Iain King, Whit Mason, Peace at any Price: How the World Failed Kosovo
Ithaca, Cornell University Press, 2006, 328 pp.
Peace at any Price: How the World Failed Kosovo poder-se-á caracterizar como um livro de bordo relativo à presença da missão interina das Nações Unidas no território que se tornaria um protectorado internacional a uma escala sem precedentes, através do ambicioso mandato de reconstrução civil, política e económica patente na resolução 1244 do Conselho de Segurança. Iain King e Whit Mason, antigos funcionários internacionais na administração civil interina, descrevem como a comunidade internacional fracassou no processo de democratização do Kosovo, apesar do empenho e dos recursos sem antecedentes no rol de missões das Nações Unidas. A inadequada percepção da comunidade internacional sobre as questões étnico-históricas conflituais intrínsecas às relações entre sérvios e albaneses, a desajustada visão sobre as disputas de poder entre a maioria albanesa e o boicote generalizado da minoria sérvia às instituições internacionais, aliados a uma estrutura institucional internacional ineficiente e com focos de autoridade fragmentada condicionaram desde o início o nível de sucesso final da ambiciosa missão internacional em tornar o Kosovo uma «sociedade multiétnica». Os autores mostram como a procura de uma definição consensual para o estatuto institucional do Kosovo pós-unmik e as inerentes posições antagónicas de sérvios e albaneses condicionaram o processo de democratização empreendido sob a esfera das Nações Unidas, que se revelou incapaz na reestruturação de uma sociedade fraccionada pelas disputas das guerras dos anos de 1990 e marcada pela corrupção política, económica e judicial. Face aos relatos de Iain King e Whit Mason, compreendidos entre Junho de 1999 e Maio de 2006, torna-se evidente como a «rebelde» declaração unilateral de independência proclamada a 17 de Fevereiro de 2008 seria a única opção de fuga para uma questão impossível de gerar consensos internos e externos. Livro de leitura obrigatória para formar uma percepção autêntica sobre o trabalho da unmik e as dificuldades internacionais em lidar com as realidades empíricas do Kosovo, considerações que ilustram os limites da intervenção externa em cenários de reconstrução pós-conflito e em terrenos com uma elevadíssima conflitualidade étnica de ruptura, que condicionam os esforços de incentivo democrático da comunidade internacional frequentemente descoordenados com as pretensões das populações autóctones.
James Pettifer, Miranda Vickers, The Albanian Question: Reshaping the Balkans
Londres, I. B. Tauris, 2006, 312 pp.
James Pettifer e Miranda Vickers, jornalistas, investigadores e académicos, tratam a história contemporânea da questão nacional albanesa em 18 capítulos que relatam aspectos políticos, económicos, sociais e culturais dos albaneses nos Balcãs desde o colapso do Governo de Sali Berisha em 1997 à posterior emergência dos conflitos no Kosovo, no Vale de Presevo e na Macedónia, culminando com a posição de Tirana face ao mundo albanês actual. A insurreição de 1997 é percepcionada pelos autores como uma derrota da elite albanesa detentora da antiga burocracia comunista, abrindo as portas à democratização na Albânia. País criado nas cinzas da II Guerra dos Balcãs em 1913 e com as fronteiras confirmadas por Tito e Estaline em 1948, mas territórios com comunidades albanesas existem no Kosovo, na Macedónia Ocidental, no Sudeste do Montenegro, nos municípios de Presevo, Medvedja, Bujanovac no Sul da Sérvia e na região grega de Epirus ou Chameria, apesar da agregação de territórios com comunidades albanesas nunca se ter constituído em projecto político com concretizações efectivas por parte de Tirana. Com a criação do Exército de Libertação do Kosovo, os autores consideram que a crise no Kosovo e na Macedónia reacendeu e reformulou a «nova» questão nacional albanesa, sendo estabelecidas relações causais entre a insurgência do kla e as posteriores revoltas albanesas no Vale de Presevo e na Macedónia, confirmadas com a «invasão» de Tirana pelos refugiados albaneses do Kosovo no «Verão quente» de 1998 acendendo a tentativa de golpe de Estado na Albânia. O lugar da Albânia no xadrez dos Balcãs Ocidentais foi reorientado no pós-1999, reafirmando a integração europeia e a Aliança Atlântica num período pós-comunista, coadjuvado pelo fim dos ímpetos nacionalistas do projecto expansionista de Slobodan Milosevic com a revolução democrática de 2000 em Belgrado. A herança do passado comunista marcada pelo pulso de Henver Hoxha, o fim do isolamento internacional de Tirana e as reivindicações separatistas da maioria albanesa no Kosovo relançaram a apreensão sobre o ressurgimento de movimentos pan-albanistas nos Balcãs, pretensões refutadas pelos autores como receios externos sobre uma ameaça inexistente e ausente das agendas políticas albanesas, reforçada pela opção europeia da política externa de Tirana. Os autores defendem a questão nacional albanesa contemporânea como uma consciência pan-albânica para além das fronteiras estatais, numa órbita pró-europeia de aproximação económica regional e de solidariedade humanitária entre albaneses ausente de quaisquer projectos de agregação nacional senão ao nível europeu.
Elizabeth Pond, Endgame in the Balkans: Regime Change, European Style
Washington, Brookings Institution Press, 2006, 412 pp.
