Reprodução artística de afrescos da cidade de Pompéia. As imagens retratam o cotidiano das cidades romanas. Pasquale D'Amelio Napoli. Pompei. 1895.
Reprodução artística de afrescos da cidade de Pompéia. As imagens retratam o cotidiano das cidades romanas. Pasquale D'Amelio Napoli. Pompei. 1895.
Reprodução artística de afrescos da cidade de Pompéia. As imagens retratam o cotidiano das cidades romanas. Pasquale D'Amelio Napoli. Pompei. 1895.
Reprodução artística de afrescos da cidade de Pompéia. As imagens retratam o cotidiano das cidades romanas. Pasquale D'Amelio Napoli. Pompei. 1895.
Reprodução artística de afrescos da cidade de Pompéia. As imagens retratam o cotidiano das cidades romanas. Pasquale D'Amelio Napoli. Pompei. 1895.
Reprodução artística de afrescos da cidade de Pompéia. As imagens retratam o cotidiano das cidades romanas. Pasquale D'Amelio Napoli. Pompei. 1895.
Reprodução artística de afrescos da cidade de Pompéia. As imagens retratam o cotidiano das cidades romanas. Pasquale D'Amelio Napoli. Pompei. 1895.
Luciane Munhoz de Omena
Conhecemos o universo da plebe, sobretudo, por um viés elitizado. Sêneca, membro da aristocracia, retratava a plebe como uma multitudo inconstante e irracional. O filósofo mantinha por ela um profundo desprezo e a classificava como vulgus, retratando-a pelo anonimato e, por vezes, adjetivando-a como sordida plebs, imperita multitudo e credulum vulgus,[*2] por contraposição à elite, ordem senatorial, eqüestre, corte, identificada por nomes como Crasso, Catão, Julio César, Pompeu, etc.
A plebe exercia ofícios como artesão, comerciante, cabeleireiro, cafetão, porteiro, taberneiro, entre outros. Para Sêneca, tais atividades não eram honrosas, pois não possibilitavam o engrandecimento da alma por meio da virtuosidade, assim como o estudo da filosofia. Tínhamos, nestes ofícios, não apenas desprezo, mas sim um retrato de como a plebe vivia em seu cotidiano, mantendo-se de atividades rendosas e não sobrevivendo apenas de pão e circo, visão estereotipada, que foi construída ao longo da História.[*3] Sêneca relatava desde os vendedores de salsichas nos balneários, pequenos comerciantes, até o comércio de iguarias suntuosas destinado à aristocracia romana (Ad Paulinum de Brevitate Vitae, De Constantia Sapientis, De Providentia, Epistulae Morales).
Como é possível que essa massa, que Sêneca dizia ser composta das “pessoas mais vis” (De Providentia V, 4) pudesse influenciar, mesmo indiretamente – expressando opiniões, por exemplo –, as ações políticas do Imperator?
Para Sêneca, essa interação, em um primeiro momento, tornava-se legítima pelo fato de o homem viver em sociedade. Como não conseguia imaginar-se fora do núcleo social, criava estratégias de sobrevivência que privilegiavam o compartilhamento de valores. Para ele:
Não é possível alguém viver feliz se apenas se preocupar consigo, se reduzir tudo às suas próprias conveniências: tem de viver para os outros quem quiser viver para si mesmo. A convivência – observada com nobre e contínuo empenho – que nos insere como homens entre outros homens e admite a existência de algo comum a todo o gênero humano, é da maior importância (Ep. Mor. XLVIII, 2/3).
A partir do compartilhamento de valores sociais, evidenciava-se, igualmente, a necessidade do soberano sustentar-se pela popularidade e pelo apoio do populus. A manutenção de sua potestas deveria ser negociada e isto incluía elementos tanto da aristocracia quanto dos setores subalternos. A auto-sustentação do governante dependia do carisma, pois pertencia ao centro e, por esta razão, tornava-se imprescindível à sociedade. Não era sem razão que Sêneca exortava a magnificência e a aproximação do imperator aos seus subordinados. Vejamos: “afável de conversa, fácil à aproximação e ao acesso, com fisionomia que cativa, sobretudo as massas, amável, propenso às petições legítimas (...) ele é amado, defendido e respeitado pela nação inteira” (De Clem. III, XI, 4).[*4]
O filósofo da stoa compreendia a importância da plebe para a estabilização e segurança do princeps, e aconselhava Nero a cativar, sobretudo às massas (De Clem. III, XI, 4). Sabia que todos esperavam o seu quinhão, desde os poderosos até os insignificantes, pois “cada um sente e espera menor ou maior bem de acordo com a porção de sua sorte” (De Clem. Pr. I, 9).
A opinião pública era uma poderosa arma para destruir o poder de qualquer autoridade. Daí a atenção de Sêneca com as exigências da multitudo.[*5] Ele escrevia da seguinte forma: “não fazer qualquer coisa para a qual viesse a desejar o perdão da opinião pública, o juiz mais imparcial dos príncipes” (Ad Marciam de Consolatione IV, 3). Em outro momento, “é indubitável que aquele que despreza os ataques que partem da multidão se coloca mais alto do que ela” (De Ira III, XXV, 3). Sêneca não compreendia como essa multitudo, composta por indivíduos pouco cultivados, desinteressados e vulgares, agia ou não de forma conjunta.[*6]
Em Roma, a multidão, de modo geral, expressava a sua cólera destruindo monumentos, estátuas e até mesmo prédios públicos e, ao mesmo tempo, as ruas estreitas e os edifícios altos dificultavam a supressão dos motins. Nero, quando decidiu separar-se de Otávia – filha de Cláudio – para casar-se com Popéia, ocasionou insatisfação entre a população de Roma. A plebe derrubou as estátuas da pretendente e aquelas da esposa eram carregadas nos braços pela plebs (Tácito, Anais, 61).
