quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O "maio de 68" e o repúdio ao trabalho

Os acontecimentos que seguem pouco visíveis nas reconstruções daquele passado
por FERNANDO COUTINHO COTANDA


Desde os primórdios, os seres possuem uma grande necessidade de se comunicar. Os animais precisam, de alguma forma, trocar informações para sua sobrevivência. Com os humanos, isso ganha outras utilizações. A comunicação transcende o básico e o essencial, tornando-se fundamento para nossa sobrevivência. Sem ela, não existe relacionamento.

Para a formação de cultura, a comunicação também é de suma importância, ou seja, não existe sociedade culturalmente formada sem a troca de informação. A comunicação abrange todos os nossos cinco sentidos e, por vezes, é necessária grande cautela para interpretar corretamente o que um indivíduo está tentando transmitir. Mímicos, jornalistas, radialistas, apresentadores, pessoas afônicas e deficientes auditivas, crianças, bebês, placas, letreiros, quase tudo precisa de sensibilidade para compreender e ser compreendido. Sem reciprocidade, não existe entendimento.

Como parte diária e fundamental da comunicação, a vestimenta, a indumentária, ou, simplesmente, a moda, está presente visualmente em todas as pessoas. Muito elas têm a dizer, ou querem transmitir, usando peças de roupa. O período que vai da metade do século XIV à metade do século XIX é considerado o início da moda, quando mulheres passam a exibir mais seu corpo, evidenciando seu busto, quadris e a curva das ancas. É neste momento que a moda revela seus traços sociais e estéticos trazendo à tona uma diferenciação social, que antes não existia, como podemos ver nos tempos do Egito Antigo, que o mesmo tipo de toga-túnica comum aos dois sexos manteve-se por quase quinze séculos com uma permanência quase absoluta; na Grécia, o peplo (traje feminino de cima), impôs-se das origens até a metade do século VI antes de nossa era; em Roma, o traje masculino - a toga e a túnica - persistiu, com variações de detalhes, dos tempos mais remotos até o final do Império. Mesma estabilidade na China, na Índia, nas civilizações orientais tradicionais, onde o vestir só excepcionalmente admitiu modificações: o quimono japonês permaneceu inalterado durante séculos; na China, o traje feminino não sofreu nenhuma verdadeira transformação entre o século XVII e o século XIX.


No Egito Antigo e na Grécia Antiga, homens e mulheres usavam roupas muito parecidas, sem se importar com o belo ou com a diferenciação de classe e de sexo
Segundo Caroline Cotta de Mello Freitas-Hupsel, mestre e doutoranda em Antropologia Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e professora de Antropologia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, deve-se observar que não é somente a roupa que vai definir quem é o indivíduo no interior de um grupo ou caracterizar uma posição social; o que também contribuirá para sua aceitação e posicionamento é o movimento que se faz "dentro" das roupas. Isto já ensinava a professora Gilda de Mello Souza, que em 1950 defendeu sua tese de doutorado com o título A moda no século XIX: ensaio de sociologia estética, que somente 30 anos depois foi publicada com o título O espírito das roupas - a moda no século XIX. A publicação tardia ocorreu por ser este um tema muito criticado na época, pois se dizia que não teria relevância social e sociológica.

Foi no final da Idade Média e princípio do Renascimento que os nobres de Borgonha (atual território Francês) começaram a se sentirem incomodados com as cópias que os burgueses faziam de suas roupas. Os burgueses, classe emergente de origem não aristocrática, surgiu durante as Cruzadas, que no início tinham cunho principalmente religioso, mas com o tempo ganharam aspecto econômico e comercial. Isso se deve graças ao contato direto que tinham com o Oriente, com acesso aos inúmeros artigos que o europeu ocidental não conhecia. Estabelecendo contato comercial entre o Oriente e o Ocidente, os burgueses, por meio das Cruzadas, ganharam sustentabilidade financeira para copiar as vestimentas da corte européia.

A CORTE, A CLASSE que possuía maior capital, não gostava dessa cópia e começou a diferenciar suas roupas, surgindo assim um ciclo de criação e cópia. Sempre que isso acontecia, idéias diferentes, advindas da alta sociedade eram aplicadas nas indumentárias, despontando a concepção atual de moda.

