A foto de hoje mostra a Rua do Trem, uma das desaparecidas vias de um bairro que foi sepultado pelas rápidas mudanças urbanas do sec. XX.
O bairro da Misericórdia, o primeiro local da cidade ocupado depois do Morro do Castelo, foi totalmente destruído na década de 50. O emaranhado de becos e vielas do antigo bairro foi abandonado pela população por volta de 1848 devido a uma epidemia de febre amarela, mas resistiu à ação demolidora de diversos prefeitos, como Pereira Passos.
Desde o século 17 circulavam no local marinheiros das mais diversas nacionalidades. Nas tabernas, ouvia-se o fado tocado nas violas e guitarras, e as primeiras modinhas brasileiras. Em 1848 aportou um navio cubano com um carregamento de escravos que fora rejeitado pelas Antilhas. Os negros, amarrados em paus, começaram a desembarcar chorando. Iam ser vendidos nos armazéns e mercados da Rua do Ouvidor. De repente o francês que apregoava as peças desmaiou. O marinheiro inglês que veio socorrê-lo, tombou com os mesmo sintomas. Os médicos das Faculdades de Medicina do Rio e da Bahia diagnosticaram febre da Antilhas ou febre amarela. Os moradores foram desalojados e a bandeira da peste negra foi hasteada no porto.
As velhas paredes dos casarões do bairro então abandonado tinham sido testemunhas dos escândalos dos vice-reis, da grande novidade da chegada da família real, com o seu exército de "sanguessugas" e uma rainha louca. Lá o povo assistiu o "Dia do Fico", de dom Pedro I e o anúncio da maioridade de dom Pedro II. O Beco do Teatro abrigava o elegante Teatro São Januário e no Beco da Música realizava-se memoráveis saraus e bailes com a orquestra filarmônica, iluminados por numerosas velas de sebo.
Lá também dom Pedro I era visto em companhia de suas amantes disfarçado de nobre da corte. Mais além, havia o Beco da Fidalga onde morrera uma das damas de honra da imperatriz Carlota Joaquina, e a travessa Costa Velho, que se estendia até a Rua da Misericórdia.
Também por essas ruas passaram as procissões da Misericórdia, com o povo que ia assistir às execuções. Tiradentes ao sair da cadeia, que ficava no bairro, rezou, olhando a Igreja de São José. O tráfego de liteiras carregadas por escravos com argolas de ouro nas orelhas, e das carruagens em direção ao palácio das Laranjeiras era intenso.
Restos do passado no Centro
Do antigo bairro só restou o Largo da Misericórdia, nos fundos do Museu Histórico Nacional (antigo Arsenal de Guerra) e da Santa Casa, onde fica a mais antiga igreja existente no Rio, a de Nossa Senhora de Bonsucesso. Do outro lado a Rua Dom Manuel ainda sobrevive o antigo prédio da Caixa Econômica, hoje ocupado pela Procuradoria Geral do Estado. Onde havia a Rua da Misericórdia, foi aberta a Praça do Expedicionário, que está abandonada, e parte do Tribunal de Justiça. No lugar do antigo Regimento do Moura está o Museu da Imagem e do Som.
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