por Gianni
Enquanto a China censura as lembranças do massacre de 1989, o Leste Europeu comemora o fim dos regimes autoritários
Enquanto a China censura as lembranças do massacre de 1989, o Leste Europeu comemora o fim dos regimes autoritários
Na polônia foi um dia de esperança. Na China, de tristeza e temor. Mas ninguém na velha Gdansk ou na controlada Pequim poderia imaginar que 4 de junho de 1989 fosse ganhar um significado universal. Foi mais uma data-símbolo de um ano-símbolo: o da derrocada do socialismo real. Enquanto o movimento sindical Solidariedade, liderado pelo bigodudo Lech Walesa, preparava-se para comemorar a vitória nas primeiras eleições parcialmente livres de todo o bloco comunista, o exército chinês, quase do outro lado do mundo, era autorizado a suprimir as manifestações estudantis na Praça Tiananmen (Paz Celestial).
Centenas de manifestantes de Tiananmen foram presos, outros conseguiram fugir e obtiveram asilo político no exterior. Duas décadas após o massacre, o Partido Comunista Chinês mescla uma economia de moldes capitalistas à velha repressão política. Não surpreende, portanto, a inacessibilidade, na semana do confronto, à famosa praça onde o mundo viu um homem enfrentar, desarmado, tanques de guerra (coluna Tecnologia, à pág. 64).
Na Polônia, o clima era outro. A vitória eleitoral do Solidariedade, mais um golpe na Cortina de Ferro comunista, foi exaustivamente lembrada. Naquele dia, após conquistar a maioria na Câmara e no Senado, o sindicato conseguiu emplacar no posto de primeiro-ministro o intelectual de origem católica Tadeusz Mazowiecki. Em dezembro de 1990, o eletricista Walesa seria eleito presidente.
Mas hoje uma fatia de poloneses considera que o marco do início da derrocada comunista foi o discurso de João Paulo II em 2 de junho de 1979. Karol Wojtyla, nascido no país, falou a meio milhão de conterrâneos em Varsóvia e destacou o trabalho do Solidariedade. “Sem o discurso de Wojtyla, o cenário teria sido diferente. O Solidariedade e o povo não teriam se sentido fortes e unidos para levar a luta adiante”, acredita o veterano escritor e jornalista Mieczylaw Czuma. “Foi o papa que nos disse para não ter medo.”
Segundo Czuma, após o papa ter “acabado com o comunismo nas almas”, as eleições de 4 de junho de uma década mais tarde foram uma “revolução sem sangue” e encorajaram outros países do bloco comunista a se liberar de Moscou.
As revoluções, exceção à da Romênia, foram pacíficas e bem-sucedidas. Por isso, o Leste Europeu comemora. Hungria, Alemanha (Berlim prepara festejos para comemorar a queda do Muro em 9 de novembro), Bulgária e a ex-Tchecoslováquia pretendem realizar eventos para celebrar o fim dos regimes autoritários.
Mesmo a Romênia pretende celebrar, apesar da luta fratricida entre os serviços secretos leais ao então ditador Nicolae Ceausescu e integrantes do exército aliado ao povo. O confronto teve início em Timisoara, a oeste do país, onde o pastor Laszlo Tokes, ativista por direitos humanos para a minoria húngara, estava prestes a ser exilado. Os moradores se revoltaram. A reação culminou, em 25 de dezembro, na execução de Ceausescu e de sua mulher, Elena.
As comemorações na Hungria estão agendadas para 10 de setembro. Na verdade, no início de maio de 1989, as autoridades haviam derrubado a cerca de arame farpado e elétrica na fronteira com a Áustria. Foi esta, e não os buracos no Muro de Berlim, a primeira rota de fuga incontrolável para o Ocidente.
Em 10 de setembro, porém, a Hungria decidiu que, a partir da meia-noite daquele dia, os perto de 7 mil refugiados da Alemanha Oriental poderiam atravessar a cerca. Deu-se o rompimento do Pacto de Varsóvia, a aliança militar do bloco soviético instituída em 1955 e que, entre outros pontos, determinava a ação conjunta para impedir a fuga de habitantes. Gritos ecoaram de campos de refugiados em Budapeste. Filas quilométricas de automóveis se formaram. Trens lotados deixaram a cidade rumo ao lado ocidental da Europa.
A soma de vários atos de avanço e retrocesso culminaria no evento que se tornou o mais marcante de 1989, a derrubada do muro que dividia Berlim e a Alemanha. Era o fim da Guerra Fria.
