AME-O OU DEIXE-O
|
Entre os oficiais mais jovens, era extremamente popular o general nacionalista Albuquerque Lima, que tinha também pontes nos meios civis, inclusive no MDB. Mas ele foi afastado da corrida, a pretexto de ser um general de apenas três estrelas. Dentre os das indispensáveis quatro estrelas, o Alto Comando das Forças Armadas escolheu para o general Emílio Garrastazu Médici e para seu vice o ministro da Marinha, Augusto Rademaker.
Médici era gaúcho como Costa e Silva. Descendia de italianos na linha paterna e de bascos, na materna. Na década de 50, fora chefe do Estado-Maior de Costa e Silva, então comandante da 3ª Região Militar e seu amigo íntimo. Como comandante da Academia Militar de Agulhas Negras, apoiou o movimento de 1964 e, após a queda de Jango, foi nomeado adido militar em Washington. Quando Costa e Silva alcançou a presidência, foi nomeado chefe do SNI. Apesar dessa carreira, era um nome desconhecido para o grande público.
Nome: Emílio Garrastazu Médici Natural de: Rio Grande do Sul Gestão: 30.out.1969 a 15.mar.1974 | |
O período de seu governo ficou conhecido como "os anos negros da ditadura", subseqüentes ao AI-5. O tricampeonato mundial de futebol marcou o governo do "milagre econômico" de Médici, cujos índices econômicos começaram a declinar em 1973 com a crise do petróleo. A repressão endureceu, e foi criado o slogan: "Brasil, ame-o ou deixe-o". |
Os direitos fundamentais do cidadão estavam suspensos. Qualquer um podia ser preso se fosse desejo do governo. Nas escolas, nas fábricas, na imprensa, nos teatros, a sociedade brasileira sentia a mão de ferro da ditadura.
O governo gastava milhões de cruzeiros em propagandas destinada a melhorar sua imagem junto ao povo. Um dos slogans dessa propaganda dizia: "Brasil, ame-o ou deixe-o".
Os meios de comunicação e as atividades culturais eram vigiados pela polícia. Tudo o que desagradava ao governo era severamente censurado. A ditadura não admitia críticas, nem ao menos oposição pacífica.
Os grupos armados urbanos, que a princípio deram a impressão de desestabilizar o regime com suas ações espetaculares, declinaram e praticamente desapareceram. Esse desfecho resultou em primeiro lugar da eficácia da repressão à chamada "rede de apoio", constituída sobretudo por jovens.
Outra razão foi o isolamento dos grupos armados da massa da população, cuja atração por suas ações era mínima, para não dizer nenhuma. A esquerda radical equivocara-se ao pensar em criar no Brasil um novo Vietnã.
Carlos Marighella morreu em novembro de 1969, em uma emboscada policial fruto de informações obtidas através de torturas. A VPR fora reduzida a quase nada no início de 1971. Aconselhado por seus companheiros a fugir do país, Lamarca insistiu em ficar. Após vários deslocamentos, embrenhou-se no sertão da Bahia, onde foi alcançado e morto em setembro de 1971.
Restou um foco do guerrilha rural do PC do B no Bico do Papaguaio, região banhada pelo Rio Araguaia, próximo a Marabá, a leste do Pará. Nos anos de 1970 e 71, cerca de 70 pessoas estabeleceram ligações com os camponeses, ensinando-lhe métodos de cultivos e cuidados com a saúde. O Exército descobriu o foco em 1972, mas não se revelou tão apto na repressão como na guerrilha urbana. Foi só em 1975, após transformar a região em zona de segurança nacional, que liquidou ou prender o grupo. O fato não chegou ao conhecimento do grande público, apenas boatos desencontrados, devido à censura.
O governo Médici não se limitou à repressão. Distinguiu claramente entre um setor significativo, mas minoritário da sociedade, adversário do regime, e a massa da população que vivia um dia-a-dia de alguma esperança em anos de prosperidade econômica. Para a propaganda, o governo contou com o grande avanço da telecomunicações, após 1964.
As facilidades de crédito pessoal permitiram a expansão do número de casas com televisão: em 1960, apenas 9,5% das residências urbanas tinham aparelho; em 1970, saltou para 40%. Por essa época, beneficiada pelo governo, a Rede Globo expandiu-se até se tornar rede nacional e deter praticamente o controle do setor. A propaganda governamental passou a ter um canal de expressão como nunca existira na história.
No plano econômico, o governo Médici foi marcado por período de desenvolvimento que a propaganda oficial chamou de "milagre brasileiro". A economia cresceu a altas taxas anuais, tendo como base o aumento da produção industrial, o crescimento das exportações e a acentuada utilização do empréstimo do exterior. Em compensação, o governo adotou uma rígida política de arrocho salarial, diante da qual os trabalhadores e os sindicatos não podiam reagir.
A política de Delfim se destinava a promover o que se chamou de desenvolvimento capitalista associado. Seria engano pensar que essa política aplicava uma receita liberal, deixando à "mão invisível do mercado" a tarefa de promover o desenvolvimento. Pelo contrário, o Estado intervinha em uma extensa área, indexando salários, concedendo créditos, isenções de tributos aos exportadores etc.
Muitos setores da grande indústria, prestação de serviços e agricultura que gritavam contra os gastos e a intromissão do Estado beneficiaram-se largamente da ação do Estado.
Entretanto o "milagre" durou pouco, pois não se baseava nas próprias forças econômicas, mas numa situação favorável. Com o aumento do preço do petróleo no mercado internacional, a economia brasileira sofreu grande impacto. Por um lado, a inflação começou a subir. Por outro, a dívida externa elevou-se de forma crescente e assustadora.
Teve início, então, uma longa e amarga crise econômica. O governo militar foi perdendo um de seus principais argumentos para sustentar-se no poder. A ditadura não garantia o desenvolvimento, e as oposições foram lentamente se reorganizando para exigir a volta da democracia.
Folha de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário