quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A França Antártica e a criação de padrões narrativos sobre o Brasil e os brasileiros


A França Antártica e a criação de padrões narrativos sobre o Brasil e os brasileiros

Jean Marcel Carvalho França
Departamento de História – Faculdade de História, Direito e Serviço Social –UNESP – 14400-690 – Franca – SP – Brasil. E-mail: jsfranca@uol.com.br

É quase um consenso entre os pesquisadores interessados em navegação que, por razões diversas, mas razoavelmente conhecidas – como a ausência de uma coordenação do Estado, a descontinuidade dos investimentos e mesmo a pouca propensão do povo a ocupar territórios de além-mar, territórios estranhos e hostis aos homens do Velho Mundo –, a França, ao menos no que tange à exploração e à colonização de novas terras, esteve longe de ocupar a vanguarda da expansão marítima européia dos séculos XV e XVI1. Há, contudo, um aspecto da dita expansão em que os franceses, justiça lhes seja feita, não somente saíram na frente, como aí se conservaram por um longo período. Refiro-me nomeadamente à construção literária do Novo Mundo, à sua, para usarmos a expressão celebrizada pelo pesquisador mexicano Edmond O'Gorman, invenção filosófica2.

Ora, é sabido que a absorção da idéia de Novo Mundo, de América, pelos europeus deu-se de modo lento e gradativo. Ilustrativo de tal lentidão é a pouquíssima atenção literária que as novas terras mereceram. Estima-se, e este é um dado a se ter em conta, que entre 1492 e 1618, as obras geográficas editadas em francês tragam 4 vezes mais referências à Turquia e à Ásia do que à América3. E isso em língua francesa, uma língua, como veremos mais adiante, privilegiada no que tange a publicações sobre as terras descobertas no Ocidente. Em inglês, o Novo Mundo quase passa despercebido até a metade do século XVI, em holandês, a descoberta parece ter sido ainda mais tardia e em italiano, depois da segunda metade do quinhentos, quando os florentinos, venezianos e genoveses começam a ser postos de lado nos negócios europeus de ultramar, há um crescente desinteresse pelo tema4 – o que já não motiva mais edições como a célebre coletânea de relatos de viagem Terras recentemente descobertas, editada em 1507 pelo bem informado e bem relacionado Fracanzano da Montalboddo, ou como o não menos importante Navegações e Viagens, organizado por Giovanni Battista Ramusio entre 1550 e 15595.

Curiosamente, nem mesmo os ibéricos, pioneiros incontestáveis na descoberta e exploração das novas terras, foram pródigos em matéria de informações sobre essas mesmas terras; e isso por um longo período. O laconismo ibérico, a propósito, atribuído por alguns historiadores portugueses e espanhóis a razões de estado, não passou despercebido aos contemporâneos. O caso de um tenente da marinha inglesa, de nome Watkin Tench, é ilustrativo. Lá pelos idos de 1787, o culto tenente resolveu publicar, em Londres, uma narrativa de viagem intitulada "Relato de uma expedição a Botany Bay". Tench, na primeira parte do livro, destinada a narrar a sua navegação da Inglaterra à Nova Gales (Austrália), resolveu dedicar um pequeno capítulo ao Brasil. Ciente da novidade do que ia relatar ao leitor, o precavido viajante iniciou sua narrativa com a seguinte advertência:

o Brasil é um território muito mal conhecido na Europa. Os portugueses, por razões políticas, não divulgam quase nenhuma informação sobre essa sua colônia. Daí, as descrições vinculadas nas publicações geográficas inglesas serem, estou certo, terrivelmente errôneas e imperfeitas6.

Pouco antes, em 1745, a mesma reclamação, agora em relação aos espanhóis, havia saído da pena do célebre Charles Marie de La Condamine7 e, depois dele, por volta de 1784, da pena de um outro sábio importante da Europa, Joseph Dombey8, o naturalista francês a quem a corte espanhola, a pedido do próprio Luis XVI, da França, dera autorização para estudar os territórios do Peru. Todos, cada um a seu modo e com a veemência que a situação permitia, lamentaram o quão pouco os ibéricos haviam escrito sobre as suas possessões americanas. E é bom lembrar que estes eram lamentos que ecoavam no século XVIII, o que dizer então dos séculos XVI e XVII.

