Neldson Marcolin - Dezembro 2008
Edição Impressa - Especial Einstein
Pesquisa FAPESP - © Marcia Minillo
Tolmasquim: anúncio de 1919 foi grande evento de mídia
A comprovação da teoria geral da relatividade na cidade de Sobral, no Ceará, e na ilha de Príncipe, no golfo da Guiné, em 1919, fez mais pela fama de Albert Einstein do que todos os artigos revolucionários publicados entre 1905 e 1916. O resultado foi anunciado por pesquisadores ingleses em uma sessão solene da Academia de Ciências de Londres e noticiado como de grande importância para a ciência primeiramente no jornal The Times e depois pela imprensa de todo o mundo. “Foi um dos primeiros grandes eventos de mídia no século XX”, contou o pesquisador em história da ciência e diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), Alfredo Tiomno Tolmasquim. Ao se tornar uma celebridade mundial, o cientista alemão começou a viajar pelo mundo para divulgar suas idéias científicas, receber homenagens e defender o pacifismo e o sionismo. “Foi dentro deste contexto que ele visitou o Brasil, em 1925.” Tolmasquim falou no Parque do Ibirapuera na agenda cultural paralela à exposição Einstein, com o tema “Um cientista nos trópicos: a viagem de Einstein à América do Sul”, no dia 9 de novembro.
Para entender melhor as motivações do cientista em visitar países sem muita expressão em um lugar distante, Tolmasquim lembrou que o reconhecimento pelos artigos de 1905 ocorreu muito lentamente. Foi apenas em 1914, aos 35 anos, que ele recebeu e aceitou um convite atraente para trabalhar na Universidade de Berlim: não precisaria dar aulas, apenas seminários e palestras. O salário era confortável e incluía uma vaga na Academia Prussiana de Ciências e a diretoria do instituto de física que viria a ser criado. Quando pensou que finalmente teria tempo e tranqüilidade financeira para trabalhar, quatro meses depois que chegou a Berlim eclodiu a Primeira Guerra Mundial e, pela primeira vez, Einstein começou a se envolver em questões políticas.
Os intelectuais e cientistas da época se engajaram diretamente na polêmica sobre o conflito. “Para os não-alemães existiam duas Alemanhas: a do Kaiser, beligerante, e a da ilustração, do conhecimento, da cultura, da ciência”, contou o diretor do Mast. Os principais cientistas e intelectuais alemães reagiram a essa posição e fizeram o “Manifesto dos 93”, em que diziam que a Alemanha era uma só, a do Kaiser. Ocorre que Einstein não assinou o manifesto porque acreditava que os cientistas não deveriam se envolver na questão. Para ele, ciência e cultura teriam de estar acima das fronteiras nacionais. Essa posição o levou a escrever um contramanifesto, conclamando “os bons europeus” a se unirem contra a guerra, algo imediatamente considerado uma espécie de ato de traição. Foi nesse período que Einstein assumiu de vez o pacifismo e passou a apoiar o sionismo, movimento de criação de um Estado judaico na Palestina.
Personalidade mundial
Mesmo com o envolvimento político, ele continuou dando palestras e trabalhando na teoria geral da relatividade, que publicou em 1916. Uma das idéias básicas da teoria diz que um corpo de grande massa, como o Sol, deforma o espaço em torno de si e qualquer objeto que passar na região vai seguir essa deformação, inclusive a luz. Como se poderia comprovar a hipótese? Observando a luz de uma estrela passando perto do Sol. “Você olha a luz da estrela perto do Sol, depois olha a luz da estrela longe do Sol e vê se houve alguma mudança”, explicou Tolmasquim. A única maneira de fazer a observação seria no momento do eclipse do Sol – quando a Lua encobre a luz solar e é possível ver as estrelas que estão próximas. No artigo de 1916 Einstein previu qual seria a deflexão da luz de uma estrela próxima calculando pela massa do Sol. Para fazer a comprovação da teoria saíram as duas expedições britânicas, para o Ceará e para o golfo da Guiné, na África, que comprovaram a deflexão prevista pelo físico.
“Aí sim vai acontecer o que não aconteceu em 1905”, disse o pesquisador. A imprensa faz uma cobertura enorme e transforma Einstein em uma personalidade mundial. Se por um lado ele era muito festejado, por outro ficou na berlinda e começou a receber muitas críticas de alemães nacionalistas contra a posição que tomou durante a guerra. Nessa época também foi lembrado o fato de ele ter abdicado da nacionalidade alemã, ainda muito jovem. Além disso, era judeu e os nacionalistas alemães consideraram que houve uma conspiração dos judeus para derrubar o imperador alemão. Quando acabou a guerra, o Kaiser abdicou e foi proclamada a República de Weimar. Não bastasse tudo isso, existiam setores que não concordavam com a teoria geral da relatividade. Começou uma campanha chamada por Einstein de campanha anti-relatividade, que envolvia nacionalismo, anti-semitismo e divergências científicas.