A plebe, neste mesmo Principado, armada com paus e pedras, revoltava-se contra a decisão do Senado em condenar quatrocentos escravos pelo fato de um deles ter assassinado o seu senhor, Pedânio Segundo. Colocava-se em vigor um velho costume transformado em lei sob Augusto, isto é, eram executados todos os escravos que viviam sob o mesmo teto do assassino (Tácito, Anais, XIV, 44). Há, concomitantemente, manifestações que não eram concebidas por um caráter violento. Temos, por exemplo, no período de Augusto, que a falta de alimentos provocava veementes discussões ocorridas nas ruas, embora não tenha ocorrido quebra-quebra.
Sêneca compreendia que os indivíduos em constante necessidade não aceitavam e nem compreendiam as crises de abastecimento. Como retratava para o prefeito da Anona: “Tu lidas com o ventre dos homens! O povo esfaimado não dá ouvidos à razão, não se aplaca pela moderação, nem se dobra a nenhum argumento” (Ad Paulinum de Brevitate Vitae XVIII, 5). Além da diminuição de alimentos que gerava descontrole, temos, igualmente, reivindicações pelos divertimentos públicos e pela crise de habitações – provocadas pelos incêndios, pelas inundações do Tibre –, a cobrança rigorosa de impostos, o aumento dos preços dos aluguéis, etc., fatos que provocavam uma grande insatisfação popular.
O soberano utilizava os espetáculos oficiais para obter apoio da plebe, pois os jogos desempenhavam funções político-sociais. Eram promovidos tanto pelo imperador quanto pelos magistrados, sendo considerados instrumentos de controle sobre as massas urbanas. A platéia podia, no entanto, tanto apoiar as autoridades quanto fazer reivindicações de diversas ordens aos promotores presentes. Daí a relevância de sua participação no circo onde “o gladiador pode jogar e apelar para a clemência do público” (Ep. Mor. 37, 2) e a garantia de que suas reivindicações seriam cumpridas.
Sêneca dava a seguinte recomendação ao homem precavido: “assim que vê começar a distribuição de presentes, se retira do teatro, pois sabe que muito terá de ceder para conseguir um pequeno favor” (Ep. Mor. 74, 7). Era no circo e no anfiteatro que se demonstravam desejos e protestos de toda a ordem como uma prática social.[*7]
Essas agitações, de acordo com Sêneca, representavam o desejo do povo pela violência. Se assim não fosse, o homem não seria exposto à morte “apenas para se servir de divertimento; já era sacrilégio treinar homens para o circo e ser feridos, agora atiramo-los para o circo nus e inertes, basta-nos a simples morte como espetáculo!” (Ep. Mor. 95, 33). A violência incontida gerava um medo permanente e, sobre isso, o filósofo, no tratado De Clementia, fazia a seguinte afirmação: “Outrora, decidiu-se por um parecer do senado que um sinal na roupa distinguiria os escravos dos homens livres. Em seguida, ficou evidente quanto perigo nos ameaçaria se os nossos escravos começassem a nos enumerar” (De Clem. III, XXII, 1).
O poder que a multitudo possuía em agir pela violência, a constante repressão realizada pelos membros da elite e a consciência de que estavam em maior número eram condimentos relevantes para que o princeps tratasse a plebs com mais tolerância. Aos olhos de Sêneca, obedecia-se freqüentemente ao que comanda com mais tolerância. “O espírito humano é rebelde por natureza e, pelejando contra o que lhe é contrário e árduo, acompanha mais facilmente do que se deixa conduzir” (De Clem. III, XXII, 2).
O princeps, na cidade de Roma, deveria voltar-se, portanto, diretamente às reivindicações da plebe, por três motivos: primeiro, porque ela era vista como uma massa inconstante e, por este motivo, disposta a qualquer tipo de ação, violenta ou não; segundo, como tutor da ordem pública, era dever o princeps evitar qualquer desordem social ou política; e em terceiro, Roma era considerada centro do poder imperial e o soberano deveria, assim, manter o equilíbrio social, pois esta “cidade terá deixado de dominar no mesmo momento em que tiver deixado de prestar obediência” (De Clem. III, II, 2).
Conclusão:
Revelava-se, no discurso senequiano, o recurso do soberano em apoiar-se tanto nas camadas elitizadas quanto nas populares. O governante precisava manter-se no poder e, para isto, deveria unir-se aos preceitos da moderação. Evitaria assim a violência, protegendo os mais fracos dos mais fortes e discerniria o que tivesse ou não utilidade. Embora pudesse consultar os cidadãos, o soberano estava no centro das interações sociais; dele dependiam a paz e o equilíbrio do Império, para assim, garantir a preservação da ordem social e, portanto, as proteções e os direitos que ela pressupõe.
A plebe não pode ser interpretada como uma massa despolitizada, ociosa e entregue aos prazeres do luxo. As manifestações ocorridas nas ruas e nos teatros representavam as exigências políticas. Não era possível restringir a dinâmica social a um espaço harmonioso e tranqüilo – cujas possíveis tensões dificilmente eclodiriam em conflitos declarados – no qual o príncipe e a elite manteriam o controle e o domínio públicos. Caberia ao soberano, segundo Sêneca, garantir os privilégios da multitudo por ser in commune auxilium natus ac bonum publicum (De Clem. II, IV, 3).
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Revista Histórica - Arquivo Público de São Paulo
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