Vivia-se um estágio aristocrático e artesanal da moda, no qual apenas uma parte da elite tinha acesso a uma variedade significativa de vestimentas e monopolizava o poder da criação. Desde então, a moda começa a traçar uma divisão de classe social. Na segunda metade do século XIX, surgem duas vertentes importantes até hoje: a Alta Costura, que cria tendências no mundo todo por meio de suas coleções de alto padrão, tendo seu berço na Europa; e a Confecção, que reproduz as tendências do momento em grande escala, baixo custo e qualidade inferior, popularmente chamada de prêt-à-porter (expressão desenvolvida por J. C. Weill que quer dizer "pronta para usar" - "ready to wear", esta implantada anos depois).

Moda brasileira
Um dos primeiros eventos que deram visibilidade à moda brasileira foi o Phytoervas Fashion (1994), que abriu oportunidades a novos estilistas de mostrar suas coleções. Foi dele que ascenderam nomes como Alexandre Herchcovitch e Fause Haten. Na ocasião, as modelos tiveram de vir de fora do país, pois as agências de modelo aqui eram escassas, assim como todo o mercado nesse ramo. O evento também apoiou financeiramente todos os estilistas, para que fossem possíveis as suas estilizações. Dessa forma, alcançou sucesso, crescendo a cada edição. Entretanto, a Phytoervas foi vendida para a Bristol-Myers Squibb, em meados dos anos 1990, e passou a ser patrocinado pelo Shopping Morumbi, ganhando o corpo e o nome de Morumbi Fashion.

Seguindo os mesmos passos das outras edições, também o Morumbi Fashion vingou e ganhou maiores dimensões que o esperado. Acabou conseguindo bancar a si mesmo e caminhar por conta própria, encabeçado pelo produtor Paulo Borges, que queria criar no país um calendário fixo para todos os desfiles, como em Paris, Milão e Nova York. Em janeiro de 2001, o Morumbi Fashion ganhou o título de "Calendário Oficial da Moda Brasileira São Paulo Fashion Week".

Com duas edições anuais, o evento lança tendências nacionais de verão e inverno e tem o retorno de milhões de reais em vendas para os diversos compradores do Brasil e do mundo. Realizado no prédio da Fundação Bienal no Parque Ibirapuera, em São Paulo, o SPFW recebe convidados estrangeiros e correspondentes da imprensa especializada de diversos países: Le Figaro, L'Officiel, Harper's Bazaar, Vogue, New York Times, etc.

Apesar da alavancada nacional sobre o cenário de moda e seus lucros relevantes, Michelle Medrado, cientista social graduada pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, professora no Senac e pesquisadora das temáticas de Moda, violência e judiciário, afirma que é necessário saber que a moda não pode ser compreendida apenas pelo viés econômico, porque ela envolve mecanismos de distinção e gosto. Se a questão é moda, trata-se então de algo que os indivíduos portam, carregados de símbolos e representações, mas portam sobre o seu corpo, imprimindo desse modo a expressão de um valor social construído pelo grupo do qual participa, valor este arquitetado na produção cultural e política que organiza esses corpos.

O maior pólo de moda do Brasil abre espaço também para os estilistas iniciantes e undergrounds, com a Semana de Moda - Casa de Criadores.

O evento vem sendo realizado desde maio de 1997. Na ocasião, havia seis estilistas no projeto, que teve lugar na sede do Fundo Social de Solidariedade de São Paulo, no Parque da Água Branca, e não contou com patrocinador algum. Hoje, o projeto, voltado para os jovens criadores, tem diversos patrocinadores e acontece em locações variadas, quase sempre inusitadas, como o Vale do Anhangabaú, no evento de 1996.

Michelle explica que as necessidades culturais são construídas por muitas vias, como a educação, mas não apenas a educação familiar, mas a educação das construções sociais legitimadas e pautadas pelo conjunto da sociedade, entendidas como regras de convivência definidas pela tradição. Desta forma, podemos concluir que o Brasil exporta para o mundo um pouco de cada cultura, afinal o país é caracterizado como um paraíso tropical, onde convivem em harmonia todas as etnias



Patchwork literário

O império do efêmero Autor: Gilles Lipovetsky Editora: Companhia das Letras
Páginas: 286
SOBERANA FRIVOLIDADE
"No filme acelerado da História moderna, dentre todos os roteiros, o da moda é o menos pior" - afirmação do sociólogo francês Gilles Lipovetsky, em seu livro O império do efêmero, que elucida a formação da sociedade democrática pela idéia de moda, que é tratada na obra como caráter libertário e transformador. Ao longo da leitura, Lipovetsky enfatiza que o fenômeno moda é o que permite a passagem das sociedades fechadas para as abertas, e que ela é o próprio espelho da sociedade.


