POR IZAÍAS ALMADA
Talitta Tatiane Martins Freitas*
Universidade Federal de Uberlândia – UFU
talittatmf@gmail.com
Ao analisarmos a década de 1960, deparamo-nos com um dos movimentos culturais mais importantes do país, o Teatro de Arena, que se tornou um símbolo de nacionalismo e resistência democrática. Buscando resgatar as particularidades desse movimento, Izaías Almada escreveu o livro Teatro de Arena: uma estética de resistência1.
Este livro faz parte da coleção Paulicéia, coordenada por Emir Sader que aborda eventos políticos, sociais e culturais de grande importância para o estado de São Paulo. Todavia esta importância, no caso do Arena, estende-se por grande parte do país.
Neste sentido, a perspectiva de Almada foi a de buscar lembranças e opiniões de ex-integrantes do Teatro de Arena e de pessoas que, de uma forma ou de outra, foram contemporâneos às muitas atividades que o grupo desenvolveu. Izaías, um dos atores do Arena entre os anos de 1964 a 1969, organizou neste livro entrevistas e reflexões sobre o dia-a-dia do grupo, de forma que podemos dividi-lo em cinco partes. Em um primeiro momento, contextualizou o surgimento do Arena, a partir das atividades do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e da Escola de Arte Dramática (EAD), para, em seguida, dar espaço às entrevistas dos pioneiros; às reminiscências históricas dos Seminários de Dramaturgia, e depoimentos das fases de nacionalização dos clássicos e dos musicais. Por último, depoimentos de atores e dramaturgos do Arena que acompanharam o encerramento das atividades do grupo.
O Arena, situado à Rua Teodoro Baima – 94, onde atualmente funciona a Sala Experimental Eugênio Kusnet, foi o palco de uma nova forma de se conceber o teatro “nacional”. Décio de Almeida Prado, crítico teatral, falecido em 2000, analisou o contexto em que surgiu o Teatro de Arena, recordando como era a cena cultural com o TBC e com a criação da EAD, onde foi professor do então aluno José Renato, um dos criadores do Arena. Essa forma de teatro apresentou-se, no inicio, como uma maneira barata de encenar, já que com o palco em forma de arena não era necessário o investimento em grandes cenários. Eram valorizados, nesse caso, os figurinos e a própria interpretação do ator. Posteriormente, em especial, com a encenação de “Eles não usam Black-tie”, em 1958, as ideologias dos seus integrantes foram estabelecendo o que hoje conhecemos como teatro “revolucionário” o que, para muitos entrava, em contraste com os teatros apresentados até então.
Essa nova forma de teatro, voltado para uma estética de esquerda e com discussões sobre a realidade do país, chamou a atenção de vários segmentos da sociedade, já que personagens como empregadas domésticas e operários em greve, por exemplo, antes não haviam sido protagonistas de uma peça de teatro. “O Arena foi a valorização das peças de conteúdo social, dos autores nacionais, uma transformação. [...] O Arena foi, de fato, um sopro inovador no teatro brasileiro” (p. 44), sopro este que a jornalista Regina Helena de Paiva Ramos vivenciou e transcreveu durante dezessete anos em que trabalhou, no jornal Gazeta, como crítica teatral. Durante esse tempo, as apresentações do Arena renderam muitos comentários e entrevistas na coluna feminina assinada por Regina , uma opção diferente em um período em que os jornais destinavam esse tipo de coluna para publicação de receitas e dicas de comportamento.
Além da própria trajetória do Teatro de Arena, há nesse livro particularidades do cotidiano de mulheres e homens que viveram esse instigante e turbulento período da história do Brasil. Histórias como a de Vera Gertel, casada com Vianinha e ligada à
Juventude Comunista, que conta como era ser atriz, mulher e militante nessa sociedade. Nas entrelinhas apreendemos também, a história de pessoas que não participaram do Arena, mas que também foram atuantes na modificação das suas realidades.