Por certo, desde que o bem informado membro do futuro Conselho das Índias, Pietro Martire de Anghiera, a partir de 1494, divulgara para os sábios da Europa a ainda obscura aventura de Colombo pelas costas do que o descobridor acreditava ser Cipango, uma pequena ilha pertencente ao arquipélago do Japão9, e, sobretudo, desde que Américo Vespúcio, em 1503, com suas famosas cartas10, esclareceu ao mesmo público que a terra descoberta por Colombo era bem maior do que a princípio se supunha e constituía um mundo novo – diferente de Ásia, Europa e África –, a América, como viria ser batizada pelo geógrafo Martin Waldseemüller, em 1507, ainda que de maneira discreta, corria por algumas “bocas da Europa.

Pelas “bocas da gente do mar, sem dúvida, armadores, marinheiros, capitães, aventureiros, pilotos11, enfim, daquela gente a quem já Colombo, durante sua permanência em Lisboa, não se cansara de interrogar sobre a navegação rumo às Índias. A partir das primeiras décadas do século XVI, notícias sobre o Novo Mundo circulavam pelos portos não somente da Espanha e de Portugal, mas também das cidades italianas, da França, da Inglaterra e, um pouco mais tarde, pelos portos batavos. As notícias corriam também – e as cartas de representantes comerciais e diplomáticos italianos, franceses e mesmo prussianos baseados na Península Ibérica o atestam – entre os homens de Estado e entre os comerciantes, grupos atentos aos resultados e às possibilidades vindouras das empresas marítimas, nas quais, por vezes, tinham investido prestígio e, sobretudo, somas avultadas de capital.

Por fim, mas não menos importante, as novas sobre o mundo encontrado por Colombo corriam, desde muito cedo, entre os sábios, entre os homens de cultura da Europa. Não por acaso, em 1581, o português radicado em Tolouse, Francisco Sanches, pensador polêmico, que acabou conhecido pelos seus coetâneos como o céptico, escrevia no seu Que nada se sabe:

Efetivamente, quem é que pode afirmar ao certo alguma coisa acerca do que foi, do que é, ou do que há de ser? Na tua ciência perfeita dizias ontem, e até já a muitos séculos, que a terra era cercada por um oceano, e dividia-la em três partes universais: Ásia, África e Europa. O que dirás agora? Foi descoberto um novo mundo, e novas coisas numa nova Espanha ou Índias Ocidentais, e nas Orientais. Dizias também que havia uma região meridional, sob o Equador, que por causa do calor era inabitável, e que o mesmo se dava nos pólos e nas zonas extremas por causa do frio; que essas duas coisas são falsas já o mostrou a experiência12.

Sanches, como é sabido, não era o primeiro e não seria o último homem de cultura europeu do Seiscentos a buscar na descoberta do Novo Mundo inspiração para a construção de seu pensamento. A lista não é muito longa, mas está repleta de nomes sonantes, como Thomas More, Rabelais, Ronsard, Erasmo de Roterdam e, naturalmente, Michel de Montaigne, com seus célebres e influentes capítulos dedicados às terras recém-descobertas, Dos canibais e Dos coches – escritos entre 1580 e 158813.

De More a Sanches, passando pelo renomado Montaigne, as notícias que estes sábios trataram de propagar, em verso e prosa, pela Europa eram, em sua maioria, senão todas, provenientes de um único e mesmo conjunto de fontes: as narrativas de viagens14. A bem da verdade, boa parte do que os europeus escreveram sobre a América – e também sobre a Índia, sobre o Oriente e sobre as terras do Pacífico Sul –, durante os três séculos que se seguiram ao período áureo da expansão ultramarina, baseou-se em relatos de viagem, em relatos de aventureiros e exploradores que, muitas vezes à custa da própria vida, viram com os olhos da cara aquelas terras que tanto atiçavam a imaginação dos seus contemporâneos.