Moda e sociabilidade - mulheres e consumo na São Paulo dos anos 1920 Autora: Maria Claudia Bonadio
Editora: Senac
Páginas: 205


SOCIEDADE FEMINISTA
São Paulo, hoje, é um grande pólo da moda brasileira, o que mais se destaca internacionalmente, importando e exportando os conteúdos dessa indústria. Para saciar a curiosidade de como o Estado ganhou esse porte, acompanhe o livro Moda e sociabilidade, que faz uma narrativa da terra da garoa nos anos 1920, com a implantação de lojas como a Mappin Stores e de revistas femininas. Todo o processo histórico da época - com a Arte Moderna em voga -, associado ao boom dessas lojas de departamentos, gerou uma nova sociabilidade feminina, derrubando antigos conceitos.



A cultura das aparências Autor: Daniel Roche Editora: Senac
Páginas: 528


ALTA LEITURA
Para entender mais sobre o luxo e o glamour que as sociedades européias buscavam, criavam e exportavam em pleno século XVII e XVIII, a editora Senac deu forma ao livro A cultura das aparências. Nele, é possível entender detalhadamente toda a trajetória das indumentárias nesse período, que deu origem a um novo conceito de moda e estabilizou o sentido de Alto Padrão para as próximas gerações. Se hoje a moda transita por modelos em passarelas, na época eram as bonecas de cera, madeira ou porcelana que "desfilavam" as novidades e tendências.


EXISTE, TODAVIA, um conflito entre a história do vestuário e a da moda. O conceito de moda foi caracterizado a partir do século XVIII, e consolidado na Idade Média. Para ser considerada moda, é preciso que haja uma transformação cíclica e rápida das roupas, sendo característico o seu aspecto efêmero. Antes desses períodos, tal fenômeno acontecia de forma lenta, se não estagnada. Assim, há passagens da história dos vestuários, como no Egito Antigo e na Grécia Antiga, nas quais homens e mulheres usavam roupas muito parecidas, sem se importar com a estética das peças ou com a diferenciação que ela poderia causar em classes sociais e de gênero, como hoje temos os trajes femininos e masculinos.

É então que, no século XX, a moda ganha novos ares e passa a influenciar diretamente toda a população. Tornase objeto de desejo e elemento-chave na comunicação visual em massa, traça personalidade e caráter do indivíduo, e até gera tribos sociais urbanas.

No final da década de 1980 foi criada a primeira escola de Moda, situada em São Paulo, demonstrando uma preocupação tanto com a qualificação do produtor de moda, desenvolvimento de técnica e metodologia, como na representação, seus significados e uma proposta de reflexão sobre a área. Hoje, nas ciências sociais, quando se pensa em moda, a preocupação é analisá-la como fenômeno social e econômico e compreender as escolas de moda, bem como suas publicações, como algo amplo e pertinente para a vida social.



AS GRANDES MARCAS de luxo, aqui chamadas de Maisons, criam um Império Moderno. Elas escolhem quais serão as roupas da próxima estação, qual você não deve mais usar e ainda elege quem será a grande personalidade em ascensão, para que, em poucos momentos, todos estejam copiando essas novas tendências, graças à indústria cultural que propaga essas idéias e conceitos, trazendo lucros altos para a marca.

Atualmente, classes mais abastadas tendem a copiar acessórios e peças dessas grandes Maisons, para passarem a impressão de que pertencem a um nível social superior. Os sentidos que criam essa falsa sensação geram o comércio da moda nas classes médias e baixas, que realmente não possuem recursos para obter os produtos originais, geralmente muito caros, por vezes superfaturados, das empresas de elite.

Para isso, essas classes contam com o apoio de novas tecnologias, surgidas a partir do final da Segunda Guerra Mundial, como as fibras sintéticas: acrílico, náilon, poliamida, o poliéster, polipropileno, cada uma dessas fi- bras é resultante de um processo químico. Graças à sua idealização, houve diminuição dos custos de produção, e logo de distribuição, uma vez que a fabricação passou a ser em grande escala. São esses alguns dos fatores que influenciam a redução dos preços das roupas, sem contar a importação, cada vez mais crescente, de produtos vindos da China, com preços baixos e boa aceitação no país.

A partir da metade do século XX, mais precisamente nos anos 1960, a moda como distinção social, em que a classe inferior copia e imita a classe superior, ganha novos horizontes. O sociólogo Gilles Lipovetsky caracteriza a época pré-anos 1960 como "moda de 100 anos": fase constituída pela relação distinção-imitação, na qual as classes superiores utilizam a moda para se distinguir e as classes subalternas as imitam, e em que o sistema começa a se fragmentar e a se readaptar parcialmente. Logo depois, ele registra uma nova fase da história da moda.