Por meio das lembranças que esse livro evoca, saltam aos olhos do leitor a importância do trabalho de grupos de teatro permanentes, cada vez mais difícil no mundo contemporâneo. É claro que muito já foi escrito sobre o Arena durante todos esses anos, mas a maior parte dos livros o retratam de forma factual ou cronológica, deixando de lado o fato de que esses jovens possuíam uma sociabilidade que não pode ser deixada de lado.
Neste ponto de vista, a relação artista, obra e seu tempo se faz presente quando deparamo-nos com as entrevistas. Elas demonstram que o Arena não foi fruto de um plano pré-elaborado por única pessoa. Na verdade, ele foi se construindo e se modificando com o passar dos anos, de acordo com as transformações que ocorriam no cenário nacional e mundial. Sendo assim, atores e dramaturgos fizeram parte do processo de criação, no qual o texto e a cena contribuíram para a consolidação de um grupo que primava por uma consciência social e política. “O Teatro de Arena atravessou 20 anos da história do Brasil e era natural que nesse período buscasse a cada momento orientar-se estética e politicamente de acordo com os ideais dos seus principais integrantes, homens e mulheres de esquerda, de origem pequeno-burguesa, alguns dos quais ligados ao Partido Comunista Brasileiro” (p. 94).
Além da preocupação com o engajamento social, havia também uma atenção especial com a própria formação do ator, sendo Augusto Boal um dos maiores incentivadores desta política. Devido seu interesse pela ciência teatral, isto é, pela necessidade de se refletir sobre os textos a serem encenados e/ou mesmo escritos, Boal idealizou os Seminários de Dramaturgia com o intuito de propiciar uma ampla discussão acerca do papel do teatro e do ator. Boal, segundo Roberto Freire, expunha os seus conceitos e conhecimentos sobre teatro, uma vez que era ele quem mais se preocupava com esse aspecto “científico” decorrente de um curso de dramaturgia feito nos Estados Unidos, com John Gassner.
No entanto, não podemos nos esquecer, que durante todos esses anos, o Teatro de Arena recebeu várias críticas por seu modo de enxergar a realidade. Muitos, até hoje, alegam que foi um grupo fechado, limitado pelas próprias ideologias, que dividia o mundo entre “bons” e “maus”. Entretanto, este era um período pós-guerra, em que o maniqueísmo encontrava-se presente não somente no Brasil, mas também em todo o mundo. Porém, em nosso país, com o advento do golpe de 1964, as questões políticos-culturais tiveram colorações próprias.
Como exemplo desse procedimento, pode-se recordar Arena Conta Tiradentes. Neste espetáculo, usufruindo da liberdade poética, os autores tomaram uma ação como modelo e a recriaram a seu modo, inserindo-a no debate de seu tempo. Assim sendo, tais peças não possuíam um aparato meramente histórico, mas tratavam de uma resignificação do tema liberdade, inserido em uma nova realidade e, como tal, deverá ser analisado em sua própria historicidade.
De modo geral, percebe-se, no decorrer do livro, que as histórias dos integrantes do Arena vão se entrecruzando. Pessoas com trajetórias tão distintas, que, em um primeiro momento acreditamos não ter nenhuma ligação, encontram-se e identificam-se com os projetos e com as utopias daquela fase combativa do Arena. A cantora Marília Medalha nunca havia pensado em ser atriz e acabou participando da peça Arena conta Zumbi. Outro que entrou no Arena de forma inesperada foi David José que participou das montagens de Tartufo e Arena Conta Tiradentes, entre outros: “A Tupi tinha um time de futebol [...] cujo técnico era o Lima Duarte. Então em 1963 [...] eu fui ver o Lima e depois lhe disse que gostaria de trabalhar no Arena. [...] Então, foi via Lima Duarte e Guarnieri que eu fui parar no Teatro de Arena” (p. 111).
