segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Polícia da Corte - Poder público e as famílias



Ofício do intendente geral da Polícia da Corte Paulo Fernandes Viana ao conde de Aguiar, em resposta ao aviso régio que dava parecer sobre o requerimento de Francisco de Souza de Oliveira. Através desse requerimento, Francisco de Souza implorava às autoridades régias que enviassem seu filho à Índia para que aprendesse a respeitar a “grande autoridade dos pais de famílias”. Nesse sentido, o documento permite conhecer um pouco mais sobre a vida privada no Brasil colônia.

Conjunto documental: Registro da correspondência da polícia. Ofícios da polícia aos ministros de Estado, juízes do crime, câmaras, etc.
Notação: Códice 323, volume 02
Datas-limite: 1810-1812
Título do fundo ou coleção: Polícia da Corte
Código do fundo: ÆE
Data do documento: 8 de dezembro de 1810
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 22 a 23“Registro do ofício expedido ao Ministro de Estado dos Negócios do Brasil.
Il.mo e Ex.mo Senhor. Por aviso de 28 de Novembro expedido por V. Ex.ª manda o Príncipe Regente[1] Nosso Senhor que informe eu o incluso requerimento de Francisco de Souza de Oliveira interpondo o meu parecer. É a sua pretensão o implorar a autoridade régia para por na Índia um filho que vive desobediente, e morigerado que ontem atropelado em dívidas que fez para cevar os seus vícios e que indo de mal em pior pode cometer delitos com que infame a sua família[2], e se constitui desde já um mau vassalo[3].
Além das informações que houve a esse respeito acredito muito a do coronel das ordenanças desta Corte José Pereira Guimarães a quem ouvi e consta da carta inclusa, e bastaria para me inclinar à pretensão do suplicante o ver o mesmo que consta das cartas do filho, procurando um casamento[4] que para ser desgraçado basta ser contra a vontade paterna. Sei além disso que a pretendida viagem que o filho quer fazer a Lisboa[5] não só se dirige a fazer este casamento que o pai impugna, mas até a conduzir para aqui mulheres que outros lhe encomendam para passarem na sua companhia a continuarem aqui amizades desonestas, que já ali principiaram.
Por tudo isto é o meu parecer que para emendar a dissolução dos costumes este filho famílias [sic] João Pedro de Oliveira e Souza e fazê-lo respeitar a autoridade de seu pai, a quem ele infama, ameaça e desatende, sendo um homem honrado, e bom vassalo, seja preso, e depois ou posto na cadeia, ou em qualquer fortaleza, onde ele o sustente, seja mandado para a Índia onde se pode aproveitar, e não é novo prestar-se o Soberano e fazer deste modo que a mocidade respeite a grande autoridade dos pais de famílias, cujo nexo aperta e estreita os vínculos da sociedade. Deus guarde a V. Ex.ª. Rio[6] 8 de Dezembro de 1810. Il.mo e Ex.mo Senhor Conde de Aguiar[7]. Paulo Fernandes Viana[8].”