Em sua realidade profunda, essa segunda fase da moda moderna prolonga e generaliza o que a moda dos 100 anos instituiu de mais moderno: uma produção burocrática orquestrada por criadores profissionais, uma lógica industrial serial, coleções sazonais, desfiles de manequins com fim publicitário. Ampla continuidade organizacional que não exclui, no entanto, um redescobrimento do sistema. Novos focos e critérios de criação impuseram-se; a significação social e individual da moda mudou ao mesmo tempo que os gostos e os comportamentos dos sexos uns tantos aspectos de uma reestruturação que, por ser crucial, não deixa de continuar a reinscrever a preeminência secular do feminino e de rematar a lógica de três cabeças da moda moderna: de um lado, sua face burocrático-estética; de outro, sua face industrial; por fim, sua face democrática e individualista." - Lipovetsky, no livro O império do efêmero, da Companhia das Letras, um dos ótimos livros que fala sobre Sociologia e moda (ver mais no quadro Patchwork Literárioliterário).


Modas que surgem nas classes populares acabam sendo apropriadas também pelas classes altas

ESSA RECENTE FASE da moda, citada por Lipovetsky, acarreta novas dimensões e explicações para o seu fenômeno. Entre elas, a idéia de que a moda é uma forma de expressão das identidades e também uma forma de comunicação. Atualmente, podemos perceber que modas (de comportamento e não de vestimenta, estritamente) que surgem nas classes populares acabam sendo apropriadas também pelas classes altas, como a lançada pelos cantores de rap, o hiphop, funk, entre outras que conquistaram também os jovens das classes altas. Hoje temos a moda agindo nos dois sentidos: de cima para baixo e de baixo para cima. A distinção de classe passou a ser substituída por outras formas de diferenciação, como a etária - roupa jovem versus roupa tradicional -, a étnica - roupas de determinada cultura versus roupas ocidentais, etc.

Podemos dizer então que o comércio de moda está preocupado em abarcar a expressão "produzida na rua", nos guetos, denominada moda underground, devendo esta ser considerada expressão de uma época. Assim, a roupa não é uma produção unilateral, mas é construída em diálogo com o conjunto da sociedade. Ou seja, é influenciada por estilos de música, valores e formas de ver o mundo. Dessa maneira, a moda revela diferentes apreensões de corporalidade, como gestos e composição do caminhar, do falar e, aí, do vestir-se.



O uso de calças pelas mulheres, principalmente a partir dos anos 1920, é outro exemplo de como a moda pode ser portadora de grandes significados sociais, pois indicou a entrada da mulher para o "mundo dos homens", ou seja, o mundo do trabalho, do poder
A reprodução de símbolos nas roupas, em meios sociais diferentes, funciona como uma lógica circular de representação de um grupo, lógica esta que não pode ser partilhada ou transferida, mas deve ser compreendida como heterogênea, contendo particularidades e especificações do estilo que representa. Vale notar que a principal característica da sociedade mundial é a heterogeneidade. Quanto maior o número de grupos que surgirem, maiores a diversidade e a diferenciação entre eles.

NESTA NOVA ETAPA do conceito de moda, a influência das grandes Maisons perde seu poder, acabando sua hegemonia na construção de estilos e tendências. Tornam-se apenas parte do mundo da moda, um elemento entre tantos outros em ascensão. A indústria cultural - em especial o cinema, a televisão e a música - passa a exercer grandes referências para o comportamento dos jovens, e também para a moda. É possível observar uma roupa usada por uma personagem em uma novela, ser utilizada por várias pessoas. O mesmo acontece com cantores de sucesso e com personagens carismáticas em filmes e seriados. Além disso, a chamada "moda de rua", a já citada underground, mais comumente chamada de street-wear, ganha cada vez mais força e amplia sua diversidade.

Hoje, a influência de uma Maison na sociedade é bastante pequena. Grande parte da sociedade não tem acesso aos desfiles, limitados aos que estão dentro da indústria da moda, como artistas, jornalistas, estilistas, produtores. A sociedade, considerada de forma mais abrangente, é afetada apenas com reflexos dessas coleções, que são os elementos que acabam sendo traduzidos como tendências e vão se transformar nas roupas produzidas a cada estação e colocadas à venda no varejo.