Segundo o Almada, mesmo as memórias que não se remetessem especificamente ao Arena foram preservadas para configurar um painel histórico, social e cultural mais abrangente do que se passava em São Paulo e no país. Assim sendo, histórias peculiares – para não dizer hilárias – foram mantidas no decorrer do livro. Por exemplo, devido o palco ser entre as platéias, o Arena proporcionava uma intimidade muito grande com o público, que por sua vez, se sentindo à vontade, por diversas vezes interferia no espetáculo, fazendo os seus comentários ou, até mesmo, invadindo a cena. Outras histórias, também muito interessantes, ocorreram fora do palco. Em viagens, ou mesmo em São Paulo, muitos integrantes moravam juntos em apartamentos ou no próprio teatro. Essa convivência tão estreita gerou, em muitos casos, atritos, boas gargalhadas e, é claro, para o leitor, uma maior intimidade com todos os entrevistados.
Além dos atores e dramaturgos, o livro não se esquece de homenagear outros integrantes que não necessariamente ficavam no palco. Personagens como o iluminador Orion de Carvalho, o porteiro e vigia Antonio Ronco, além da platéia, foram citados
com carinho pelos entrevistados. Segundo Izaías Almada, estes tinham um verdadeiro laço de amor com o Arena e faziam de tudo para que o teatro pudesse continuar, mesmo durante o período mais ferrenho da ditadura, com o CCC (Comando de Caça aos Comunistas) ameaçando invadir o prédio.
Por ter escolhido esse caminho, contrário aos interesses dos que se encontravam no poder, era natural que o Arena desaparecesse durante o período da ditadura civil-militar que governou o país de 1964 a 1984. Todavia, não foi sem luta que isto ocorreu. O Arena deu vida aos musicais Zumbi e Tiradentes e ao show Opinião, no Rio de Janeiro; montou espetáculos como O inspetor geral (Gogol), Arena canta Bahia e a Primeira Feira Paulista de Opinião.
Após 1968, com o aumento da tensão política, muito dos integrantes do Arena foram presos e torturados. Mesmo assim, os trabalhos continuaram. A Primeira Feira Paulista de Opinião, por exemplo, foi um espetáculo que reuniu artistas de várias áreas para exprimir a insatisfação de todos quanto à censura e a falta de liberdade de expressão. Porém, o sucesso de público dessa peça somente fez aumentar o conflito já existente, entre militares e os integrantes do teatro, que foram reprimidos de forma violenta. Essa censura, porém, segundo Gianfrancesco Guarnieri, serviu para mobilizar a classe teatral, que conseguiu uma vitória ao pressionar o governo e obter, por meio de um grupo de trabalho, a elaboração de um anteprojeto para a nova censura.
Com o fim das atividades do Arena, seus integrantes dispersaram-se ou criaram outras alianças. Contudo, a experiência que esse tipo de teatro proporcionou ainda influencia suas carreiras, seja na forma de atuar, seja na forma de conceber o que é teatro. Apesar das diferenças estabelecidas com a nova geração de atores, de uma forma ou de outra, o legado que o Arena deixou ainda será parâmetro para que muitos possam aprimorar-se no teatro.
Aqueles que fizeram parte deste livro trazem em suas histórias de vida um pouco da própria História do Brasil. Na medida em que nos debruçamos nessa leitura acabamos adquirindo um pouco mais de consciência do papel do teatro para a consolidação de uma sociedade democrática, porque, como bem observou Antonio Fagundes, em seu depoimento a Izaías Almada: No teatro é preciso jogar com a própria alma, é preciso ter uma paixão, uma paixão pela comunicação.
* Graduanda em História pela Universidade Federal de Uberlândia e integrante do Núcleo de Estudos em História Social da Arte e da Cultura – NEHAC.