Em Endgame in the Balkans: Regime Change, eEuropean Style Elizabeth Pond, jornalista sediada na Alemanha, faz um notável estudo analítico de como os Balcãs se tornaram simultaneamente um assunto de política «externa» e «interna» europeia, região em que a União Europeia (ue) exerce um desempenho crucial no processo de democratização de estados com défice democrático através dos atractivos políticos e económicos inerentes à integração europeia. Com o colapso da urss e o fim do Pacto de Varsóvia as democracias emergentes da Europa Central rapidamente se tornaram questões de política interna de «boa vizinhança» para a Comunidade Europeia e o respectivo alargamento um mecanismo progressivo de inclusão democrática de estados vizinhos com vista à sua integração, processo que se iniciou com as guerras de secessão da antiga Jugoslávia nos anos de 1990 e que iria afectar a Bulgária, a Roménia, a Croácia, a Bósnia-Herzegovina, a Macedónia, a Albânia, a Sérvia, o Montenegro e o Kosovo de forma diferenciada mas com um objectivo comum: democratizar regimes e consolidar reformas democráticas com vista à integração europeia como meio para estabilizar os Balcãs. É neste contexto que a autora faz incursões sobre o legado comunista na transição da Bulgária e na Roménia e a adesão à nato e à ue com vista à monitorização e transparência financeiras em sociedades minadas por corrupção e redes mafiosas. Mostra como a reconstrução total do Estado por funcionários internacionais na Bósnia-Herzegovina ocorreu sem a dificuldade acrescida no Kosovo em solucionar um estatuto em disputa, mas em ambos os casos a ue empreendeu um enorme investimento económico e capital político como forma de comprar a paz numa região marcada pela guerra. Por outro lado, o caso da Macedónia demonstrou como definições constitucionais claras e a institucionalização da perspectiva europeia são meios capazes para ultrapassar episódios críticos, situação verificável com o Acordo Ohrid no Vale de Presevo. A conturbada reinvenção da Albânia pós-Enver Hoxha e a determinante proximidade europeia, a desmistificação do regime de Belgrado após a revolução democrática e as disputas políticas sobre o projecto para a Sérvia num cenário determinado pela secessão do Montenegro, pela questão do Kosovo e pela integração europeia são pontos cruciais no estudo da autora. Elizabeth Pond defende que aos avanços e retrocessos no processo de integração europeia dos Balcãs se faz corresponder o respectivo recuo e o florescimento do ultranacionalismo, pelo que foi fundamental para a Croácia quando em 2005 confirmou o percurso europeu e a consequente rejeição do ultranacionalismo croata com a detenção do general Ante Gotovina, reforçando a ideia que a autora evidencia ao longo de toda a obra sobre a importância do Tribunal Penal Internacional para a Antiga Jugoslávia no encerramento de um capítulo negro da história europeia, trazendo o sentido de justiça possível às atrocidades cometidas nas guerras dos Balcãs aliado a um crescente processo de europeização regional.
Brad K. Blitz (ed.), War and Change in the Balkans: Nationalism, Conflict and Cooperation
Cambridge, Cambridge University Press, 2006, 290 pp.
A edição de War and Change in the Balkans: a Nationalism, Conflict and Cooperation, por Brad K. Blitz, resultou de uma conferência sobre os Balcãs realizada na Universidade de Stanford no Verão de 1997. O encontro reuniu a análise de académicos e as experiências pessoais de jornalistas, diplomatas e funcionários de instituições internacionais, e culminou com uma notável colectânea de textos sobre as guerras étnicas que devastaram a antiga Jugoslávia durante a última década. Os temas abordados pelos autores podem ser agrupados em quatro áreas: a desintegração da Jugoslávia e a criação de novos estados; a importância das ideologias nacionalistas na construção das guerras e a sua dissipação no período pós-conflito; o papel dos actores internacionais; e o processo de democratização dos actuais estados que constituíam a antiga Jugoslávia e a respectiva integração europeia.
No fundo, esta colecção de artigos procura saber porque é que a Jugoslávia se desintegrou através da guerra. A relação entre o comunismo e os nacionalismos nos Balcãs teve um papel preponderante no fim da Jugoslávia federal e na transformação das repúblicas jugoslavas em estados independentes. Para além das condições estruturais e do confronto das posições nacionalistas e ideológicas das repúblicas federadas, é dado particular relevo ao desempenho pessoal dos líderes jugoslavos desde a morte de Joseph Tito, em 1980. A forte consciência étnico-nacional das elites sérvias exacerbada pelas políticas de homogeneização nacional impostas pelo Exército Nacional Jugoslavo, sob o punho de Slobodan Milosevic, são pontos centrais para entender as raízes dos conflitos nos Balcãs. A independência da Eslovénia e da Macedónia, as guerras na Croácia e na Bósnia-Herzegovina, a guerra humanitária no Kosovo e a instalação da missão das Nações Unidas na província sérvia são temas analisados com algum detalhe pelos autores. De igual modo, é destacado o desempenho da União Europeia na região bem como o papel e a influência da Albânia, da Itália, da Grécia e da Rússia. Por último, é concedido particular realce ao massacre de Srebrenica e à criação do Tribunal Criminal Internacional para a Antiga Jugoslávia, assim como ao regresso dos deslocados internos e dos refugiados de guerra aos actuais estados da antiga Jugoslávia, como uma fase determinante na reconciliação nacional com as histórias das guerras, na consolidação democrática e na manutenção da paz nos Balcãs.
Instituto Português de Relações Internacionais
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