No centro de todas essas questões, Einstein pensou em ir embora para outro país e deixar as polêmicas para trás, mas foi convencido por alguns colegas a ficar – a Alemanha, afinal, era o centro da física no mundo. “Foi naquele momento que ele decidiu começar a se manifestar com mais ênfase e usar sua voz para divulgar suas idéias científicas e pacifistas”, disse Tolmasquim. Começou, então, a dar muitas palestras, não só divulgando a relatividade e a nova física, como interagindo com os cientistas. Foi a Holanda, Noruega, Dinamarca, Praga, Viena, Estados Unidos, Inglaterra, França, Japão, Palestina e, em 1925, Argentina, Uruguai e Brasil.
viagem começa pela Argentina, na época um país muito diferente do Brasil, então extremamente agrário. A Universidade do Rio de Janeiro, a primeira do Brasil, havia sido criada em 1922. Na Argentina, porém, existiam cinco universidades no mesmo ano, além de alguma pesquisa em física. Havia também a presença relativamente alta e organizada de imigrantes alemães. Eles criaram a Instituición Cultural Argentino-Germana, que reunia cientistas alemães e argentinos interessados na ciência e cultura germânicas. Um dos objetivos era trazer pesquisadores importantes para dar palestras e um dos primeiros nomes citados foi o de Einstein. Mas o convite não se concretizou de imediato porque existia entre seus integrantes a mesma divergência no âmbito da instituição que já ocorrera na Alemanha sobre as posições políticas de Einstein.
Outra instituição cultural, a Associação Hebraica da Argentina, também tinha o objetivo de trazer judeus eminentes em artes e ciências. Ao tentar contatar o cientista, descobriu-se que ele só aceitava convites feitos por instituições científicas para evitar que sua imagem fosse usada de uma forma ou de outra. A Associação Hebraica sugeriu, então, que a Universidade de Buenos Aires fizesse o convite, colocaram dinheiro à disposição para ajudar nos custos e, em dezembro de 1923, seguiu uma carta para Berlim. Einstein disse que aceitava, mas apenas em 1925.
O Brasil entrou na história por iniciativa também da Associação Hebraica. Os líderes da comunidade judaica da Argentina alertaram os líderes no Uruguai, Brasil e Chile sugerindo que aproveitassem a visita de Einstein à América do Sul para convidá-lo a ir aos seus países. No Rio de Janeiro, o rabino Isaiah Raffalovich, líder judeu local, conseguiu que a Escola Politécnica o convidasse. “A carta para Einstein não saiu da universidade, mas foi feita pelo próprio rabino em nome de Paulo de Frontin, na época diretor da Escola Politécnica, e do diretor da Faculdade de Medicina, Aloysio de Castro”, contou Tolmasquim. O cientista alemão também aceitou vir ao Brasil e Uruguai.
Estado de espírito
Einstein desembarcou no Rio no dia 21 de março, ficou apenas um dia e embarcou para Buenos Aires, onde chegou dia 24. Um mês depois foi para Montevidéu, ficou uma semana e, em seguida, voltou ao Rio para ficar mais uma semana. “Ele escreveu suas impressões em um diário de viagem que indica como seu estado de espírito foi se alterando durante a estadia na América do Sul”, disse o pesquisador. “No primeiro dia achou tudo maravilhoso, mas na volta para a Alemanha, quase dois meses depois, não suportava mais o calor, a comida e as homenagens.” Uma das primeiras anotações quando ele chega ao Rio, antes de ir para a Argentina, é: “O Jardim Botânico, bem como a flora de modo geral, supera o sonho das mil e uma noites. Tudo vive e cresce a olhos vistos por assim dizer. Deliciosa mistura étnica nas ruas: português, índio, negro, com todos os cruzamentos. Espontâneas como plantas, subjugados pelo calor. Experiência fantástica! Indescritível abundância de impressões em poucas horas”.
Semanas depois, sozinho, sem muitos interlocutores científicos, assediado pela imprensa, participando de inúmeros eventos, solenidades e discursos, o humor dele foi mudando sensivelmente. “A palestra que deu no Clube de Engenharia do Rio, por exemplo, foi uma catástrofe.” O público era composto de militares e diplomatas com as esposas e filhos. O calor era grande, a sala estava superlotada e a janela teve de ser aberta. Piorou, porque havia o barulho da rua. Einstein deu a palestra em francês e desenhou uma série de fórmulas no quadro. Depois escreveu no diário: “Compreensão impossível a começar pela acústica. Pouco sentido científico. Eu sou um tipo de elefante branco para os outros, eles para mim uns tolos”. Na segunda palestra na Escola Politécnica, apesar do grande número de pessoas, restringiram a entrada e o evento foi mais agradável.
Na terceira e última palestra dada no Rio de Janeiro, na Academia Brasileira de Ciências (ABC), houve algo diferente: um artigo específico escrito por ele especialmente para a ocasião. Naquele momento, no Brasil, a teoria da relatividade ainda provocava muita curiosidade entre os poucos cientistas e intelectuais. Mas, para Einstein, em 1925, sua teoria já estava estabelecida e o que o interessava eram as questões relacionadas à constituição da luz, sobre a qual ainda havia debates no meio cientifico europeu. Ele escreveu o artigo “Observações sobre a situação atual da teoria da luz” em alemão, em papel timbrado do Hotel Glória, onde ele se hospedou, com a data de 7 de maio de 1925, e posteriormente publicado no primeiro número da revista da Academia Brasileira de Ciências, em abril de 1926. O texto original, deixado no Brasil para ser traduzido, foi achado por Tolmasquim, que tratou de divulgá-lo em congressos de história da ciência nos anos 1990.
Um cientista nos trópicos: a viagem de Einstein à América do Sul
Alfredo Tiomno Tolmasquim, graduado em engenharia química, diretor e pesquisador titular do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast) do Rio de Janeiro, autor de Einstein: o viajante da relatividade na América do Sul (Vieira e Lent)
Revista FAPESP
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