1 ALMADA, Izaías. Teatro de Arena: uma estética de resistência. São Paulo: Boitempo, 2004.
Revista Fênix
Talitta Tatiane Martins Freitas*
Universidade Federal de Uberlândia – UFU
talittatmf@gmail.com
Ao analisarmos a década de 1960, deparamo-nos com um dos movimentos culturais mais importantes do país, o Teatro de Arena, que se tornou um símbolo de nacionalismo e resistência democrática. Buscando resgatar as particularidades desse movimento, Izaías Almada escreveu o livro Teatro de Arena: uma estética de resistência1.
Este livro faz parte da coleção Paulicéia, coordenada por Emir Sader que aborda eventos políticos, sociais e culturais de grande importância para o estado de São Paulo. Todavia esta importância, no caso do Arena, estende-se por grande parte do país.
Neste sentido, a perspectiva de Almada foi a de buscar lembranças e opiniões de ex-integrantes do Teatro de Arena e de pessoas que, de uma forma ou de outra, foram contemporâneos às muitas atividades que o grupo desenvolveu. Izaías, um dos atores do Arena entre os anos de 1964 a 1969, organizou neste livro entrevistas e reflexões sobre o dia-a-dia do grupo, de forma que podemos dividi-lo em cinco partes. Em um primeiro momento, contextualizou o surgimento do Arena, a partir das atividades do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e da Escola de Arte Dramática (EAD), para, em seguida, dar espaço às entrevistas dos pioneiros; às reminiscências históricas dos Seminários de Dramaturgia, e depoimentos das fases de nacionalização dos clássicos e dos musicais. Por último, depoimentos de atores e dramaturgos do Arena que acompanharam o encerramento das atividades do grupo.
O Arena, situado à Rua Teodoro Baima – 94, onde atualmente funciona a Sala Experimental Eugênio Kusnet, foi o palco de uma nova forma de se conceber o teatro “nacional”. Décio de Almeida Prado, crítico teatral, falecido em 2000, analisou o contexto em que surgiu o Teatro de Arena, recordando como era a cena cultural com o TBC e com a criação da EAD, onde foi professor do então aluno José Renato, um dos criadores do Arena. Essa forma de teatro apresentou-se, no inicio, como uma maneira barata de encenar, já que com o palco em forma de arena não era necessário o investimento em grandes cenários. Eram valorizados, nesse caso, os figurinos e a própria interpretação do ator. Posteriormente, em especial, com a encenação de “Eles não usam Black-tie”, em 1958, as ideologias dos seus integrantes foram estabelecendo o que hoje conhecemos como teatro “revolucionário” o que, para muitos entrava, em contraste com os teatros apresentados até então.
Essa nova forma de teatro, voltado para uma estética de esquerda e com discussões sobre a realidade do país, chamou a atenção de vários segmentos da sociedade, já que personagens como empregadas domésticas e operários em greve, por exemplo, antes não haviam sido protagonistas de uma peça de teatro. “O Arena foi a valorização das peças de conteúdo social, dos autores nacionais, uma transformação. [...] O Arena foi, de fato, um sopro inovador no teatro brasileiro” (p. 44), sopro este que a jornalista Regina Helena de Paiva Ramos vivenciou e transcreveu durante dezessete anos em que trabalhou, no jornal Gazeta, como crítica teatral. Durante esse tempo, as apresentações do Arena renderam muitos comentários e entrevistas na coluna feminina assinada por Regina , uma opção diferente em um período em que os jornais destinavam esse tipo de coluna para publicação de receitas e dicas de comportamento.
Além da própria trajetória do Teatro de Arena, há nesse livro particularidades do cotidiano de mulheres e homens que viveram esse instigante e turbulento período da história do Brasil. Histórias como a de Vera Gertel, casada com Vianinha e ligada à
Juventude Comunista, que conta como era ser atriz, mulher e militante nessa sociedade. Nas entrelinhas apreendemos também, a história de pessoas que não participaram do Arena, mas que também foram atuantes na modificação das suas realidades.