E aqui retorno ao citado pioneirismo francês. A experiência da França Antártica, melhor, as diversas narrativas derivadas da polêmica aventura ultramarina encabeçada pelo Cavaleiro de Villegaignon – aventura que o protestante Marc Lescarbot, em 1609, ironicamente qualificou como a malograda tentativa de se criar uma espécie de presídio de além-mar15 – talvez tenham sido o mais consistente, amplo e divulgado conjunto de relatos sobre o Novo Mundo a circular pela Europa na segunda metade do século XVI. No que tange às possessões portuguesas na região, ao Brasil, isso é quase uma verdade incontestável. Refiro-me, é claro, aos conhecidos Singularidades da França Antártica (1558), de André Thévet, e História de uma viagem feita à terra do Brasil (1578), de Jean de Léry, mas igualmente aos hoje menos célebres Cópias de algumas cartas sobre a navegação do cavaleiro Villegaignon (1557), do piloto Nicolas Barré, Contra as execráveis imposturas, impiedades e blasfêmias de Durand, bordeleiro que se intitula Villegaignon (1561), panfleto atribuído a Pierre Richer, História das coisas memoráveis ocorridas na terra do Brasil (1561), narrativa imputada pelo renomado Paul Gaffarel a Jean de Léry, e a mais uma meia dezena de cartas, panfletos e narrativas breves, os quais, no seu tempo, um tempo sedento por novidades sobre as exóticas terras de além-mar, quaisquer que fossem elas, tiveram lá a sua importância16.

Atento, por certo, a tão amplo leque de publicações que começava então a circular na França, o português Pero de Magalhães de Gândavo, no prólogo ao leitor do seu História da Província de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil17, publicado em 1576, lamentava o pouco caso com que seus conterrâneos vinham tratando a província de Santa Cruz e observava, não sem preocupação, que os estrangeiros tinham a terra noutra estima e sabiam suas particularidades melhor e mais de raiz que os próprios lusitanos. Preocupava a Gândavo, sobretudo, que os portugueses, antigos e modernos, não estimando a escritura, deixassem de narrar as coisas admiráveis da terra de Santa Cruz, perdendo com isso a possibilidade de dar nome às coisas e de fazê-las imortais.

Premonitório foi o mal estar do cronista, afinal, o citado grupo de documentos sobre a experiência da França Antártica não foi somente pioneiro, ou melhor, o pioneirismo trouxe-lhe uma outra vantagem, muito mais sólida e profunda. Tais narrativas, para retomar a idéia de Gândavo, deram nome às coisas e às gentes do Brasil, inventaram-nas filosoficamente, como diria O'Gorman, condicionando a ação dos europeus em relação a elas – retomarei este ponto mais adiante – e estabelecendo, por um tempo razoavelmente longo, muitos dos padrões daquilo que seria escrito pelos habitantes do Velho Mundo acerca de uma parte do Novo Mundo. Dito em poucas palavras, os franceses da França Antártica fixaram, no século XVI, um vocabulário sobre o Brasil e sobre os brasileiros, um vocabulário que teve vida extremamente longa na cultura Ocidental e que talvez ainda não tenhamos abandonado de todo.

O poder e o alcance de tal vocabulário são imediatamente perceptíveis não somente nas obras dos homens de cultura de então – Montaigne, Ronsard, Milton e um punhado de outros –, mas, sobretudo, na literatura de viagem sobre o Brasil dos 2 séculos subseqüentes à França Antártica, literatura toda ela, francesa ou não, devedora em larga medida das perspectivas sobre esta parte do Novo Mundo, propagadas pelos companheiros de Villegaignon.

