sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Edgar de Decca - As noções de tempo

Historiador comenta as noções de tempo que prevaleceram da Antiguidade até hoje
Marcos Pivetta - Janeiro 2009
Edição Impressa - Especial

Pesquisa FAPESP - © Marcia Minillo

De Decca: o tempó hoje é uma experiência social

Até a época do cientista inglês Isaac Newton (1643-1727), os filósofos si­tuavam a noção de tempo como uma dimensão da natureza, algo objetivo, pertencente ao Universo. Posteriormente, surgiram concepções que o definiam em termos menos ligados ao mundo natural. Ao longo de grande parte da história, o tempo foi, portanto, ora encarado como uma definição objetiva, ora como uma criação amparada em conceitos mais subjetivos.

Hoje, com o surgimento de teorias formuladas após o impacto dos trabalhos revolucionários de Albert Einstein sobre os conceitos de espaço e tempo, a questão é vista por outro prisma, uma espécie de terceira via. “Acredita-se que o tempo não é objetivo, nem subjetivo. O homem e a natureza estão mais integrados do que dissociados”, disse Edgar de Decca, historiador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “O tempo é uma experiência social, resultado do desenvolvimento da linguagem, que é uma capacidade exclusivamente humana e permite criar representações das coisas.” O pesquisador fez uma apresentação sobre o tema “O tempo na história” no dia 13 de dezembro.

Por meio da linguagem, o homem (e não a natureza) produz sistemas de medida e de representação do tempo, como o calendário. “O tempo se torna abstrato, de difícil percepção, e é sempre definido em função da comparação de uma coisa com outra”, explicou o historiador. A palavra amanhã, por exemplo, é carregada de sentido temporal, que pode ser captado apenas pelos seres humanos. Qualquer pessoa sabe que amanhã é o dia que vai surgir depois que a noite de hoje se dissipar. Depois de explicitar a noção corrente de tempo, De Decca falou das diversas formas como certas sociedades do passado encararam a questão.

Deuses e mortais
Na antiga Grécia coexistiam duas noções de tempo. Havia o tempo da natureza, visto como circular e permeado da ideia do eterno retorno. O homem nascia, crescia, vivia e morria – antes de voltar à Terra e repetir o ciclo. Imortais, os deuses também tinham um tempo circular, mas eterno, absoluto, sem princípio, meio e fim. As divindidades eram eternas porque nunca eram esquecidas. Não é à toa que Mnemosine, a deusa da memória, ocupava lugar de destaque no Panteão. O tempo absoluto era o tempo da memória. No século V a.C, com o advento da história nas cidades gregas, os seres não-divinos também adquiriram a capacidade de serem sempre lembrados e, portanto, eternos. “O homem passou a ter memória”, comentou.

Na Idade Média, dois conceitos de tempo, um profano e outro sagrado, se impunham em ambientes distintos. Nas cidades, o ritmo da vida era ditado pelo tempo do comércio, da acumulação de riqueza. No meio urbano, tempo era dinheiro. “O burguês aproveitou bem o tempo se acordou com uma moeda e foi dormir com dez”, disse o historiador. A Igreja condenava o tempo das cidades. Nos mosteiros reinava a noção do tempo religioso, quase parado. Era o tempo das rezas, dos terços, das homilias.

A despeito da crítica dos religiosos, os habitantes do Ocidente moderno começaram a organizar o tempo em função das tarefas a serem feitas. Medir as horas necessárias para desempenhar uma tarefa tornou-se uma necessidade. O controle do tempo de trabalho dos operários se estabeleceu e surgiram as primeiras greves. Com o advento do relógio mecânico, o homem separou definitivamente o conceito de tempo da natureza. “Passamos a ser homens do tempo”, disse. Outra consequência foi a total laicização do tempo e a perda de influência da Igreja sobre essa questão.

A eclosão de revoluções, como a francesa (1789) e, mais tarde, a russa (1917), sedimentou a ideia de que as sociedades eram resultado do tempo histórico vivido e também de expectativas futuras. Afinal, uma revolução pode ser entendida, no mundo moderno, como uma aceleração do tempo da história. Alterações que demorariam muito a ocorrer ganham forma mais rapidamente em períodos revolucionários. O surgimento de filosofias do progresso, como o marxismo e o positivismo, no final do século XIX se encaixa nesse contexto, em que o homem acredita ser o senhor do tempo. “O homem toma o tempo em sua mão e a história passa a ser também a capacidade de construir o futuro”, afirmou De Decca. “Ele acredita que pode fazer a história acelerar, e não apenas viver a sua aceleração.”

O ritmo inexorável do tempo do progresso humano, que conduziria à sociedade perfeita, pode ser ilustrado por slogans, como o célebre “tudo que é sólido se desmancha no ar”, cunhado por Karl Marx no Manifesto comunista. O historiador não fez um balanço do positivo de toda essa aceleração do tempo na sociedade moderna. Disse que, no estertor do século XX, utopias pregavam o fim da história e o progresso havia produzido catástrofes (como o aquecimento global) e miséria no planeta. “Vamos dar um tempo para fugir de toda essa loucura?”, perguntou De Decca no encerramento da palestra.

O tempo na história
Edgar Salvadori de Decca
, historiador e professor titular do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp

Revista FAPESP

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