Seth Garfield
Professor Associado, Departamento de História, University of Texas. GAR 2.120, 1 Univ Sta B7000. Austin, TX 78712-0220. sgarfield@mail.utexas.edu
Este ensaio delineia a emergência da Amazônia no imaginário norte-americano anterior a Pearl Harbor e o lugar controverso que ela ocupou nas decisões políticas dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. A historiografia diplomática atual sobre a Era Vargas nos fornece uma visão crítica das relações bilaterais com os Estados Unidos, incluindo análises de conflitos internos à burocracia norte-americana na elaboração de políticas para o Brasil, assim como a articulação de interesses de classe dentro e fora das fronteiras nacionais.1 Contudo, distintas populações e paisagens do Brasil foram avaliadas e tratadas de forma diferente pelos responsáveis pela política dos Estados Unidos e por interlocutores particularmente interessados em controlar os recursos naturais, o território e os povos do norte do Brasil.2 Embora numerosos estudos tenham explorado a "invenção" da Amazônia por meio da análise de textos literários, os acadêmicos geralmente dedicaram pouca atenção às matrizes estruturais, institucionais e geopolíticas que embasaram essa produção cultural e que foram por ela reforçadas.3 Com base em uma linha de pesquisa que, recentemente, tem buscado fundir as abordagens metodológicas da história diplomática, ambiental e cultural, busco analisar o lugar da Amazônia no imaginário norte-americano durante a guerra.4
Nos anos que precederam Pearl Harbor, a busca por matéria-prima, defesa hemisférica e expansão das oportunidades de negócios reavivou o interesse dos Estados Unidos nos recursos naturais da Amazônia. Antes de Pearl Harbor, a enorme dependência da economia norte-americana da importação de borracha crua do Sudeste asiático levou vários altos funcionários, comentaristas e escritores a apoiar a criação de plantations de borracha na Amazônia e em outras regiões no hemisfério ocidental. O apelo da Amazônia para alguns observadores norte-americanos não estava somente em seus recursos naturais, mas também na sua promessa de aliança pan-americana e redenção espiritual.
A entrada dos Estados Unidos na guerra e a tomada dos territórios produtores de borracha do Sudeste asiático pelo Japão alteraram a natureza do engajamento político e do debate sobre a Amazônia nos Estados Unidos. A ameaça de uma iminente escassez da borracha levou o governo a intervir de forma decisiva, tanto internamente como na Amazônia, a fim de maximizar a oferta: internamente, o governo dos Estados Unidos subsidiou a criação de uma indústria da borracha sintética; na Amazônia, sua prioridade se deslocou da pesquisa botânica e do desenvolvimento de plantations para a expansão do comércio da borracha silvestre. Como em outras regiões da América Latina, porém, as políticas de obtenção de matéria-prima durante a guerra continuaram altamente controvertidas. Nos Estados Unidos, os liberais duvidavam de que o aumento das exportações da América Latina durante a guerra pudesse, por si só, atender às crescentes aspirações regionais por desenvolvimento industrial e por um padrão de vida mais elevado, além das necessidades econômicas norte-americanas no pós-guerra. Por isso, defendiam que o governo dos Estados Unidos apoiasse uma modesta industrialização, a aplicação de leis trabalhistas e a expansão do comércio complementar de commodities na América Latina, como forma de modernizar economias "coloniais" e promover a ascensão social. Os conservadores, porém, buscavam restringir as iniciativas do governo norte-americano, durante a guerra, à obtenção de matéria-prima através dos canais de negócios já existentes, em detrimento de reformas socioeconômicas.5 Eles criticaram duramente o uso da influência política norte-americana e da ajuda econômica para melhorar as condições sociais na Amazônia, apontando essas medidas como violação aos princípios do livre-mercado, assistencialismo governamental e afronta à soberania brasileira.
Embora o debate político nos Estados Unidos sobre o fornecimento de borracha pela Amazônia frequentemente se apropriasse do discurso da segurança nacional, as divisões também refletiam uma competição entre diferentes visões das paisagens e dos povos tropicais. A conflagração global havia suscitado interesse e envolvimento inéditos do governo dos Estados Unidos nos assuntos amazônicos. Porém, o imperialismo norte-americano no Caribe e no Pacífico desde a virada do século havia promovido, durante muito tempo, ideologias que infantilizavam os povos tropicais, retratando-os como incapazes de administrar os próprios recursos e desesperados por tutela política, conhecimento técnico, ajuda econômica e liderança moral vindos dos Estados Unidos. Tomando a conquista da natureza como medida do grau civilizatório, os norte-americanos olhavam com desconfiança para a região (supostamente) inculta e não-colonizada, ocupada por povos que viveriam ainda no estado de natureza.6 De fato, havia muito a Amazônia atraía o olhar de reprovação de habitantes do hemisfério Norte, que atribuíam o subdesenvolvimento da região ao peso dos fatores racial, climático e cultural.7 A recente descoberta do potencial das imensas reservas de borracha da Amazônia para a economia industrial dos Estados Unidos reavivou velhas questões imperiais sobre os trópicos. A floresta tropical poderia ser "conquistada"? Os extrativistas eram pouco produtivos porque eram explorados, ou eram explorados porque pouco produtivos? As populações da Amazônia seriam capazes ou merecedoras da ascensão social? Teria a geografia condenado os extrativistas da borracha amazônica a serem produtores marginais para o mercado mundial? Ou a ciência e a tecnologia ofereceriam uma nova promessa? A sociedade norte-americana se beneficiaria ou sofreria com o renascimento do comércio da borracha crua na Amazônia?
Imersas numa série de mitos históricos e preconceitos culturais relacionados à América Latina tropical (e aos Estados Unidos), as representações norte-americanas da Amazônia foram moldadas por uma mistura de imagens desgastadas: a atração pelo El Dorado, o coração das trevas tropical registrado em livros de viagem e jungle books, inclinações isolacionistas e antieuropeias, o mito construído da fronteira norte-americana, a fé no poder transformador da ciência, a sedução ou o pavor pelo emergente estado de bem-estar social. Velhas expressões sobre El Dorado ou o "inferno verde" assumiram novas conotações nessa era turbulenta, informando e sendo informadas pelas políticas públicas. Mais que um lugar, a Amazônia era também um símbolo cultural de esperança ou desilusão para os norte-americanos, uma pedra de toque para ansiedades mais profundas relacionadas a questões de raça, classe e nação. De fato, a análise histórica ressalta as forças materiais e ideológicas que moldaram a visão norte-americana da floresta tropical, revelando as mudanças e continuidades nas percepções contemporâneas da Amazônia nos Estados Unidos.
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Revista Brasileira de Historia
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