Trata-se, é bom que se diga, de um gênero em que a originalidade não é propriamente um valor, e a verdade daquilo que é relatado depende em alto grau da reprodução do já dito e da confirmação de certas expectativas compartilhadas pelos apreciadores do gênero, os leitores. A propósito de tais características do gênero relações de viagem, nunca é demais lembrar que o clima ameno e temperado detectado nos trópicos por Nicolas Barré e outros seus companheiros da França Antártica – o clima pareceu-nos bastante temperado, de tal modo que os homens que estavam vestidos não precisaram de se despir e os que estavam despidos não careceram de se cobrir18, deixou registrado o piloto – encontrou adeptos até o século XVIII, adeptos como o inglês James Forbes, um amante da história natural que, mesmo passando pelo Rio de Janeiro em pleno verão de 1765, conseguiu notar a suavidade do clima local, sempre ameno e temperado19.

O clima temperado, contudo, é somente um dos muitos traços que os relatos advindos da França Antártica colaboraram ativamente para transformar em lugares comuns das narrativas sobre o Brasil e, paralelamente – tendo em conta o papel crucial das narrativas na invenção ou construção do Brasil pelo Velho Mundo –, do repertório intelectual europeu sobre a região. Os traços, como referimos, são muitos, mas, em linhas gerais, não seria de todo precipitado dizer que o eixo de tal legado está numa oposição simples, que ainda hoje é familiar a brasileiros e europeus. Trata-se da contraposição entre a exuberância e prodigalidade da terra e o caráter vicioso e corrompido dos seus habitantes.

No tocante à terra, como bem destacaram Gilbert Chinard, G. Atkinson, Silvio Zavala,William Bradley, Sérgio Buarque de Holanda e tantos outros, o visitante europeu tendeu a identificar na natureza dos trópicos indícios de um certo paraíso terrestre, indícios como a citada amenidade do clima, o verde eterno das árvores, a abundância de frutas, a fertilidade da terra, a variedade e o colorido dos pássaros e a fartura de águas, em suma, o estrangeiro viu, desde muito cedo, a América portuguesa como o mais belo país que o sol ilumina, para usar uma ilustrativa asserção de um oficial francês que por aqui passou em 175720.

Cedo, todavia, aparece o contraponto dessa terra tão pródiga e benevolente, o seu habitante: rude, pouco obreiro e corrompido moralmente. A princípio, tal ser decaído encarnou no nativo, no nativo desconhecedor da religião, da lei e da moral, irrecuperável para a humanidade mesmo através do poder de Deus, como salientaram Thévet e Barré. O tempo correu, a terra passou a ser sistematicamente colonizada por europeus, mas a má fama dos seus habitantes não desapareceu, migrou, colou-se ao colono branco – indolente e promíscuo –, ao escravo negro – bárbaro e boçal – e ao mestiço – resultado vivo da mistura de sangue e da corrupção dos costumes. Recorro uma vez mais ao citado oficial francês que, logo depois de traçar o sonoro elogio ao país visto há pouco, explicou aos seus leitores que a população do lugar, ao menos a do litoral, era composta por brancos, mas que havia um número inacreditável de negros e mulatos no país, e complementou:

A cada dia que passa, o sangue mistura-se mais e mais, pois o clima e a ociosidade tornam o povo fortemente inclinado à libertinagem. A ociosidade, a propósito, passa, entre eles, por sinal de dignidade, pois jamais pensam no bem comum, agindo somente em proveito próprio. E isso num país que oferece tudo sem muito esforço. Todos querem ser nobres e gostam de mostrar desprezo pelas atividades produtivas, como se o trabalho honesto tornasse o homem menor. Eles levam tal comportamento tão longe que coisas simples como dar ordens aos escravos e fiscalizar o seu trabalho parecem-lhes contrárias à grandeza e à opulência que ostentam21.

Pode-se, e com razão, argumentar que, entre a imagem pintada dos índios pelos participantes da França Antártica e aquela traçada dos colonos e escravos pelas narrativas posteriores, há mediações e descontinuidades. Pode-se argumentar, igualmente, que o índio não desempenhou somente, no repertório intelectual europeu, o papel de um bárbaro dado à antropofagia, que, sobretudo a partir de Léry e da leitura que fez de seu relato o pensador Michel de Montaigne, o nativo desempenhou também às vezes de – e perdoem o anacronismo, já que o conceito é do século XVIII – bom selvagem22. Pode-se argumentar ainda, e há toda uma historiografia americana empenhada nisso, que a imagem construída pelos europeus dos habitantes do Novo Mundo está eivada de eurocentrismo e exagero23.