Por meio das lembranças que esse livro evoca, saltam aos olhos do leitor a importância do trabalho de grupos de teatro permanentes, cada vez mais difícil no mundo contemporâneo. É claro que muito já foi escrito sobre o Arena durante todos esses anos, mas a maior parte dos livros o retratam de forma factual ou cronológica, deixando de lado o fato de que esses jovens possuíam uma sociabilidade que não pode ser deixada de lado.
Neste ponto de vista, a relação artista, obra e seu tempo se faz presente quando deparamo-nos com as entrevistas. Elas demonstram que o Arena não foi fruto de um plano pré-elaborado por única pessoa. Na verdade, ele foi se construindo e se modificando com o passar dos anos, de acordo com as transformações que ocorriam no cenário nacional e mundial. Sendo assim, atores e dramaturgos fizeram parte do processo de criação, no qual o texto e a cena contribuíram para a consolidação de um grupo que primava por uma consciência social e política. “O Teatro de Arena atravessou 20 anos da história do Brasil e era natural que nesse período buscasse a cada momento orientar-se estética e politicamente de acordo com os ideais dos seus principais integrantes, homens e mulheres de esquerda, de origem pequeno-burguesa, alguns dos quais ligados ao Partido Comunista Brasileiro” (p. 94).
Além da preocupação com o engajamento social, havia também uma atenção especial com a própria formação do ator, sendo Augusto Boal um dos maiores incentivadores desta política. Devido seu interesse pela ciência teatral, isto é, pela necessidade de se refletir sobre os textos a serem encenados e/ou mesmo escritos, Boal idealizou os Seminários de Dramaturgia com o intuito de propiciar uma ampla discussão acerca do papel do teatro e do ator. Boal, segundo Roberto Freire, expunha os seus conceitos e conhecimentos sobre teatro, uma vez que era ele quem mais se preocupava com esse aspecto “científico” decorrente de um curso de dramaturgia feito nos Estados Unidos, com John Gassner.
No entanto, não podemos nos esquecer, que durante todos esses anos, o Teatro de Arena recebeu várias críticas por seu modo de enxergar a realidade. Muitos, até hoje, alegam que foi um grupo fechado, limitado pelas próprias ideologias, que dividia o mundo entre “bons” e “maus”. Entretanto, este era um período pós-guerra, em que o maniqueísmo encontrava-se presente não somente no Brasil, mas também em todo o mundo. Porém, em nosso país, com o advento do golpe de 1964, as questões políticos-culturais tiveram colorações próprias.
Como exemplo desse procedimento, pode-se recordar Arena Conta Tiradentes. Neste espetáculo, usufruindo da liberdade poética, os autores tomaram uma ação como modelo e a recriaram a seu modo, inserindo-a no debate de seu tempo. Assim sendo, tais peças não possuíam um aparato meramente histórico, mas tratavam de uma resignificação do tema liberdade, inserido em uma nova realidade e, como tal, deverá ser analisado em sua própria historicidade.
De modo geral, percebe-se, no decorrer do livro, que as histórias dos integrantes do Arena vão se entrecruzando. Pessoas com trajetórias tão distintas, que, em um primeiro momento acreditamos não ter nenhuma ligação, encontram-se e identificam-se com os projetos e com as utopias daquela fase combativa do Arena. A cantora Marília Medalha nunca havia pensado em ser atriz e acabou participando da peça Arena conta Zumbi. Outro que entrou no Arena de forma inesperada foi David José que participou das montagens de Tartufo e Arena Conta Tiradentes, entre outros: “A Tupi tinha um time de futebol [...] cujo técnico era o Lima Duarte. Então em 1963 [...] eu fui ver o Lima e depois lhe disse que gostaria de trabalhar no Arena. [...] Então, foi via Lima Duarte e Guarnieri que eu fui parar no Teatro de Arena” (p. 111).
