quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Azerbaijão – de antiguidade das sedas e esquina do mundo


Azerbaijão – de antiguidade das sedas e esquina do mundo
 Paulo Antônio Pereira Pinto

A região ao Sul da Cordilheira do Cáucaso, onde se situa o Azerbaijão, era melhor conhecida, na Antiguidade Greco-Romana e no auge da Rota das Sedas, do que no mundo atual. Segundo a mitologia grega, foi no alto daquelas montanhas que Zeus mandou acorrentar Prometeu, para que seu fígado fosse comido por abutres, como punição por ter entregue o fogo prometido aos humanos.

Até hoje – e já visitei o local – há uma chama eterna que brota do chão, aqui perto de Baku, que seria aquela fogueira inicial. Ao escurecer, adquire um tom azulado. É um prazer observar o fenômeno – entendido pela óbvia presença de gás subterrâneo – sorvendo chá com iguarias locais. Imagine-se, no entanto, a popularidade daquele fogaréu todo, inexplicado através dos séculos, favorecendo o surgimento de crenças e credos como os seguidores de Zaratustra, que adoram o fogo (os seguidores do Zoroastrismo, hoje, vivem principalmente na área de Mumbai, Índia, de onde acabo de chegar, após dois anos e meio como Cônsul-Geral).

No auge da Rota das Sedas, que ligava a Europa à Ásia e foi popularizada por Marco Polo, a área hoje ocupada pelo Azerbaijão era grande tema de conversas – segundo consta – nos dois continentes. A parte antiga de Baku preserva muralhas do Século XIV que protegiam os comerciantes que aqui transitavam, naquela época, com suas caravanas de camelos.

Há restaurantes, sempre subterrâneos para proteger dos ventos – se o Azerbaijão é conhecido como a “Terra do Fogo”, Baku o é como a “Cidade do Vento” – onde se pode degustar cozinha local, lembrando aqueles tempos idos. Parece que o grande assunto era os já então famosos tapetes azeris, objetos de troca, no comércio das sedas, entre europeus e asiáticos. Os bazares continuam vendendo este produto, perto aqui de casa.

Hoje, o Azerbaijão, quando reconhecido, é identificado por situar-se na “esquina do mundo”.

Especialistas e simpatizantes situam, aqui, fronteiras entre a Europa e a Ásia, entre o Ocidente e o Oriente, entre o Mundo Cristão e o Muçulmano, entre áreas de influências atuais da Rússia, Irã e Turquia e, na condição de ex-integrante da União Soviética, entre um sistema centralmente planificado e um de economia de mercado.

A maioria das avaliações disponíveis sobre o papel deste país no cenário mundial, no entanto, o reduzem, cartograficamente, ao grupo de três pequenos estados recentemente emancipados na região do Cáucaso, junto com a Georgia e a Armênia. A seguir, são feitas observações, sobre o término da Guerra Fria, o esfacelamento da União Soviética e a emergência de nações, sempre antagônicas, ao Sul daquela cadeia de montanhas, cujas diferentes culturas foram sufocadas, durante os 70 anos de jugo comunista.

O interesse pela inserção internacional do Azerbaijão pode ser maior, contudo, quando se verifica a crescente importância estratégica das margens do Mar Cáspio. Compartilham da mesma situação geopolítica a Rússia, o Irã, o Casaquistão e o Turcomenistão.

Verifica-se, a propósito, que o Azerbaijão tem merecido atenção diferenciada do exterior, pelas conhecidas e recentemente revalorizadas riquezas energéticas que compartilha, na área ribeirinha ao Cáspio.

O maior mar interior do mundo situa-se, é sabido, na confluência de conflitos étnicos, religiosos, nacionais e extra-regionais históricos. Durante o Século XIX, travou-se disputa, nesta parte da Ásia Central, por conquistas territoriais e acesso a mercados e recursos naturais, entre o Império Russo e a Grã Bretanha, também conhecida como “The Great Game”.

Com o término da Guerra Fria, a vizinhança do Cáspio ressurge como espaço a ser cobiçado em novo “Grande Jogo”, em virtude agora, principalmente, de suas reservas de petróleo e gás, por Estados Unidos, Europa Ocidental e Rússia, além de potências menores.

Trata-se, no entanto, de área situada no percurso da antiga “Rota das Sedas”. Esta era o longo e inóspito caminho a ser percorrido, entre a Europa e a Ásia. Apesar de conter, no nome, a idéia de intercâmbio comercial, as principais trocas foram de caráter cultural, sobrepondo diferentes religiões, hábitos e costumes

Coloca-se, portanto, o desafio da adoção de perspectiva estratégica para o mapeamento de tendências e estruturas regionais em construção e identificação de principais atores regionais.

Assim, pretendo utilizar, para o acompanhamento da evolução politica e econômica da área, o enfoque de sucessivos círculos concêntricos, a partir da vizinhança mais próxima do Azerbaijão, ao redor do Mar Cáspio, até a esfera mais ampla onde se situam influências dos atores do “Grande Jogo” do momento.

Isto é, o círculo inicial situar-se-ia a nível micro, onde se encontra mosáico de comunidades heterogêneas, que convivem no espaço geográfico ocupado por aqueles cinco países, ao redor do Mar Cáspio, divididas por rivalidades tribais, diferenças linguísticas, hostilidades religiosas e disputas territoriais de longa data. Tais divergências podem deflagar conflitos regionaisl, com possíveis interferências externas.

O segundo círculo é o composto pela interação entre os cinco estados ribeirinhos citados acima: Azerbaijão, Rússia, Irã, Casaquistão e Turcomenistão. Com exceção do Irã – cuja instabilidade é conhecida – os demais foram membros da União Soviética e encontram-se em difícil processo de construção nacional e de transição de sistema econômico centralmente planificado. Por consequência, estes países sofrem de incertezas políticas que podem afetar suas respectivas posições quanto à exploração dos recursos energéticos regionais.

O terceiro abrange estados periféricos ao Mar Cáspio, a saber, Turquia, Georgia, Uzbequistão, Afeganistão e Armênia. A vizinhança lhes concede importância crucial para as exportações dos recursos energéticos dos estados ribeirinho caspianos, isolados dos mercados europeus, norte-americanos e asiáticos. Os acontecimentos políticos neste “inner circle”, ademais, afetam a situação interna daqueles incluídos, para fins desta análise, no círculo inicial, pela dependência do acesso de seus produtos ao exterior.

A seguir, em quarto patamar, formando um “outer circle”, encontram-se potências da magnitude de China e Índia, bem como atores regionais de peso, como Paquistão, Arábia Saudita e Estados do Golfo, Israel, Grécia, Bulgária, Romênia e Ucrânia. Há fatores em comum, que os relacionam com a área do Cáspio. Alguns são grandes importadores de petróleo, outros exportam o mesmo produto e, portanto, receiam a competição dos ribeirinhos caspianos, enquanto o território de alguns serve de via de trânsito para exportações.

O quinto círculo abrange as potências extra-regionais, como Estados Unidos, União Européia, Japão e países da Ásia Oriental, cujos interesses, no que diz respeito à área do Mar Cáspio são complementares e competitivos. Compartilham, por um lado, da preocupação quanto à estabilidade desta região, que lhes fornece recursos energéticos e tem crescente poder aquisitivo para seus produtos industrializados. Por outro, disputam condições mais favoráveis para garantir o fornecimento de petróleo e gás, bem como o acesso a seus mercados para seus bens e máquinas.

Verifica-se, portanto, que os países às margens do Mar Cáspio não podem escapar, como na época do “Great Game”, a condicionantes externas. No século XIX, eram vítimas ou protagonistas de disputas por territórios e consumidores, conforme mencionado acima. Hoje, o Azerbaijão e seus vizinhos são influenciados por forças mais abrangentes de um mercado globalizado não apenas de energia, mas também de idéias, instituições e tendências sócio-econômicas.

Nesse processo, segundo a perspectiva estratégica que se pode adotar, análises da evolução política e econômica do Azerbaijão não se devem esgotar na condição cartográfica do país, situado ao Sul da Cordilheira do Cáucaso.

Caberia, então, “se a tanto me ajudarem o engenho e a arte”, realizar o esforço de identificação de tendências e estruturas regionais em construção que afetem os principais atores ao redor do Mar Cáspio. Estas são determinadas por realidades locais e forças regionais, situadas em patamares distintos e descritos acima como sucessivos centros concêntricos, que interagem e se condicionam mutuamente.

O observador em Baku deverá defrontar-se, portanto, com cenário de crescente inserção econômica internacional do Azerbaijão, em virtude da importância estratégica de seus recursos energéticos. Este desafio, contudo, não pode ser descolado do exercício de interpretação de como, nesta região ribeirinha do Cáspio, pretende-se preservar hábitos, práticas e valores locais, diante das condicionantes do atual “Great Game”, em disputa por influência sobre a antiga Rota das Sedas.

Já ía me esquecendo: após o Dilúvio, foi no alto da Cordilheira do Cáucaso que Noé aportou com sua arca. Este foi, mesmo, antigamente um destino de viagens bem mais popular, do que no mundo atual.

Diplomata. Primeiro Embaixador do Brasil residente em Baku, Azerbaijão. Serviu, anteriormente, como Cônsul-Geral em Mumbai e, a partir da década de 1980, durante vinte anos, na Ásia Oriental, sucessivamente, em Pequim, Kuala Lumpur, Cingapura, Manila e Taipé. As opiniões expressas são de sua inteira responsabilidade e não refletem pontos de vista do Ministério das Relações Exteriores (papinto2006@gmail.com).

Meridiano 47

Um comentário:

Unknown disse...

Realmente, fica justificado o título "DE ANTIGUIDADES DAS SEDAS E ESQUINAS DO MUNDO"

Se ainda há uma chama eterna, mesmo estendido pela presença do gás, paira uma dúvida sobre a ligação entre a mitologia - Zeus e a religião - Deus.

O quarto patamar, com a presença de Israel, Arábia Saudita e Estados do Golfo,Grécia, Bulgária, Romênia e Ucrânia Poderiam geraruma guera de poderes, pois as potências são fortes, mas pelo que li o interesse é mais comercial.

Local desejável de conhecer. Povo interessante e com toda essa riqueza de informação, fortifica a vontade.

Bela postagem

Parabéns Eduardo!

Abração

Mirse