhões de habitantes) nunca aparece na imprensa ocidental. O Botswana é um factoempírico que não encaixa na narrativa apocalíptica que o Ocidente gosta de reproduzir sobre África. Hoje, depois de quarenta anos a apresentar uma das mais altas taxas de crescimento do mundo, o Botswana já é um middle-incomecountry. O maior factor de crescimento tem sido a riqueza mineral do país (diamantes). Outros países africanos com um subsolo igualmente rico continuam a ser marcados pela pobreza, violência e autoritarismo. O Botswana, como salienta Sipho Seakamela (South African Institute of Internacional Affairs), «continua a ser a excepção na instabilidade que assalta os países africanos ricos em recursos». Para perceber por que razão o Botswana escapou à maldição dos recursos, J. Clark Leith (University of Western Ontario; foi consultor no Ministério das Finanças do Botswana e no Banco Central do Botswana) escreveu WhyBotswana Prospered. A resposta de Leith foi encadeada em três fases. (1) A elite do país geriu de forma prudente a sua riqueza mineral, fazendo investimentos em infra-estruturas e no capital humano. Mas, pergunta Leith, por que razão estas medidas económicas resultaram? (2) Ora, o sucesso económico do Botswana não se deve apenas à perícia técnica na gestão macroeconómica; essa gestão foi possível devido à estabilidade político-institucional garantida pelo sistema político; várias instituições (ex.: Banco Central) criaram a confiança necessária para a actividade das empresas que investiram no Botswana (ex.: a gigante sul-africana dos diamantes, DeBeers). (3) A democracia perse não explica o rápido crescimento económico do Botswana. A democracia triunfou no Botswana porque respeitou a tradição do povo Tswana. Por exemplo, o tradicional fórum de consulta tribal, o Kgotla, continua activo e faz parte do sistema político. Por outras palavras, existe uma coabitação entre a modernidade institucional da democracia de inspiração britânica e a tradição local (mesmo antes do advento da democracia moderna, a cultura tswana já era marcada pela noção de accountability). A história de sucesso do Botswana não resulta da sorte; outros países africanos também tiveram a sorte de encontrar diamantes e outros recursos naturais, e, mesmo assim, continuaram na rota da violência. O sucesso do Botswana deve-se ao seu sistema político e às escolhas da sua elite política. Ou seja, a política pode vencer o fado africano.


John F. Clark, The Failure of Democracy in the Republic of Congo
Boulder, Lynne Rienner Publishers, 2008, 308 pp.


John F. Clark (Universidade Internacional da Florida) apresenta aqui um casestudy sobre o Congo-Brazzaville (República do Congo), o mais pequeno e menos mediático dos Congos. Aliás, podemos dizer que este livro, do ponto de vista metodológico, representa uma vigorosa defesa do case study como método de estudo; Clark defende que a sensibilidade histórica (garantida pelo casestudy e desprezada pelas abordagens parcimoniosas) é a única forma de compreendermos os actores políticos.

O livro procura responder a uma pergunta: por que razão a experiência democrática (1991-1997) falhou na República do Congo? (Depois da guerra civil, o antigo chefe de Estado, Denis Sassou-Nguesso, regressou ao poder de forma não democrática). Na resposta, Clark recusa explicações estruturais para o fracasso da democracia em Brazzaville. Até porque este país detinha alguns bons indicadores de desenvolvimento, dado que Brazzaville era um ponto vital do império francês em África. Clark afirma que a responsabilidade pelo fracasso da democracia neste país assenta na mediocridade e na ganância da elite política. Os dirigentes congoleses encararam o poder como uma forma de enriquecimento pessoal, nomeadamente através do saque da riqueza petrolífera do país. Clark é acutilante na forma como responsabiliza a agência dos actores políticos, recusando desculpabilizar os ditos actores com factores estruturais – supostamente – inelutáveis. Ou seja, a experiência democrática não estava destinada a terminar em guerra civil; a República do Congo não estava predestinada a regressar ao autoritarismo. Sassou-Nguesso teve a oportunidade de seguir um caminho democrático; teve a oportunidade de criar uma reconciliação nacional entre os diversos grupos étnico-religiosos. Porém, Sassou-Nguesso escolheu a via do oportunismo, da manutenção no poder a todo o custo. Sassou-Nguesso optou por este caminho porque teve receio de enfrentar uma competição eleitoral. E, acima de tudo, Sassou-Nguesso manteve-se no trilho do oportunismo porque nunca revelou o patriotismo necessário para reconhecer que o futuro do país não dependia apenas dos desideratos de um único indivíduo.

Se a elite do Botswana – personificada por Seretse Khama – escolheu actuar de forma patriota (a excepção em África), a elite da República do Congo – personificada por Sassou-Nguesso – escolheu o caminho do oportunismo pessoal (a regra em África). O Botswana não estava predestinado ao sucesso. A República do Congo não estava predestinada ao fracasso. O sucesso de Gaborone e o fracasso de Brazzaville resultaram de escolhas políticas feitas de forma consciente. Em política, não existe destino ou predeterminações estruturais.

Instituto Português de Relações Internacionais

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