sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Portugueses do sol nascente


Portugueses do sol nascente
No Japão do século 16, a presença lusitana deixou marcas profundas

No auge de seu império, Portugal teve colônias na costa da África, em ilhas do Atlântico, no Oriente Médio, na Índia, na China, no Sudeste Asiático e no Brasil. Mas um outro país também foi ocupado: o Japão. Ainda que essa história seja pouco conhecida, a presença portuguesa na terra do sol nascente deixou marcas permanentes na cultura local.

Segundo o tratado Teppo-ki ("Crônica da espingarda"), de 1606, os lusos chegaram ao Japão em 1543. Não por acaso, esse registro está contido em uma obra histórica sobre a introdução da arma de fogo no país. A colonização europeia foi apoiada em armamentos, no comércio e na divulgação do cristianismo.

A princípio, cada navio ocidental chegava carregado com pólvora, seda e porcelana, trazidos da China, e especiarias da Índia. Rapidamente, o objetivo comercial somou-se à intenção de propagar a fé cristã. "O binômio missionário-comerciante é constante na história da presença portuguesa no Japão", afirma Madalena Ribeiro, pesquisadora da Universidade Nova de Lisboa.

Em 1582, já havia 150 mil cristãos no Japão e 200 igrejas, além de 20 padres. No auge, o número chegou a 200 mil, distribuídos principalmente no sul do país, em Kagoshima e Nagasaki. Mas a intromissão estrangeira em um país em fase de unificação incomodou as autoridades locais. A partir de 1587, os cristãos começaram a ser reprimidos. Os que não recuaram se tornaram kakure kirishitan, ou "cristãos ocultos". Com o tempo, a falta de contato com sacerdotes católicos fez com que alguns rituais fossem adaptados. Nas missas, a hóstia e o vinho passaram a ser substituídos por sashimi, arroz e saquê. Em 1859, quando chegaram ao Japão, missionários franceses descobriram que cerca de 60 mil japoneses praticavam o cristianismo na clandestinidade. As comunidades kirishitan existem até hoje. Muitas ainda têm orações como pai-nosso e ave-maria, recitadas (sem serem compreendidas) em uma mistura de japonês, latim e português do século 16.
Além da religião, a influência portuguesa marcou a medicina, as ciências náuticas e a astronomia. Os arquitetos japoneses aprenderam técnicas para fortificação de castelos. Outros campos do pensamento ocidental também influenciaram os orientais. "A chegada dos portugueses permitiu uma alteração na maneira de pensar dos japoneses, por influência de ideias como o racionalismo e o liberalismo", diz Ikunori Sumida, diretor do Departamento de Estudos Luso-Brasileiros da Universidade de Estudos Estrangeiros de Kioto. "Foi uma mudança invisível, ao contrário da introdução das espingardas e da religião."

Fé de berço
Alguns imigrantes que vieram ao Brasil já eram católicos

A maior parte dos japoneses que se mudaram para o Brasil a partir do fim do século 19 conheceu o catolicismo no nosso país. Mas uma pequena parcela descendia dos cristãos escondidos, os kakure kirishitan. "Esse grupo foi importantíssimo para a conversão dos japoneses e nikkei brasileiros ao cristianismo. Eles ofereceram um tipo de catolicismo com o qual os japoneses puderam se identificar", diz Rafael Shoji, do Instituto para Religião e Cultura da Universidade Nanzan, em Nagoia, Japão.
Entre os cristãos que chegavam por aqui estava um missionário católico, o monsenhor Domingos Nakamura. Nascido no arquipélago de Goto, ele conhecia as famílias que atendia, no Paraná e em São Paulo, por causa de seu trabalho anterior, na paróquia de Kagoshima. Madalena Hashimoto Cordaro, 51, professora de Literatura Japonesa na USP, também descende de "cristãos ocultos". "Meu pai contava histórias sobre perseguições ocorridas no passado e crucificações na praia."

Glossário luso-nipônico
Palavras japonesas de origem portuguesa

Padre - bateren

Bênção - bensan

Vidro - bïdoro

Botão - botan

Jesus - Esu

Carta de jogar - karuta

Pão - pan

Tabaco - tabako
Revista Aventuras na História

Um comentário:

Genny Xavier disse...

É sempre uma viagem cultural/histórica percorrer as páginas do seu muito interessante e vívido espaço virtual...ganhamos sempre informações novas e aprendizado.
Um abraço,
Genny