sábado, 20 de novembro de 2010

A Lapa do Desterro

Paulo Pacini

A Lapa, um dos bairros mais conhecidos do Rio, entra na história de modo bastante anônimo, na verdade se reduzindo a um simples caminho até o rio Carioca, no Flamengo, onde se obtinha água potável. Pouca gente ali morava, pela vizinhança incômoda da pouco salubre lagoa do Boqueirão (onde é o Passeio) e seus mosquitos.

A esparsa ocupação e proximidade com o centro favoreceram o projeto do padre Ângelo de Siqueira de se criar um seminário de religiosos, incluindo uma capela em louvor de N.Sª da Lapa do Desterro, obra iniciada em 1751. O terreno havia sido doado anos antes por Antônio Rebelo, proprietário da Chácara das Mangueiras, posteriormente vendida ao governador Gomes Freire. A instituição formou vários religiosos, tendo como um de seus professores o Padre Perereca (Luiz Gonçalves dos Santos). Em 1773, foi construída ao lado a Capela da Irmandade do Espírito Santo da Lapa do Desterro, pertencente à Ordem do Carmo, cujas festas do "Império" mobilizavam a cidade.

Lapa antigamente
Igreja e rua da Lapa no tempo de D. João VI

O templo deu vida nova ao local, tornando-se ponto focal da pequena mas crescente comunidade, e, como esperado, transmitiu seu nome ao bairro, doravante conhecido como Lapa. A área ao redor, chamada antes de Campo dos Formigões, pilhéria criada a partir da roupa escura dos seminaristas, que pontilhava a paisagem, passou a ser o Largo da Lapa.

A inauguração do Passeio Público em 1783, empreitada do vice-rei Luís de Vasconcellos, valorizaria e mudaria por completo os arredores. Sobre o aterro da lagoa do Boqueirão, Mestre Valentim cria um dos mais belos jardins da cidade, espécie de paraíso tropical em miniatura adornado com obras de arte, que se tornou a principal atração da época.

A situação do seminário e seu templo mudaria após a chegada da Côrte em 1808, pois os carmelitas, desalojados de seu convento na Praça XV, acabaram indo para lá em 1810, após curta estada nos Barbonos (na rua Evaristo da Veiga). O seminário virou convento, e a capela de N. Sª do Desterro passou a ser a Igreja de N.Sª do Carmo da Lapa. O convento original foi consumido em um incêndio em 1959.

A velha igreja continua como ponto de referência, tendo resistido à grande devastação de 1974, quando grande parte do bairro desapareceu sob as picaretas dos gênios urbanísticos de plantão. Sua presença lembra a história deste trecho pitoresco, devendo ser protegida da especulação imobiliária e seus prédios monstruosos e impessoais que brotam ao redor, ameaçando a integridade visual e estética do largo.
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