Vargas, Perón e o esporte: pro pa ganda política e a imagem da nação
Maurício Drumond
Maurício Drumond
Maurício Drumond é doutorando do Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Fed eral do Rio de Ja neiro, Brasil, e membro do Laboratório de História do Esporte e do Lazer (Sport/UFRJ), onde realiza pesquisa sobre a história política do esporte (msdrumond@ya hoo.com.br).
Os desportos, sobretudo o futebol, exercem uma função social importante.
A paixão desportiva tem poder miraculoso para conciliar até o ânimo dos integralistas como dos comunistas ou, pelo menos, para amortecer transitoriamente suas incompatibilidades ideológicas. (...) É preciso coordenar e disciplinar essas forças, que avigoram a unidade da consciência nacional. (Getúlio Vargas apud Lyra Filho, 1983: 128)
Ao assumirem o poder, Vargas e Perón começaram a colocar em prática propostas que representavam uma nova vi são de Esta do e de nação. As políticas desses governantes em relação ao esporte estavam inseridas em uma característica maior de seus governos, que visava a ampliar a intervenção estatal em diversas dimensões da sociedade, como a saúde, a educação, o serviço soci al e a distribuição de bens culturais. O esporte estava inserido, então, como mais um entre tantos outros instrumentos de mediação entre Estado e sociedade.
No que se refere à ingerência do governo sobre a sociedade civil, o esporte não foi um caso diferenciado. Ainda assim, tanto no Brasil como na Argentina, a intervenção do regime sobre o esporte pode ser vista como uma inovação para o período, já que pela primeira vez, nos dois países analisados, o Estado designava aparelhos que tinham como objetivo organizar, patrocinar, promover e controlar as atividades esportivas nacionais.
Nos governos de Vargas e Perón, o esporte começou a ser visto como um importante elemento na relação entre o regime e a sociedade. Tal fato não deve ser entendido apenas como uma resposta à crescente popularidade do esporte. Ainda que crescente em seus governos, a massificação do esporte já havia ocorrido muito antes. Talvez a influência dos regimes de Mussolini e Hitler sobre os dois governantes latino-americanos possa apontar para um melhor entendimento dessa nova visão política, uma vez que ambos tiveram uma estreita ligação com o esporte e a sua utilização como propaganda política.1
O alto grau de mobiliza ção popular no varguismo e no peronismo pode ser igualmente visto como um fator relevante nessa visão política do esporte. A criação de uma política de massas nesses governos, com um líder carismático à frente do país, conduzindo a nação a um novo momento de sua história, marcou um momento de reformulação da imagem da nação. Tornou-se então necessária a construção de uma nova identidade nacional, a ser compartilhada pelas massas que se inseriam de forma decisiva na cultura política dos dois países.
O esporte e a imagem da nação
Tanto Vargas como Perón tinham grande preocupação com a formação da identidade nacional em seus respectivos países. E nesse sentido o esporte teria uma importância estratégica, já que atuaria como um mediador entre indivíduos e identidades. Ao se tornar um símbolo pátrio, o esporte associaria todos os cidadãos sob um mesmo signo, sob uma mesma comunidade imaginada (Anderson, 2005). No imaginário de cada cidadão há um sentimento comum de pertencimento à sua comunidade – seja essa seu país, sua cidade ou seu clube –, que advém do compartilhamento de vários símbolos, como idioma, hino nacional, bandeira, e muitos outros, entre os quais podem-se citar os esportes.
Assim, a identificação dos governos com os esportes seria um importante instrumento na construção de uma identificação da nação. E Vargas e Perón não poupariam esforços para associar seus regimes aos esportes nacionais.
Eduardo Archetti aponta que, na Argentina, os dez anos de governo peronista constituíram o auge da relação entre o Estado e a prática esportiva, através de "políticas estatais claras e articuladas", e indica que, "a partir de 1955, a relação entre esporte e nação se dá cada vez mais fora do Estado" (Archetti, 2001: 116).
O nacionalismo ligado ao esporte teria tocado o próprio Vargas. Ainda que não fosse grande entusiasta dos esportes, Vargas teria sentido sua força de identificação ao presenciar uma disputa do Circuito da Gávea,2 em 1934, como demonstra seu diário:
2 a 4 de ou tu bro de 1934.
O dia 3 do corrente, aniversário da Revolução, não teve qualquer festividade. Parece até que passou esquecido. Observei-o com amargura. Apenas, nesse dia, tivemos a corrida de automóveis. Foi um espetáculo empolgante: grande multidão, pista difícil, corrida arriscada, alguns acidentes, vários que desistiram da prova em meio. Por fim, venceu um brasileiro. Como é forte o sentimento nacional! (...) Junto a mim estavam o embaixador argentino e algumas senhoras. Guardando a atitude de compostura exterior, eu imediatamente sentia-me comovido, com receio até de que me saltas sem lágrimas se vencesse um estranho. E eu mesmo me analisava, tomado daquela emoção estranha que procura va reprimir (Var gas, 1995, vol. 1: 331).
Revista Estudos Históricos - Vol. 22, No 44 (2009): América Latina - FGV
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