Segundo Maria Eduarda Araújo Guimarães, doutora em ciências sociais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp e atualmente professora do curso de pós-graduação em Moda, Cultura e Arte no Senac, em São Paulo, se considerarmos a moda de forma mais ampla e não apenas circunscrita a uma coleção, perceberemos que ela é também um reflexo das relações sociais. Por isso, pode indicar, por exemplo, as transformações nos padrões morais da sociedade, com a utilização cada vez maior de roupas justas, curtas e decotadas sem que isso cause nenhum escândalo. O uso de calças pelas mulheres, principalmente a partir dos anos 1920, é outro exemplo da moda como portadora de grandes significados sociais, pois indicou a entrada da mulher no "mundo dos homens", ou seja, o mundo do trabalho, do poder.


As roupas chamadas de "unissex", surgidas nos anos 1960, são representativas das mudanças que ocorrem entre os gêneros, buscando uma ambicionada igualdade entre homens e mulheres, pelo uso de roupas comuns a ambos os gêneros. Dessa forma, podemos ver que a moda pode ser não só fonte de transformações sociais, mas a representação, a forma dessas transformações.

Para Maria Eduarda, hoje a moda, como indústria, está cada vez mais forte e é referência para outras indústrias, como foi o caso da campanha da Fiat que utilizou estilistas como Alexandre Herchcovitch para produzirem itens de moda que estivessem associados à marca da montadora. A moda é hoje uma das mais poderosas indústrias do mundo, e isso não deve mudar nos próximos anos.

Historiadores europeus realizam estudos de tecidos, como a seda francesa nos territórios tupiniquins

Entrando na questão de imagem, podemos assistir a uma alavancada da moda brasileira pelo cenário mundial. Estamos vivendo um momento de dualidade global e local, que acaba se refletindo também no campo da moda, especificamente no Brasil. Se antes acompanhávamos os passos das Maisons externas, hoje caminhamos com nossas próprias pernas, em busca de uma identidade, apesar da bagagem histórica e social regada por miscigenações étnicas que vivemos.

Apesar de termos a impressão de estarmos completamente divididos, o fato é que todos estão inseridos numa única sociedade. Conforme Marie Rucki, professora do Studio Berçot, de Paris, a produção não está localizada em pontos específicos do planeta, como se costuma dizer, mas se produz uma moda na França, outra moda na Itália e, assim, no Brasil. O cenário globalizado, resulta, portanto, no fato de que não existem mais tendências na moda, e sim pontos de vista diferentes - locais. Assim, um novo termo se destaca neste período: a glocalização.

Glocalização é o desenvolvimento e criação voltados ao local, ou seja, toda sua parte técnica, inventiva e criativa é geradas conforme costumes, tradição e ética da sociedade na qual é produzida. Isto é, quando se cria moda, têmse em mente os costumes, as tradições e a ética daquela determinada sociedade. Na moda brasileira, esse termo tem grande importância na busca de uma identidade cultural, o que chama a atenção de estilistas e fashionistas estrangeiros, que, a longo prazo, podem inspirar-se na moda brasileira e levar daqui novas tendências para outras sociedades ao redor do mundo.


A IMPORTÂNCIA SOCIAL do Brasil para a moda é grande. Desde o século XX as brasileiras eram compradoras em potencial da Alta Costura francesa. Elas buscavam o glamour europeu, apesar das diferenças climáticas entre a gélida Europa e o tropical Brasil, que se refletiam - e ainda refletem - nos tecidos, modelagem, e tudo que envolve o modo de fazer roupa. Atualmente, muitos pesquisadores e historiadores europeus realizam estudos de tecidos, como a seda francesa (século XIX), nos territórios tupiniquins. Nos dias atuais, o Brasil possui um grande pólo da moda; São Paulo, que semestralmente chama a atenção dos olhos estrangeiros para nossa moda, graças ao badaladíssimo evento São Paulo Fashion Week (ver mais no quadro Moda brasileira).

Nossas criações, inspirações e moda são reflexos do que acontecem no país - nossa cultura e sociedade. Se, ao longo dos anos, a moda foi ganhando maior importância, outros valores e concepções, a sociedade tornou-se o modelo e o manequim desse fenômeno, ao mesmo tempo que é seu estilista, seu criador, designer e idealizador. É graças à sociedade que temos a moda, e é graças à moda que temos símbolos de diferenciação em nossa sociedade.


ANDERSON FERNANDES DE OLIVEIRA é jornalista e assistente de redação do Núcleo Ciência & Vida.

Revista Sociologia

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