sexta-feira, 25 de setembro de 2009

José Luiz Goldfarb - A trajetória do físico brasileiro Mário Schenberg

Historiador conta a trajetória do físico brasileiro Mário Schenberg, admirado pelo cientista alemão
Marcos de Oliveira - Janeiro 2009
Edição Impressa - Especial

Pesquisa FAPESP - © Folha Imagem

Schenberg: físico, político e crítico de arte

Entre as pessoas mais admiradas por Albert Einstein estava o físico brasileiro Mário Schenberg. Segundo uma possível lista elaborada pelo famoso pai da teoria da relatividade, ele foi considerado um dos dez cientistas mais representativos na ciência do século XX. “Nós não temos comprovação dessa lista, não há documentos, o que sabemos é que Schenberg não trabalhou com Einstein, eles se conheceram na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, durante um período de estudos do brasileiro em que Einstein teria ficado muito impressionado com Schenberg”, disse o professor José Luiz Goldfarb, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, no dia 29 de novembro, na palestra “Albert Einstein e Mário Schenberg nas fronteiras da ciên­cia no século XX”. “Em determinado momento após essa visita, não sabemos exatamente quando, alguém pediu para Einstein fazer uma lista de dez pessoas, dez inteligências, e Schenberg estaria nessa lista. A partir daí surgiu essa história, essa lenda”, diz Goldfarb. “As salas de Einstein e de Schenberg eram pró­ximas e às vezes eles se encontravam por ali”, lembrou Goldfarb, um estudioso da vida e obra do físico brasileiro, sobre quem publicou o livro Voar também é com os homens – O pensamento de Mário Schenberg” (Edusp, 1993).

Na sua trajetória científica, Schenberg interagiu com muitos pesquisadores que deram contribuições importantes para a física. Trabalhou, por exemplo, em Roma, na Itália, com Enrico Fermi, ganhador do Prêmio Nobel de Física de 1938, e com George Gamow, um russo naturalizado norte-americano, na Universidade de Washington, nos Estados Unidos, responsável pelos estudos que resultaram na teoria sobre a grande explosão da criação do Universo, o Big Bang. Atingir esse patamar representou um grande salto para esse pernambucano nascido no Recife, em 1914, que queria estudar na Europa, mas não conseguiu logo de início porque a situação financeira de seu pai não permitia. Ele foi para o Rio de Janeiro, mas em 1930 voltou para o Recife e entrou na Escola de Engenharia, devido à crise de 1929. Em 1934, ano da fundação da Universidade de São Paulo (USP), se transferiu para a Escola Politécnica da universidade paulista, onde se formou em 1935. Licenciou-se em ciências matemáticas no ano seguinte e logo foi trabalhar na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, no Departamento de Física. Saiu do Brasil em 1938 para a Europa em uma viagem de estudos financiada pelo governo paulista que durou nove meses.

Nos estudos com Fermi, em Roma, ele menciona a possível existência do neutrino, uma partícula subatômica. “O neutrino era absolutamente uma hipótese, uma partícula que apenas nos anos 1960 é que vai ser observada, mas ela fazia parte do contexto teórico pincelado por Schenberg na Europa”, diz Goldfarb. Naquele mesmo ano, muito intuitivo, ele volta rápido ao Brasil, por ser judeu, antes do início da Segunda Guerra Mundial que estava por começar. Aqui ele concorre e consegue uma bolsa da Fundação Guggenheim dos Estados Unidos para trabalhar na Universidade de Washington para onde se transfere em 1939. Lá trabalha na equipe de Gamow, que havia conhecido em São Paulo. Schenberg começou então seus estudos sobre astrofísica, área em que acontece sua maior contribuição à ciência. É o efeito Urca, chamado erroneamente de Ultra Rapid Catastrophe em sites e enciclopédias. “Eles tinham dados empíricos sobre supernovas que eram observadas e que não batiam com a teoria existente sobre a constituição de estrelas. Schenberg, numa conversa com Gamow, disse que não se estava levando em conta a emissão de neutrinos. Gamow põe a mão na cabeça – essa é a descrição literal de Schenberg – e diz: ‘Essa é a solução’”, lembrou Goldfarb. A emissão de neutrinos esfria o centro da estrela e produz um colapso e uma expansão na parte mais externa do astro. “Eles elaboraram e recalcularam a teoria e esse efeito passou a fazer parte do estudo das estrelas até hoje.”


© Pedro Palhares Fernandes

Goldfarb: estudioso da vida e da obra de Schenberg

Gamow chama o efeito de Urca porque ele e sua esposa encontraram Schenberg no Rio de Janeiro e depois seguiram para o então cassino da Urca. “Lá a esposa de Gamow só perdeu dinheiro e então ele brincou: ‘A energia some no interior da estrela por causa da emissão dos neutrinos igual ao dinheiro da minha mulher que sumia naquela roleta no cassino da Urca’. Daí o nome”, disse Gold­farb. No Brasil, entre o final dos anos de 1950 e começo da década de 1960, o brasileiro foi fundador e chefe do Departamento de Materiais e Mecânica do Instituto de Física da USP e teve um papel de incentivador da física do estado sólido, embora não fosse sua área. “Schenberg falava que a nova revolução viria da física dos materiais com silício, cristais, que posteriormente resultou nessa sociedade da informação, e não na física nuclear como muitos acreditavam”, disse Goldfarb.

Schenberg participa de muitas contribuições à física do século XX. “Ele acha ou às vezes indica soluções. O poeta Haroldo de Campos o chamava ‘Leonardesco’, em referência a Leonardo da Vinci, porque ele tinha uma característica semelhante à do artista italiano. Às vezes, achava que já resolvera o problema e passava a trabalhar em outra questão como Da Vinci fazia com pinturas que não terminara.” O aspecto multifacetado presente no italiano também foi marca registrada de Schenberg. Além da física, o pernambucano trilhou outros caminhos, como crítico de arte, área em que cultivou muitas amizades. “Ele dizia que não era crítico, mas acabou se tornando um estudioso e, nos estudos que fiz, acabei encontrando resenhas ao longo de 40 anos, de 1944 a 1984”, lembra Goldfarb.

Aliado à física e às artes, Schenberg também tinha um profundo interesse por política e filosofia. Ele era filiado ao Partido Comunista Brasileiro – caminho de grande parte da intelectualidade das décadas de 1930 e 1940 que se engajavam no movimento social – e foi eleito duas vezes deputado estadual em São Paulo. “Política para ele era a possibilidade de as pessoas se organizarem e terem uma direção, uma bandeira, para poderem realizar o que querem, desenvolvendo suas possibilidades. Com o golpe militar de 1964, ele foi cassado, preso e aposentado da USP pelo Ato Institucional nº 5, uma situação revertida em 1979, com a anistia. Segundo Goldfarb, ele era um comunista peculiar porque teve grandes desentendimentos com o líder do partido, Luís Carlos Prestes, além de, na arte, apoiar tendências completamente diferentes do realismo socialista da ex-União Soviética. Schenberg também era muito interessado por religião. “Ele dizia que a religião tem um fundo de coisas que não entendemos mas que ainda vamos entender”, lembra Goldfarb. “Ele ia à umbanda, à sinagoga, à igreja.” No final da vida aproximou-se do budismo. Schenberg morreu em São Paulo, em novembro de 1990, aos 76 anos de idade.

Albert Einstein e Mario Schenberg nas fronteiras da ciência no século XX
José Luiz Goldfarb
, físico, historiador da ciência e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, autor de Voar também é com os homens – O pensamento de Mário Schenberg (Edusp)

Revista FAPESP

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