terça-feira, 16 de novembro de 2010

A Marselhesa não nasceu em Marselha


Em julho de 1792, soldados vindos dessa cidade do sul da França entraram em Paris entoando a canção que se tornaria o hino nacional do país. Mas a música foi composta em Estrasburgo
por Antoine Roullet
Museu da Revolução Francesa, Vizille
O oficial Rouget de Lisle compõe uma mera canção de guerra que se tornaria símbolo da Revolução Francesa
A #Marselhesa# (ou #Marseillaise#, no original), hino nacional da França desde 1795, foi muito popularizada e difundida pelos soldados federados marselheses que entraram em Paris em julho de 1792. Mas sua história certamente não começou em Marselha.

Alguns meses antes, em abril de 1792, Joseph Rouget de Lisle, oficial do exército francês e músico autodidata, compôs uma canção intitulada #Canto de guerra# para os batalhões baseados na cidade de Estrasburgo. A peça era uma homenagem à fama liberal e patriótica da cidade, na qual Rouget de Lisle e seus comandados estavam de prontidão, inflamados pela notícia da declaração de guerra feita pelo imperador da Áustria. O tema rapidamente se espalhou e versos como “Aux armes citoyens, l\\'étendard de guerre est déployé...” (“às armas, cidadãos, o estandarte de guerra está desfraldado...”) passaram a ser entoados por todos.

Foi nessa atmosfera que Philippe-Frédéric de Dietrich, prefeito de Estrasburgo, solicitou ao oficial francês que apresentasse seu canto patriótico no dia 25 de abril do mesmo ano. A canção foi retrabalhada e editada pelo compositor Gosece e pela esposa de Dietrich, sendo tocada quatro dias depois diante de oito batalhões da Guarda Nacional. O sucesso foi imediato
Em pouco tempo, por intermédio de viajantes e mascates, a música chegou à Provença, no sudeste da França, e teve seu verdadeiro impulso: foi interpretada em 22 de junho pelo general François Mireur na cerimônia de recepção dos federados de Montpellier, em Marselha, e publicada pela imprensa da cidade com o título de #Canto de guerra dos exércitos nas fronteiras#. Um mês depois, a canção chegava a Paris com os soldados federados marselheses, que a cantaram durante todo o trajeto. Desde então, passou a ser associada a essa cidade do sul da França. No dia 4 de agosto o jornal La Chronique de Paris evocou o canto dos marselheses, e seis dias depois ele seria entoado durante a famosa tomada do Palácio das Tulherias.

Em 20 de setembro de 1792, o exército revolucionário, comandado pelo general Dumouriez, venceu a Batalha de Valmy, travada contra a nobreza francesa e seus aliados austríacos e prussianos, que tentavam derrubar o regime instaurado em 1789. Na ocasião, Servan de Gerbey, ministro da Guerra da França, escreveu ao general vitorioso: “O hino conhecido pelo nome de La Marseillaise é o Te Deum da República”. A partir de então, a canção passou a ser executada em todas as grandes comemorações cívicas.

Em 1793, a Convenção ordenou que o canto fosse entoado em todos os espetáculos da República. Em 1795, um decreto consagrou a “Marselhesa” como hino nacional da França. A República impôs definitivamente à obra de Rouget de Lisle um nome que não era o seu, embora o autor nunca deixasse de chamá-la pelo título original.

Embora muito discutida pelos eruditos do século XIX, a autoria da obra não foi questionada durante a Revolução: a própria Assembleia Nacional deu dois violoncelos a Rouget de Lisle em recompensa pelos serviços prestados. Fosse qual fosse a paternidade real da canção mais conhecida da França.

Antoine Roullet é professor de história, membro da Casa de Velázquez e doutorando em história moderna pela Universidade Paris IV-Sorbonne

Revista História Viva

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