segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Espiões da Alemanha Ocidental colecionavam piadas dos alemães orientais


Hans-Ulrich Stoldt e Klaus Wiegrefe
Os alemães orientais vieram dos macacos? Impossível. Os macacos jamais teriam conseguido sobreviver com apenas duas bananas por ano. Piadas como esta eram sussurradas na Alemanha Oriental comunista - e espiões da Alemanha Ocidental as registravam diligentemente para entender como estava o estado de espírito da população, de acordo com arquivos de inteligência divulgados recentemente.

"O que aconteceria se o deserto se tornasse comunista? Durante algum tempo, nada, e depois haveria uma escassez de areia." Piadas assim circulavam entre os alemães orientais durante a era comunista, e o serviço de inteligência da Alemanha Ocidental as colecionava, não só para compreender o estado de espírito do povo do outro lado da Cortina de Ferro, mas também para entreter seus chefes em Bonn, capital da Alemanha Ocidental.

Eis uma outra: "Por que a Alemanha Ocidental tem um padrão de vida melhor do que nós? Por que os comunistas não conseguem vistos de trabalho lá". O onipresente Trabant, ou Trabi, o lendário carro com carroceria de plástico da Alemanha Oriental, com seu barulhento motor de dois tempos, também era um dos alvos favoritos das piadas. Como esta: "Será lançado um novo Trabi com dois escapamentos - assim você poderá usá-lo como um carrinho de mão".

As piadas eram recolhidas de cartas secretamente violadas e conversas de telefone que os agentes da Bundesnachrichtendienst (BND) da Alemanha Ocidental monitoravam em sua busca por segredos de Estado da Alemanha Oriental durante a Guerra Fria.

Os serviços de inteligência de todo o mundo tendem a valorizar qualquer fragmento de informação que conseguem, e o BND não era diferente. Ele coletava e arquivava meticulosamente as piadas e as enviava para Bonn todos os anos, durante a temporada de carnaval, para o deleite dos funcionários públicos. O BND acaba de divulgar os arquivos que mantinha a respeito do humor da Alemanha Oriental.

Presente de carnaval
O relatório de piadas era de longe o serviço mais popular oferecido pelos espiões. "Era o nosso maior sucesso", lembra-se o ex-espião do BND Dieter Gandersheim, cujo nome verdadeiro é, obviamente, bem diferente. A chancelaria e os ministros mal podiam esperar pelo relatório, disse ele.

Elas não eram apenas algo para animar a cinzenta rotina dos funcionários públicos. As piadas permitiam compreender o que os alemães orientais comuns pensavam sobre o seu regime e sobre os acontecimentos da época. O acidente nuclear de Chernobyl, em 1986, deu origem a um novo provérbio, que dizia: Se o fazendeiro cair de seu trator, ele deve estar perto de um reator.

Chernobyl, a propósito, não foi um acidente, dizia outra piada. Foi apenas um programa soviético para tirar um raio-X da população.

Os alemães orientais não relutavam em satirizar secretamente seus líderes políticos, burocratas ou a escassez crônica de produtos que afetava o país, mesmo que isso fosse arriscado para eles.

"As piadas políticas proliferam nas ditaduras", diz Christoph Kleeman, ex-funcionário da Birthler Authority, que foi criada depois da unificação da Alemanha para administrar os arquivos da polícia secreta da Alemanha Oriental, ou Stasi. "Qualquer um que conte uma piada assim, ou dê risada dela, cria a democracia durante um breve momento e coloca os líderes do regime no mesmo nível das pessoas comuns."

Brincando com fogo
O Natal foi cancelado, diz outra piada. Maria não encontrou nenhuma fralda para o menino Jesus, José foi convocado para o Exército e os três reis magos não conseguiram permissão para viajar.

Os relatórios de piadas do BND eram com frequência precedidos por uma análise da situação política e econômica da República Democrática Alemã. No começo dos anos 80, quando o governo polonês impôs a lei marcial em resposta às greves contra os aumentos de preços dos alimentos e a favor da reforma política, o BND informou que alguns trabalhadores da Alemanha Oriental também haviam parado de trabalhar, e ofereceu a seguinte análise: "A liderança da RDA acredita que a população é resiliente e está pronta para fazer sacrifícios, mas está preparada para uma ação dura se for necessário para evitar as 'condições polonesas'". O relatório acrescentava um capítulo com "piadas políticas sobre a situação do fornecimento". Como esta: "Por que não existem mais broches na Alemanha Oriental? Porque eles são vendidos na Polônia como espetos de churrasco."

"Contar piadas era como brincar com fogo", diz Kleeman. A Stasi tinha 91 mil empregados e uma rede de cerca de 189 mil informantes civis para espionar a população de 17 milhões de pessoas da Alemanha Oriental. Eles viam qualquer piada política como uma ameaça em potencial. Qualquer um que fizesse graça com os representantes dos órgãos do Estado e da sociedade estava sujeito a ser processado.

"Houve casos de pessoas que foram presas, foi pior durante os anos 50 e 60", diz Kleemann.

Eis um exemplo de como era arriscado ser engraçadinho: "Há pessoas que contam piadas. Há pessoas que colecionam piadas e contam piadas. E há pessoas que colecionam pessoas que contam piadas."

Tradução: Eloise De Vylder

Der Spiegel

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