Segundo o Almada, mesmo as memórias que não se remetessem especificamente ao Arena foram preservadas para configurar um painel histórico, social e cultural mais abrangente do que se passava em São Paulo e no país. Assim sendo, histórias peculiares – para não dizer hilárias – foram mantidas no decorrer do livro. Por exemplo, devido o palco ser entre as platéias, o Arena proporcionava uma intimidade muito grande com o público, que por sua vez, se sentindo à vontade, por diversas vezes interferia no espetáculo, fazendo os seus comentários ou, até mesmo, invadindo a cena. Outras histórias, também muito interessantes, ocorreram fora do palco. Em viagens, ou mesmo em São Paulo, muitos integrantes moravam juntos em apartamentos ou no próprio teatro. Essa convivência tão estreita gerou, em muitos casos, atritos, boas gargalhadas e, é claro, para o leitor, uma maior intimidade com todos os entrevistados.
Além dos atores e dramaturgos, o livro não se esquece de homenagear outros integrantes que não necessariamente ficavam no palco. Personagens como o iluminador Orion de Carvalho, o porteiro e vigia Antonio Ronco, além da platéia, foram citados
com carinho pelos entrevistados. Segundo Izaías Almada, estes tinham um verdadeiro laço de amor com o Arena e faziam de tudo para que o teatro pudesse continuar, mesmo durante o período mais ferrenho da ditadura, com o CCC (Comando de Caça aos Comunistas) ameaçando invadir o prédio.
Por ter escolhido esse caminho, contrário aos interesses dos que se encontravam no poder, era natural que o Arena desaparecesse durante o período da ditadura civil-militar que governou o país de 1964 a 1984. Todavia, não foi sem luta que isto ocorreu. O Arena deu vida aos musicais Zumbi e Tiradentes e ao show Opinião, no Rio de Janeiro; montou espetáculos como O inspetor geral (Gogol), Arena canta Bahia e a Primeira Feira Paulista de Opinião.
Após 1968, com o aumento da tensão política, muito dos integrantes do Arena foram presos e torturados. Mesmo assim, os trabalhos continuaram. A Primeira Feira Paulista de Opinião, por exemplo, foi um espetáculo que reuniu artistas de várias áreas para exprimir a insatisfação de todos quanto à censura e a falta de liberdade de expressão. Porém, o sucesso de público dessa peça somente fez aumentar o conflito já existente, entre militares e os integrantes do teatro, que foram reprimidos de forma violenta. Essa censura, porém, segundo Gianfrancesco Guarnieri, serviu para mobilizar a classe teatral, que conseguiu uma vitória ao pressionar o governo e obter, por meio de um grupo de trabalho, a elaboração de um anteprojeto para a nova censura.
Com o fim das atividades do Arena, seus integrantes dispersaram-se ou criaram outras alianças. Contudo, a experiência que esse tipo de teatro proporcionou ainda influencia suas carreiras, seja na forma de atuar, seja na forma de conceber o que é teatro. Apesar das diferenças estabelecidas com a nova geração de atores, de uma forma ou de outra, o legado que o Arena deixou ainda será parâmetro para que muitos possam aprimorar-se no teatro.
Aqueles que fizeram parte deste livro trazem em suas histórias de vida um pouco da própria História do Brasil. Na medida em que nos debruçamos nessa leitura acabamos adquirindo um pouco mais de consciência do papel do teatro para a consolidação de uma sociedade democrática, porque, como bem observou Antonio Fagundes, em seu depoimento a Izaías Almada: No teatro é preciso jogar com a própria alma, é preciso ter uma paixão, uma paixão pela comunicação.
* Graduanda em História pela Universidade Federal de Uberlândia e integrante do Núcleo de Estudos em História Social da Arte e da Cultura – NEHAC.
1 ALMADA, Izaías. Teatro de Arena: uma estética de resistência. São Paulo: Boitempo, 2004.
Revista Fênix
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