Creio, porém, que tais restrições não são incontornáveis e não refutam o que foi dito. É verdade que, entre a construção da imagem do índio e a do colono branco, há mediações a serem observadas, não detecto, todavia, qualquer ruptura ou fuga de padrão nos cerca de 300 relatos sobre o Brasil que pude analisar – relatos produzidos entre os 1500 e 1808. Ao contrário, observo uma gradativa, suave e quase imperceptível substituição do índio – um ausente, é bom salientar, das xeno-narrativas sobre o Brasil dos séculos XVII e XVIII – pelo colono dos trópicos, herdeiro do barbarismo nativo e quase tão estranho ao europeu quanto o primeiro. Tem-se a impressão de que, aos olhos do visitante, ambos subsumiam a um único e mesmo conceito: o de exótico habitante do Novo Mundo.

Quanto à linhagem que desembocará no bom selvagem de Rousseau (da qual o Montaigne leitor de Thévet, Barré e Léry é, sem dúvida, um dos iniciadores e talvez o maior divulgador), há de se levar em conta que a sua vida nas narrativas de viajantes sobre o Brasil é curtíssima. Relatos do final do século XVI, como os de Knivet e Cavendish24, já não trazem uma visão muito simpática dos nativos e os que se seguiram ou não os mencionam – convém não esquecer de que são narrativas escritas por homens que visitaram somente as cidades do litoral e, muitas vezes, não chegaram a ver nem um único nativo – ou se referem a eles com desprezo, como é o caso do aventureiro inglês Richard Flecknoe, que passou pelo Brasil em 1657 e deixou registrado a seguinte opinião sobre aqueles que denominava índios do Brasil

se (...) pudéssemos associar a cada povo um animal que melhor ilustrasse as suas características, diríamos que esses brasileiros são como asnos: indolentes, fleumáticos e só aproveitáveis para o labor e para a escravidão, daí a natureza não ter dotado este país de nenhum animal de carga25.

Uma visão mais simpática dos primeiros habitantes da terra só reaparecerá nas páginas da literatura de viagem do Oitocentos, mas essa é outra história, separada desta que percorremos, agora sim, por uma ruptura.

Mais delicado é o problema do quantum de veracidade que se pode atribuir a tais relatos, relatos muito marcados por lugares comuns, por apropriações mais ou menos declaradas de outros relatos, por notas de segunda mão sobre lugares não vistos e, sobretudo, pelo que mais tarde, muito mais tarde, se convencionou chamar eurocentrismo. A meu ver, melhor, do ponto de vista de onde interrogo os relatos de viagem, um ponto de vista que muitos poderiam identificar com um certo antiessencialista pós-moderno, quase sofista, esta é uma questão pouco interessante.

O que interessa, realmente, creio, é saber que colônia e que colonos esses relatos construíram para o público europeu durante três longos e decisivos séculos que se seguiram ao feliz desvio da frota cabralina, séculos em que se consolidaram certas percepções acerca do Novo Mundo, as quais, como bem sabemos, tiveram vida longuíssima na cultura ocidental.

Uma espécie de invenção do Brasil e dos brasileiros pelo europeu? Invenção ou construção, compartilho com certas linhagens de pensamento a crença (?) em que os discursos criam os objetos que põem em cena – nada a ver, é certo, com a não existência da realidade ou qualquer outra cantilena do gênero – e, consequentemente, a crença em que o vocabulário inventado pelos habitantes do Velho Mundo para descrever os habitantes do Novo Mundo desempenhou um papel sobremodo importante não somente no modo como os europeus agiram em relação à América, mas sobretudo na maneira como nós, habitantes da América Austral, construímo-nos a nós próprios. Aloja-se aí, quem sabe, a ligação mais viva que ainda hoje nós brasileiros guardamos com a malograda passagem dos franceses pela baía de Guanabara, com a tão curta mas sempre lembrada experiência da França Antártica.

Notas

Revista de História - UNESP

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