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[1] Trata-se de d. João VI (1767-1826), segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, que se tornou herdeiro da Coroa com a morte do primogênito José em 1788. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada louca. Foi sob o governo do então Príncipe Regente d. João, que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência da invasão francesa em Portugal, a família real e corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão: a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da biblioteca pública nacional; criação de escolas e academias, e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, Rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, d.João VI, retornou com a corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente. Deu-se, ainda, sob o seu governo, o reconhecimento da independência do Brasil no ano de 1825.
[2] Uma das principais instituições do Brasil colonial, a família foi marcada pela pluralidade e por experiências diversas, decorrentes de fatores como regionalização, origem social, gênero e etnia. Dentre as diversas camadas sociais destacam-se as famílias de elite, que se tornaram as “poderosas instituições econômicas e políticas” do período. Através dos casamentos e alianças, estas famílias criaram verdadeiros núcleos de poder, cuja estrutura fundiária serviu-lhes de base econômica, constituindo-se uma das principais heranças do período colonial.
[3] Neste período indica o mesmo que súdito da coroa. A palavra na Idade Média referia-se a uma camada privilegiada que recebia terras do Rei e uma série de benefícios.
[4] A regulamentação eclesiástica do casamento deu-se a partir do Concílio de Trento (1545-1563) e consistia em um contrato de fidelidade carnal entre um homem e uma mulher para “fins de propagação”. A cerimônia no início do século XIX, deveria ser feita por escritura pública, lavrada por um tabelião e assinada por testemunhas. Isto indica que a troca de votos verbais, perante uma autoridade já se tornara insuficiente, sendo necessário um documento legal para o controle ou a garantia das responsabilidades estabelecidas no contrato matrimonial. Este acordo, constituía uma das formas de alianças, freqüentemente motivadas por interesses políticos e econômicos.
[5] Capital de Portugal. A origem de Lisboa, como núcleo populacional é bastante controversa. Sobre sua fundação e origem, na época do Império romano, sobrevive a lenda mitológica da fundação feita por Ulisses. Alguns pesquisadores filiam o termo “Lisboa” no topônimo Allissubo (que significa enseada amena) com o qual os fenícios designavam a cidade e o seu maravilhoso Tejo de auríferas areias. Sua importância cresceu apenas na Idade Moderna, como centro dos negócios luso, sendo reconstruída nas reformas pombalinas, em 1755, devido a um terremoto descrito na época como “aterrador” .
[6] Fundada em 1565, por Estácio de Sá, a cidade do Rio de Janeiro tornou-se sede do governo colonial em 1763, adquirindo grande importância no cenário sócio-político do Brasil. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos da Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro das Capitanias. As lavouras tradicionais da região eram o açúcar, o algodão e o tabaco. Com a chegada da Corte, em 1808, a cidade do Rio de Janeiro e regiões próximas sofreram inúmeras transformações, com vários melhoramentos urbanos, tornando-se referência para as demais regiões. Entre as mudanças figuram: a transferências dos órgãos da Administração Pública e da Justiça e a criação de academias, hospitais e quartéis. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos, aos milhares, em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes. O Rio de Janeiro foi um dos principais portos negreiros e de comércio do país.
[7] Primeiro conde e segundo marquês de Aguiar, d. Fernando José de Portugal e Castro (1752-1817) foi governador e capitão-general da Bahia durante quatorze anos. Entre 1804 e 1806, exerceu o cargo de Vice-rei do Brasil, ao final do qual retornou a Portugal, regressando ao Brasil junto com a corte portuguesa em 1808. Entre as funções que exerceu destacam-se: a presidência do Conselho Ultramarino, o cargo de conselheiro de Estado e ministro do reino, presidente do erário real, membro do conselho da Fazenda e da Junta do comércio e provedor das obras da casa real.
[8] Desembargador e ouvidor da Corte, foi nomeado pelo alvará de 10 de maio de 1808 a intendente geral da polícia da corte. De acordo com o alvará, o Intendente Geral de Polícia da Corte do Brasil, possuía jurisdição ampla e ilimitada, estando a ele submetido os ministros criminais e cíveis. Exercendo este cargo durante doze anos, atuou como uma espécie de ministro da segurança pública. Tinha sob seu domínio todos os órgãos policiais do Brasil, inclusive ouvidores gerais, alcaides maiores e menores, corregedores, inquiridores, meirinhos e capitães de estradas e assaltos. Entre seus feitos, destaca-se a organização da Guarda Real da polícia da corte.
Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
œ No eixo temático sobre a “História das relações sociais da cultura e do trabalho”
œ No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”
œ Ao trabalhar o tema transversal “Ética”

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
œ Estrutura administrativa colonial
œ Práticas e costumes coloniais
œ A manutenção do sistema colonial
œ As relações sociais de dominação na América

Arquivo Nacional

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