quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O Aleijadinho


Profetas de Aleijadinho em Congonhas

Ouro Preto - 1796

O Aleijadinho, criador de plenitudes, escupe e talha com o toco dos braços. É de uma feiúra horripilante o escultor das mais altas formosuras na região mineira do Brasil. Para não servir a senhor tão horroroso, um dos escravos que ele comprou quis suicidar-se. A doença, lepra ou sífilis ou misteriosa maldição, vai devorando-o a dentadas. Por cada pedaço de carne que a doença arranca, ele entrega ao mundo novas maravilhas de madeira ou pedra.

Em Congonhas do Campo estão esperando por ele. Poderá chegar até lá? Terá forças para talhar os onze profetas e ergue-los contra o céu azulíssimo? Dançarão sua atormentada dança de animais feridos os profetas anuciantes de amor e da cólera de Deus?

Ninguém acredita que lhe sobre a vida para tanto. Os escravos o carregam pelas ruas de Ouro Preto, sempre escondido debaixo do capuz, e amarram o cinzel ao resto da sua mão. Só eles vêem os despojos de sua cara e de seu corpo. Só eles se aproximam desse monstrengo. Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, vai-se quebrando; e nenhuma criança sonha que o colacom saliva.

Eduardo Galeano - Memória de Fogo

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