A visita do líder soviético Mikhail Gorbachev a Berlim em 7 de outubro de 1989, para celebrar os 40 anos da República Democrática Alemã (RDA), havia provocado uma onda de “Gorbymania”. Gorbachev mostrou-se caloroso com o líder da RDA, Erich Honecker, de 77 anos. Mas o avisou: “A vida pune aqueles que chegam atrasados”. Por conta do ceticismo de Honecker em relação à Perestroika (programa de reformas políticas externas, internas e econômicas na União Soviética), Gorbachev trabalhava pela ascensão de novas lideranças na região. Em entrevista à página 61, Andrei Grachev, conselheiro político e último porta-voz de Gorbachev, explica: “Os jovens, e falo em líderes políticos e manifestantes, viam na Perestroika a promessa, finalmente, de mudanças”.
Quando Gorbachev deixou Berlim na noite de 7 de outubro, houve protestos, nos quais berlinenses pediam mais liberdades e direitos individuais. A repressão policial provocou ferimentos e prisões de manifestantes. Honecker incitou o exército a se preparar para uma “solução chinesa”, em referência à forma como o Partido Comunista controlou os protestos em Pequim. Mas houve oposição às ordens do líder da RDA nos altos escalões do poder. Egon Krenz, mais jovem e reformista, substituiria Honecker poucos dias após as manifestações. Krenz permitiu protestos na capital e em outras cidades. Três dias após a queda do Muro, demitiu-se do posto.
Em 10 de novembro, Todor Zhivkov, líder búlgaro por 34 anos, renunciou por pressão do comitê central do partido. Resistiu a apenas uma semana de protestos. Certamente, a Revolução de Veludo na ex-Tchecoslováquia, consumada em 24 de novembro, capturou maior atenção do mundo. Embora a nova onda de protestos também tenha durado sete dias, imagens dos tanques soviéticos entrando em Praga na Primavera de 1968 ainda estavam impregnadas na memória de observadores mundo afora. E as presenças de Alexander Dubcek, líder da revolta em 1968, ao lado do carismático dramaturgo Václav Havel, líder do grupo da oposição e futuro presidente do país, também cativaram a opinião da comunidade internacional.
O então correspondente da Polish Press Agency em Praga, Leszek Mazan, de 66 anos, pinta para CartaCapital uma revolução de inaudito surrealismo. Na verdade, na terra de Franz Kafka, as revelações de Mazan não surpreendem. “Ninguém acreditava no fim do comunismo”, diz o jornalista. Ele se lembra de que, quatro dias antes dos discursos de vitória de Dubcek e Havel, soou a campainha de seu apartamento. À porta estava seu amigo Václav Balek, diretor de um canal de tevê. Eram 6 horas da manhã. “Balek me pediu todas as garrafas de bebida que eu tinha em casa.” O motivo? Seu filho tinha sido aceito, em 16 de novembro, um dia antes do início das manifestações, no Partido Comunista. “As garrafas seriam usadas para subornar oficiais do PC para dar um sumiço na papelada do seu filho.”
Numa noite daquela semana que transformaria radicalmente a Tchecoslováquia, Mazan ouviu a porta da vizinha, Eva Kotikova, abrir. Passos. Kotikova gritou para o marido: “Vá lutar pelo nosso país, mas não esqueça que às 7 da noite começa o filme na tevê”.
À época, Yana Pavlova era uma jovem de 15 anos. No início dos protestos, ela chegou ao ginásio Wilhelm Pieck (primeiro presidente da RDA), em Praga, e presenciou a seguinte cena: “Os professores, que chamávamos de ‘professor(a) camarada’ estavam encostados nas paredes; nós, alunos, sentados em bancos”, recorda. “À nossa frente, estudantes mais velhos falavam das manifestações e nas mudanças iminentes.” Pavlova, hoje doutoranda em Paris, acrescenta: “Lembro de um professor de história chorando. Não sei se estava contente ou triste”.
Pavlova participou das manifestações. Viu a reação truculenta da polícia batendo e sentiu medo. Depois? “Ah, mudaram os nomes das ruas. Minha escola passou a se chamar Ginásio Coroa.” A tcheca conta que removeram o busto de Pieck do saguão do ginásio. “Senti falta dele porque, quando entrávamos na escola, passávamos a mão no seu nariz. Dava sorte.”
Ania Mazan e Paulina Kurek, ambas garotas de Cracóvia de 27 anos, não trocam o contexto político atual pelo anterior. “Era pequena durante a lei marcial na Polônia (anos 80)”, diz Kurek, funcionária de uma multinacional. “Hoje, embora nosso nível de vida não seja tão alto, estou contente aqui.” Mazan, crítica de teatro, concorda: “Os poloneses por vezes são sombrios, mas os eslavos têm algo de mais profundo que os ocidentais”. E acrescenta: “Eu e Paulina temos um senso de nostalgia kitsch. Gostamos de memorabília comunista e folclórica’’. É o que parece ter sobrado daquela época.
Revista Carta Escola
Um comentário:
Muito interessante o seu cantinho. Dei uma olhada rápida pelo post, mas preciso voltar com mais calma. hoje já estou de saída para o trabalho.
Meu território já está marcado (rs).
Saudações Florestais !
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